"No Brasil, o policial pode beber uma garrafa de uísque com a arma na cintura"
Seguranças de festas se dizem intimidados por PMs armados: "O Estado garante que eles andem armados 24 horas por dia, e nós, vigilantes de evento, não temos o poder de desarmá-los pra que eles possam acessar shows e eventos. A gente toma duas cervejas e não pode pegar carro. Por que eles podem beber uma garrafa de uísque com a arma na cintura? Isso está errado"
Moisés Amorim trabalhou como coordenador da equipe de segurança do show onde o lutador de jiu-jítsu Leandro Lo foi assassinado. Com 15 anos de experiência na área, ele diz que ficou muito abalado com o crime cometido pelo PM Henrique Velozo (imagem).
Para Moisés, é preciso rever a permissão legal de policiais entrarem armados em casas de show e boates. “O Estado garante o direito de eles andarem armados 24 horas por dia, e nós, vigilantes de evento, não temos o poder de desarmá-los pra que eles possam acessar show, evento, bar ou casa noturna”, afirma.
“A gente toma duas cervejas e não pode pegar carro. Por que os caras podem beber uma garrafa de uísque com a arma na cintura? Sendo policial ou não, isso está errado”, acrescenta.
Policiais têm direito de andar armados, mesmo fora de serviço, autorização dada pelo Estatuto do Desarmamento de 2003. O sexto artigo do Estatuto afirma que é proibido portar arma de fogo em todo território nacional, exceto para categorias listadas no artigo 144 da Constituição, no qual estão incluídos os policiais civis (estaduais e federais) e os militares. O Estatuto diz que cabe às próprias instituições regular o porte de armas, mas garante aos policiais o direito de portá-las mesmo fora de serviço.
O coordenador da segurança detalhou o procedimento adotado quando uma pessoa armada passa pela revista. Nessas situações, a equipe de segurança é orientada a anotar o nome do usuário e os detalhes da arma.
Segundo relatou Moisés, naquela madrugada o crime aconteceu muito rápido, antes que os vigilantes pudessem fazer qualquer coisa para evitar o tumulto. Mas, mesmo que eles tivessem tido tempo de chegar ao local da briga, o fato de haver um homem armado entre quem brigava poderia comprometer a reação da equipe, toda desarmada.
Naquele dia, conta Moisés, havia 40 vigilantes e seis policiais armados, entre militares, civis e federais. “Isso é um problema pra gente, porque um PM armado dentro da casa já intimida quem não está”, afirmou Moisés. “Nós, que sabemos que ele está armado, já nos sentimos intimidados. Se ele beber, se jogar copo pra cima, tirar a camisa, se bater em alguém… um vigilante, que só tem um curso de formação e sem treinamento tático específico, como vai abordar uma pessoa armada?”.
Henrique Velozo
Não foi a primeira vez que o tenente Henrique Velozo se envolveu em um episódio violento enquanto estava de folga em uma casa de shows. Velozo foi condenado em 2021 pelo Tribunal de Justiça Militar a nove meses de prisão em regime aberto por ter desacatado e agredido com socos o soldado da PM Flávio Alves Ferreira.
Agora, porém, ele será julgado pela Justiça comum, já que o crime foi cometido contra um civil. A chamada “Lei Bicudo”, de 1996, transferiu da Justiça Militar para a civil o julgamento de crimes dolosos contra a vida cometidos por policiais militares contra civis.
Após o término da investigação da polícia, o Ministério Público vai decidir se oferece denúncia contra Velozo. Se a Justiça acatar a denúncia por homicídio doloso, o PM será julgado pelo júri popular e pode pegar até 30 anos de prisão.
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