As cenas sonegadas da prisão de Anderson Torres
A imagem da prisão de um golpista, acusado de estar coordenando a ‘legalização’ do golpe, é informação inegociável
Moisés Mendes*, em seu blog
Vou tentar desenhar, para que não fiquem dúvidas, o que escrevi ontem sobre a inexistência de imagens da prisão de Anderson Torres no retorno ao Brasil.
Algumas pessoas, nos comentários sobre o texto no DCM, observaram que as imagens não existem porque a Polícia Federal evitou a espetacularização da prisão.
Nessa linha, o Grupo Prerrogativas lançou nota elogiando o fato de que não houve ‘a espetacularização e a carnavalização’ do fato.
O meu comentário e a posição do Prerrogativas não podem ir para o mesmo balaio. São coisas diferentes.
O que defendo é que a prisão de Torres foi a primeira de um grande envolvido na tentativa de golpe.
O jornalismo teria de dar conta do acontecimento, como ocorreu quando da prisão de Lula, mesmo que os personagens não sejam comparáveis.
Uma prisão desse tamanho é um fato que não pode ser sonegado à população.
Imagens dramáticas, tristes, muitas desqualificadoras provocam as mais variadas reações sob o ponto de vista legal, ético, moral, estético.
A imagem de uma prisão, nessas circunstâncias e com esse personagem, tem valor jornalístico e histórico inestimável.
Assim como teve a prisão de Lula, mesmo que alguns não gostem ou condenem. A cena da prisão de Lula é a expressão das arbitrariedades do lavajatismo.
O que o Prerrogativas fez foi um elogio à PF, por agora ser discreta quando de prisões, até para que se evite o que já correu durante a perseguição de Moro a Lula e às esquerdas.
É uma posição humanista e legalista de um grupo de advogados reconhecidamente democratas e republicanos, que há anos luta contra o arbítrio.
Resumindo, se é que precisa. Independentemente da posição do Prerrogativas, o jornalismo tem, sim, o direito de ir em busca de uma imagem decisiva para que fatos sejam compreendidos e memórias sejam preservadas.
Mas não temos a imagem da prisão do delegado, o que é lamentável. Mas temos a imagem de Che Guevara assassinado. De Vladimir Herzog ‘enforcado’, na fraude dos torturadores. E de Salvador Allende morto no chão.
E aí se pergunta. A PF pode atuar no sentido de evitar que o jornalismo faça imagens como a de Torres sendo preso?
A PF deve tentar preservar direitos, mas para que uma figura pública seja escondida na hora em que tomba como golpista?
É um longo debate. A PF pode tudo em nome da discrição? Nesse caso, defendo que não pode. A PF não tem o direito de tirar do cidadão o outro direito, ainda maior, de ter acesso a essa informação.
A imagem da prisão de um golpista, acusado de estar coordenando a ‘legalização’ do golpe, é informação inegociável.
(Não vi notas pedindo que a polícia fosse discreta quanto da prisão de manezinhos em Brasília, a maioria negros e pobres expostos em fotos em todos os veículos. Repetindo: eram criminosos, mas negros e pobres a serviço de manezões que não aparecem.)
*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. Foi colunista e editor especial de Zero Hora. Escreve também para os jornais Extra Classe, Jornalistas pela Democracia e Brasil 247. É autor do livro de crônicas ‘Todos querem ser Mujica’ (Editora Diadorim)
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