Redação Pragmatismo
Saúde 25/Mai/2022 às 17:24 COMENTÁRIOS
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Adolescente com hepatite misteriosa em PE só viveria 48h sem transplante

Publicado em 25 Mai, 2022 às 17h24

"Sem um transplante ela só iria sobreviver de 24 a 48 horas. Foi muita sorte conseguir listá-la como prioridade no país", diz médico. Equipe de 20 profissionais de saúde acompanhou a cirurgia. Necessidade de transplante em pacientes da hepatite misteriosa ocorre em 1 a cada 10 casos

iasmim hepatite
Iasmim

informações do blog do Carlos Madeiro

Maria Iasmim, de 14 anos, não sobreviveria por mais de dois dias se não tivesse passado por um transplante de fígado, realizado na sexta-feira (20). A avaliação é do médico Cláudio Lacerda, chefe da equipe da unidade de transplante de fígado do Hospital Oswaldo Cruz, no Recife, onde ocorreu a cirurgia. A adolescente é vítima de uma nova forma de hepatite de origem desconhecida.

“Sem um transplante ela provavelmente só iria sobreviver de 24 a 48 horas. Foi muita sorte porque a conseguiu listá-la como prioridade no país”, diz Lacerda, que também atua como professor titular de cirurgia abdominal da UPE (Universidade de Pernambuco).

Segundo o professor, a equipe do Recife precisou acionar o Sistema Nacional de Transplantes, com sede em Brasília, que aceitou e conferiu prioridade ao caso da garota. “Aí surgiu um fígado compatível de um homem de 30 anos. A família permitiu, e a equipe fez a retirada.” Uma equipe de 20 profissionais acompanhou a cirurgia. O órgão levado ao Recife em um voo da FAB (Força Aérea Brasileira).

A paciente mora no sítio Bruaca, no município de Ibimirim, a 338 km do Recife, no sertão pernambucano. A mãe dela, Lucineide da Conceição, contou que Iasmim começou a apresentar fraqueza, sonolência e falta de apetite. Quinze dias antes do transplante, estava com os olhos amarelos.

Para Cláudio Lacerda, a vida da adolescente foi salva quando os médicos do Hospital Mestre Vitalino, em Caruaru, perceberam a gravidade do caso e a encaminharam para transplante com urgência no Recife. “Se eles não tivessem feito isso, se decidissem ficar com ela lá internada, em 48 horas ela morreria ou chegaria ao ponto de não reversibilidade, em que não daria mais para transplantar”, explica.

Lacerda lembra que, assim que a paciente chegou, ele percebeu que o quadro era gravíssimo. Iasmim, então, entrou em coma e foi levada à UTI (Unidade de terapia intensiva) e intubada à espera de um novo órgão.

Lacerda explica que, do ponto de vista clínico, o quadro de Iasmim e o fígado dela tinham características iguais a de qualquer paciente com falência do fígado causada por hepatite. “Essa adolescente desenvolveu um quadro que, no início, parecia habitual, com sintomas que você vê em pacientes que têm hepatite A, B, C ou tem alguma hepatite relacionada a medicamentos a outras origens”, diz.

Até mesmo o curso da doença teve sintomas e prazo de manifestação idênticos ao das hepatites já conhecidas. “O comportamento clínico foi o mesmo: o paciente começa a ter sonolência, falta de apetite, fica febrícula, tem icterícia [olhos amarelados], urina escura e, em alguns casos, um pouco de dor abdominal”, explica.

Só que, no caso dela, diz, a doença evoluiu para uma gravidade extrema, a chamada hepatite fulminante. “Mas não se identificou nenhum agente etiológico, nenhuma causa para hepatite, o que nos chamou a atenção para ser essa possível hepatite misteriosa”, afirma.

O médico conta que vem acompanhando com atenção os casos que ocorrem no mundo. Segundo ele, o que mais chama a atenção é o percentual de casos graves muito maior que as hepatites tradicionais. Dados do Reino Unido apontam que há necessidade de transplante, em média, a cada dez casos conhecidos.

Segundo o último boletim médico, Iasmim segue na UTI, mas foi extubada [retirada do tubo para respiração] nesta segunda-feira (23), está acordada e iniciou dieta líquida. Ela deve ser transferida ainda hoje para um leito de enfermaria, onde deve permanecer em observação por pelo menos mais duas semanas. “Está evoluindo muito bem”, comemora Lacerda.

“Iasmim vai precisar tomar medicação a vida toda, mas que [a dose] vai diminuindo com o passar do tempo. Periodicamente vai passar por uma avaliação médica, mas a qualidade de vida dela será normal, sem nenhuma restrição”.

Sangue congelado e fígado guardado

As investigações sobre o que causou o problema em Iasmim seguem em curso, sem qualquer indicação até o momento. Vários exames foram feitos e alguns resultados ainda são aguardados.

O principal agente suspeito relacionado à doença na Europa não foi encontrado nos exames dela até agora. “A investigação está em curso, o resultado foi negativo para todos os vírus”, explica Lacerda. Para ajudar a desvendar o mistério, foram colhidas amostras do fígado para pesquisa.

“O fígado dela também vai ser guardado para posteridade, para eventuais estudos no futuro; e o sangue dela foi retirado e congelado para que, no dia em que os pesquisadores identificarem o vírus [causador dessas nova hepatites], tenha a possibilidade de pesquisarem o caso”.

Segundo informou a mãe, Iasmim não teve covid-19, apontada como uma das possíveis causas da hepatite misteriosa. O médico afirma que, apesar do que diz a família, é possível que a jovem tenha contraído a forma assintomática da doença.

Hepatite misteriosa

A hepatite é uma inflamação do fígado. Entre as causas da hepatite clássica, já conhecida, estão as infecções, as intoxicações por medicamentos ou drogas e a causa viral.

A nova hepatite intriga cientistas pela origem desconhecida e pelo nível de agressividade muito mais elevado. Cerca de 70% das crianças com essa hepatite de causa desconhecida apresentam testes positivos para a infecção por adenovírus.

“Encontrou-se o adenovírus, que é um vírus comum que pode causar a gripe ou um pouco de sintomas gastrointestinais. Mas o adenovírus só causa hepatite aguda severa em crianças que estão com imunodeficiência. Mas nesses pacientes da hepatite misteriosa não se encontravam nenhum problema de imunidade baixa”, explica Jorge Bezerra, diretor da Divisão de Hepatologia do Hospital de Crianças de Cincinnati.

O médico brasileiro Jorge Bezerra trabalha há 36 anos nos Estados Unidos. Hoje é diretor no departamento de hepatologia do hospital infantil de Cincinnati. Lá, foi realizado o transplante da menina Lívia, vítima da hepatite misteriosa. Nos exames dela havia a presença do adenovírus.

“Mas o que é muito interessante é que quando removemos o fígado que estava doente, danificado, pesquisamos o adenovírus naquele fígado e não estava presente”, conta Bezerra.

“Outra possibilidade é uma maior agressividade do vírus. Mas até então o sequenciamento do código genético do vírus não mostrou nenhuma mutação que pudesse explicar esse aumento de agressividade”, diz o hepatologista Raymundo Paraná.

Até sexta-feira, o Brasil registrou 73 casos suspeitos em 13 estados. No mundo, o número já chega a 429. Em Pernambuco, foram seis casos registrados, cinco em investigação e um descartado.

A nova manifestação da hepatite elevou a gravidade das hepatites já conhecidas. Na Europa, as crianças têm necessidade de transplante de fígado em 1 a cada 10 casos, segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde).

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