Não se enganem com a fala supostamente garantista do general Luís Carlos Gomes Mattos
A grande imprensa brasileira amanheceu entusiasmada com a fala do ex-presidente do Superior Tribunal Militar sobre o processo eleitoral. Antes mesmo de interpretar sua frase, é importante não baixar a guarda e saber quem é o general Luís Carlos Gomes Mattos
Reinaldo Azevedo, em seu blog
À diferença de alguns colegas, não caí na conversa do general de Exército Luís Carlos Gomes Mattos, que presidia até ontem o Superior Tribunal Militar.
Ao deixar o comando do tribunal, afirmou o seguinte: “A Justiça Eleitoral é responsável pelo funcionamento real daquilo [eleições]. Nossa missão é diferente. Não temos que nos envolver em nada. Nós temos que garantir que o processo seja legítimo, essa é a missão das Forças Armadas”.
Será mesmo que ele está a dizer que militares devem se manter afastados das eleições? Acho que não. Ou melhor: eu tenho a certeza de que não. Nada de baixar a guarda ou de relaxar a vigilância. Parece-me que o militar está dizendo o contrário do que uma leitura ou audição ligeiras sugerem. Antes que volte a esse ponto, é preciso saber quem está falando.
Quem é o general
Este senhor esteve no malfadado encontro de Jair Bolsonaro com embaixadores estrangeiros, em que o chefe do Executivo denunciou o sistema eleitoral brasileiro, mentindo que há evidências de fraudes em eleições passadas e que as deste ano seguirão no mesmo caminho.
Gomes Mattos é presidente de uma corte superior e general da ativa. É evidente que jamais poderia ter comparecido a um ato como aquele. Há pouco mais de um mês, numa entrevista, afirmou que a oposição estava “esticando demais a corda”. E, também naquele caso, investiu na ambiguidade:
“Porque a política é assim: tem gente contra e tem gente a favor. Quem está contra logicamente vai esticar essa corda, como se diz, até que ela arrebente. Esses, na verdade, são os que não têm muito apreço pela democracia, os que defendem ditaduras e apoiam ditadores. Quando a corda vai arrebentar? Isso eu não sei”.
Tomemos dois critérios para analisar a fala acima: a) Garantia da democracia; b) Ameaça. Digam-me cá, leitores: está mais perto da alternativa “a” ou da “b”? Se os que se opõem ao presidente são “inimigos da democracia”, a truculência contra adversários serviria ao propósito de protegê-la.
A fala de quarta-feira
Retomemos sua declaração desta quarta, ao se despedir da presidência do STM. Ele diz que a Justiça Eleitoral é que cuida “daquilo” (sic): as eleições. Afirma em seguida: “Não temos de nos envolver em nada”. Isolada, a frase parece mesmo a divisa de um democrata. O que vem em seguida, no entanto, nos remete à sandice que tomou conta de uma parcela dos uniformizados: “Nós temos que garantir que o processo seja legítimo, essa é a missão das Forças Armadas”. É aí que está o “x” do problema.
Bolsonaro, o “comandante supremo” das Forças, promoveu um ato com embaixadores estrangeiros justamente para anunciar a ilegitimidade do sistema de votação. Acusa-o, nada menos, de ser fraudulento.
Percebam que Gomes Mattos, a um só tempo, nega o que afirma. Quem garante a lisura do processo — e, portanto, a sua legitimidade, nos termos da Constituição — é a Justiça Eleitoral, não, como ele diz, as Forças Armadas.
Sérgio Nogueira de Oliveira, ministro da Defesa e militante da causa bolsonarista, não teria nenhuma dificuldade em concordar com o seu colega de farda. Nos termos do agora ex-presidente do STM, bastaria, então, que as Três Forças considerassem “ilegítimo” o sistema eleitoral que temos e pronto! Não seria o TSE a última palavra em matéria de voto, mas os militares.
Há mais ideias turvas na sua declaração. Ele avança: “Nós vamos atuar dentro daquilo que está previsto para garantir que o processo seja legítimo e ao final tenha o respaldo popular”.
O que “está previsto” e em que lugar? É um alusão coberta ao tal Artigo 142 da Constituição, que os golpistas leem pelo avesso (sim, está pessimamente redigido), a saber:
“As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”
É evidente que o constituinte não pôs o poder civil sob a tutela dos militares, senão o contrário. E só por isso o presidente é o “comandante supremo” — afinal, foi eleito. “Garantir” os Poderes não é sinônimo de submetê-los a seu controle. Na verdade, o que vai escrito acima indica que os militares teriam de proteger — porque detêm o monopólio do uso legítimo da força — a própria Justiça Eleitoral (que compõe um dos Poderes) da ação daqueles que a ameaçam.
O que vaza das palavras do general, no entanto, é o oposto: caberia às Forças Armadas, inclusive, o juízo último sobre a “legitimidade” e a efetividade do cumprimento da vontade popular.
Ora, a “vontade popular” será aquela proclamada pela Justiça Eleitoral, não o berreiro de eventuais descontentes com a derrota.
Não! A fala do general não é nem boa nem tranquilizadora. É preciso estar mais atento e vigilante do que nunca. Que as ruas falem em 11 de agosto.
→ SE VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI… considere ajudar o Pragmatismo a continuar com o trabalho que realiza há 13 anos, alcançando milhões de pessoas. O nosso jornalismo sempre incomodou muita gente, mas as tentativas de silenciamento se tornaram maiores a partir da chegada de Jair Bolsonaro ao poder. Por isso, nunca fez tanto sentido pedir o seu apoio. Qualquer contribuição é importante e ajuda a manter a equipe, a estrutura e a liberdade de expressão. Clique aqui e apoie!