A diferença entre Seu Jorge e Roger Machado
Brancos, racistas, poderosos, ricos e bolsonaristas em geral odeiam gente com o destemor de Roger e Seu Jorge. Mesmo que eles sejam poucos
Moisés Mendes*, em seu blog
Seu Jorge pega o violão e sua banda e vai tocar onde quiser. Roger Machado só voltará a treinar algum time se o clube tiver dirigentes destemidos, que se disponham a enfrentar a própria torcida.
↗ Seu Jorge é a prova que consumo não compra inclusão social
É a realidade brasileira. Roger deu uma entrevista ao portal GE, apenas mais uma, no dia 26 de agosto deste ano, em que mostrava, como se estivesse desenhando, a relação entre o racismo e o questionamento do trabalho de técnicos negros.
Também deixou claro que manifestações dissimuladas de desprezo por treinadores negros reproduzem no futebol o que acontece em todas as áreas, sob a inspiração do bolsonarismo.
Cinco dias depois, em 1º de setembro, era demitido do comando técnico do Grêmio. Roger, um dos poucos treinadores negros do futebol no Brasil, tinha ido longe demais.
Podem dizer, e dizem e repetem, que não há relação de uma coisa com a outra, muito menos provas.
Podem dizer e repetir mil vezes. Mas o Grêmio, por precaução, por bom senso e por proteção à própria imagem, não poderia ter demitido Roger menos de uma semana depois da entrevista em que o treinador identifica as causas da exacerbação do racismo no Brasil.
A causa principal é a disseminação do ódio pelo sujeito que chegou ao poder com o suporte dos militares.
A causa é a autorização, a partir do comportamento do governo, para que qualquer um seja racista, sem nada temer, porque geralmente nada acontece.
No caso de Seu Jorge, a reação racista de parte do público do show no Grêmio Náutico União foi subestimada pelos próprios dirigentes da entidade.
↗ Episódio racista como o que sofreu Seu Jorge no RS já foi retratado no filme Green Book
Antirracistas que denunciaram o episódio foram atacados nas redes sociais e chegaram a recuar, porque perceberam que a trincheira do clube era forte.
Criou-se a sensação de que o racismo seria mais uma vez vitorioso, diante da reação dos que protegiam os racistas e da tentativa de desqualificar o cantor.
Não deu certo. Desta vez, não. Porque Seu Jorge é uma figura poderosa. O artista decidiu que iria atacar, diante das insinuações de que até fumara algo estranho no palco.
Seu Jorge e Roger assumiram, cada um a seu modo, a defesa das liberdades e das diferenças, mas não para falar só deles mesmos.
Suas experiências foram apenas a base para a reflexão contra os racistas e em defesa das suas vítimas.
É o que incomoda o fascismo. Roger e Seu Jorge estão, pela potência do que dizem e pela reputação conquistada, muitos degraus acima do cidadão comum que não tem a quem recorrer.
Não têm o acolhimento da polícia, do Ministério Público e da Justiça, com as exceções de sempre. Roger e Seu Jorge têm o poder da celebridade que age em nome dos seus.
Brancos, racistas, poderosos, ricos e bolsonaristas em geral odeiam gente com o destemor de Roger e Seu Jorge. Mesmo que eles sejam poucos.
Lamenta-se que, pelas peculiaridades da profissão de cada um, Roger seja o mais exposto a retaliações.
Só vai mudar quando o futebol deixar de ser um ambiente em que prevalecem a negociação de jogadores, a dinheirama, a alienação, a resignação e a militância de extrema direita.
O triste é que não vai mudar, nem com o fim do bolsonarismo. Mas poderemos ter mais bravos com a capacidade de luta de Seu Jorge e de Roger Machado.
*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. Foi colunista e editor especial de Zero Hora. Escreve também para os jornais Extra Classe, Jornalistas pela Democracia e Brasil 247. É autor do livro de crônicas ‘Todos querem ser Mujica’ (Editora Diadorim)
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