Briga por causa de choro de criança autista termina com dois mortos e uma ferida
Um dos mortos tinha três armas e estava aguardando a chegada de um fuzil, comprado legalmente por conta dos decretos de Bolsonaro. “Se ele quisesse, teria exterminado todos”, diz esposa do atirador. “Caso retrata a banalização da posse de arma. Todo ser humano é um homicida em potencial, basta a oportunidade. Hoje as pessoas estão conseguindo arma como se consegue um suvenir qualquer. Arma não resolve nada, te digo isso com 42 anos de polícia”, relata delegado. Mulher levou tiro na cabeça e encontra-se em estado grave
Dois homens morreram e uma mulher encontra-se internada na UTI em estado gravíssimo após uma discussão por conta do choro de um menino autista de 5 anos de idade. O episódio aconteceu em Teresina (SP).
Tudo começou na sexta-feira (28), quando Daniel Flauberth Gomes Nunes Leal (do lado esquerdo na imagem) de 38 anos, tio do menino, saiu de casa para brigar com a criança, impaciente com o choro.
No sábado (29) de manhã, o pai do garoto e cunhado de Daniel, Felipe Guimarães Martins Holanda (do lado direito na imagem), 37, foi tirar satisfação com o homem. Nesse momento, Felipe estaria com uma faca e o cunhado, que é instrutor de tiro, pegou uma arma.
Em meio à discussão, o instrutor de tiro Daniel efetuou um disparo que atingiu a babá Juliana da Silva, 36, na cabeça, enquanto ela cuidava das crianças na área de lazer do terreno. Os dois partiram para um confronto físico e mais disparos foram feitos, acertando Felipe na virilha. Daniel foi atingido por tiro na cabeça, provavelmente por acidente com a própria arma. Ambos morreram.
De acordo com informações da polícia, todos os tiros partiram da pistola 380 de Daniel. Além da arma, o instrutor de tiro também tinha em casa uma pistola 9mm e um revolver 357. Ele ainda estava aguardando a chegada de um fuzil que comprou recentemente e de maneira legal, devido aos decretos presidenciais pró-armas de Jair Bolsonaro.
Na casa onde ocorreu a tragédia viviam ainda as esposas de Felipe e Daniel, além das três filhas de Daniel, o filho de Felipe e os pais de Felipe, dois idosos. A família era toda de evangélicos e não consumiam bebidas alcoólicas. Não houve festas na casa na sexta e nem no sábado.
“Banalização da posse de armas”
“Daniel Flauberth era filiado a um clube de tiro, adquiriu as armas legalmente e tinha adquirido legalmente um fuzil, que estava em trânsito. Isso é a banalização do porte de arma, da posse de arma, em prática desportiva. A arma não defende nem protege ninguém. As pessoas falam tanto em tolerância e resiliência e cometem um ato desses”, disse o delegado Francisco Costa Barêtta, coordenador do Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP).
“Hoje as pessoas com a prática esportiva de tiro estão conseguindo arma como se consegue um suvenir qualquer. Arma não resolve nada, te digo isso com 42 anos de polícia”, afirma o delegado.
“Todo ser humano é um homicida em potencial, basta a oportunidade. Essas duas pessoas esclarecidas entraram em uma contenda e dois vieram a óbito. Devia haver já um ranço entre as duas. O choro de uma criança autista levar a tudo isso, não acredito. Mas a investigação é que vai dizer. O inquérito policial instaurado para explicar como foi a dinâmica do crime”, acrescentou o delegado.
“Exterminado todos”
Em entrevista à imprensa local, a esposa de Daniel disse que se o marido quisesse “teria exterminado todos”. Ela preferiu não ter sua identidade revelada. “No sábado de manhã o Felipe estava com xingamentos, palavras pejorativas, insultando, quando Daniel escutou e foi buscar a arma dele para tentar se defender caso acontecesse alguma coisa, porque viu o Felipe com a faca. Meu irmão continuou insultando, meu marido entrou também na discussão verbal”, disse a mulher.
A esposa do instrutor de tiros relatou ainda que estava muito aflita com a situação e que o marido poderia ter executado todos caso quisesse, pois possuía bastante experiência como atirador. “Eu estava muito nervosa, mas tenho a impressão de ter ouvido dois disparos. Daniel era uma pessoa muito experiente, ele lidava com armas há muito tempo e, se quisesse, teria exterminado todos por conta da experiência dele com armas. Ele era um homem que sempre me falava que aquela arma não era pra defender a vida dele, era a vida dele que defendia a arma”, pontuou.
A mulher disse ainda que a criança não tem um ‘diagnóstico definitivo’ de autismo. “A criança não tem um diagnóstico fechado [de autismo], ela tem cinco anos, ela tem TDAH e traços de autismo. A criança chora muito há vários anos. Meu marido se incomodava com o choro e não só com o choro, mas com a forma que o choro era conduzido como se não houvesse a repressão necessária, porque mesmo a criança com autismo precisa de limites e disciplina. A intenção do meu marido foi de reclamar com a criança, isso no dia anterior, no sentido de dar um tratamento de choque e não vou entrar no mérito da questão se isso é certo ou errado, mas ele dizia para ele não gritar e o meu irmão se incomodou que tinha um outro adulto que não era o pai dele reclamando com o filho dele”, explicou.
Armas de fogo no Brasil
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o número de pessoas com licenças para armas de fogo disparou no governo Jair Bolsonaro (PL) e registrou aumento de 473% em quatro anos.
Em 2018, antes do presidente assumir, havia 117,4 mil registros ativos para caçadores, atiradores e colecionadores, os chamados CACs. Agora o número já chega a 673,8 mil — maior valor da série histórica. Além disso, o anuário mostra que o Brasil tem 2,8 milhões de armas de fogo particulares, um aumento de 39% em relação a 2020.
O governo Bolsonaro editou até o momento 19 decretos, 17 portarias, duas resoluções, três instruções normativas e dois projetos de lei que facilitam as regras para ter acesso a armas e munições no Brasil.
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