Candidato bolsonarista deu 12 tiros em ação que matou piloto Felipe Ramos Morais
Candidato a deputado federal na última eleição, coronel bolsonarista efetuou 12 disparos na ação que matou Felipe Ramos Morais. Filho de um engenheiro e de uma advogada, o piloto, que ficou nacionalmente conhecido por levar chefão do PCC para uma emboscada, era o primogênito de uma típica família de classe média alta paulistana. Comprou seu primeiro helicóptero com dinheiro de herança deixada pelo avô e teve seu primeiro contato com o PCC em 2012. Felipe tinha amizade com integrantes de alta patente da PM
Morto em Abadia de Goiás (GO) na última sexta-feira (17), o piloto de helicóptero Felipe Ramos Morais, 36, foi alvejado por um coronel bolsonarista, que foi candidato a deputado federal na eleição de 2022.
No histórico do B.O. é mencionado que o tenente-coronel Edson Luís Souza Melo Rocha, 40, abertamente defensor da pena de morte, efetuou 12 disparos na ação com a pistola Sig Sauer P320, calibre 9 mm.
As circunstâncias do assassinato do piloto Felipe Ramos não estão completamente esclarecidas — e é provável que jamais sejam. Primeiro, a polícia informou que se tratou de uma ação contra o tráfico de drogas e que, no local da morte, “foram encontrados 5 quilos de cocaína”. Mais tarde, a corporação falou em mais de 150 quilos de pasta base. A PM também não informou se no momento do assassinato Felipe estava com a escolta da Polícia Federal a que tinha direito por ter sido um delator do PCC.
Edson Luís Souza Melo Rocha Rocha, conhecido como “Xerife de Goiás”, foi candidato a deputado federal com o nome de Coronel Raiado (Avante), em outubro do ano passado, e também fazia campanha para o ex-presidente Jair Bolsonaro. O coronel teve 19.811 votos e não se elegeu.
Em 28 de junho de 2021, Edson Luís Souza Melo Rocha participou da ação que culminou com a morte do serial killer Lázaro Barbosa. À imprensa, o tenente-coronel afirmou que mais de 60 tiros acertaram Lázaro.
De piloto do PCC a jurado de morte
Desde que deixou a Penitenciária Federal de Campo Grande (MS) pela porta da frente, no dia 16 de abril de 2021, Felipe, autor de delação premiada envolvendo a cúpula do PCC, passou a ser jurado de morte pela maior facção criminosa do Brasil.
Foi por conta da delação premiada de Felipe que a Polícia Federal desarticulou o maior braço financeiro do PCC, prendeu dezenas de pessoas e bloqueou R$ 1 bilhão em bens e em contas bancárias.
Felipe jurava nunca ter trabalhado para o PCC e dizia que não era integrante da organização. Ele relatou também que prestava serviços aéreos para o traficante Cabelo Duro e foi contratado por ele para fazer um voo no Ceará e transportar duas pessoas que não conhecia.
Quem foi Felipe Ramos Morais
Felipe Ramos Morais foi o piloto que ficou nacionalmente conhecido por levar o chefão do PCC, Gegê do Mangue, para uma emboscada. O assassinato aconteceu em 2018, no Ceará. Naquela época, Gegê era considerado o número 2 na hierarquia da facção, atrás apenas de Marcola.
Desde pequeno, Felipe gostava de contemplar o vaivém dos aviões na pista do aeroporto de Congonhas. Corriam os anos 1990, e o menino respirava aviação, na escola e em casa — onde guardava uma ampla coleção de helicópteros e aeronaves de brinquedo.
Felipe era o primogênito do casal de filhos de uma típica família de classe média alta paulistana, com pai engenheiro e mãe advogada.
Quando completou 13 anos, o avô paterno passou a levá-lo até o aeroporto do Campo de Marte, Zona Norte da cidade. No contraturno da escola, fazia pequenos trabalhos de serviços gerais em alguns dos hangares. Em 2003, aos 17 anos, concluiu o ensino médio – era bom aluno, segundo a mãe – e mudou-se para Guarujá, no litoral paulista. Morava com o pai, que na época conseguira um emprego na Baixada Santista, e estudava para o vestibular da Academia de Polícia Militar do Barro Branco. Queria se tornar oficial da PM paulista. Por duas vezes, não foi aprovado – anos depois, Morais iniciaria graduação em direito em São Paulo, sem concluir o curso.
Foi na Baixada, acredita a Polícia Federal, que Morais teve contato pela primeira vez com membros do Primeiro Comando da Capital. Aos 22 anos, em 2008, obteve habilitação para piloto de helicóptero. Quatro anos depois, com o dinheiro da venda do apartamento deixado como herança pelo avô paterno, comprou seu primeiro helicóptero, um Robinson R44 branco, fabricado em 2000. Abriu uma empresa de táxi aéreo e começou a fazer voos panorâmicos pelo Brasil – fachada para o seu empreendimento secreto, segundo a polícia: o transporte de centenas de quilos de cocaína a mando do PCC.
Piloto de confiança da facção, Morais ficou milionário: aos 30 anos, seu patrimônio alcançava 19,5 milhões de reais e incluía sete helicópteros, quatro lanchas, quatro caminhonetes e dois automóveis. Tinha cinco empresas, uma delas em sociedade com a filha do coronel da Polícia Militar de São Paulo Edson Luiz Gaspar, que foi subcomandante do Grupamento de Radiopatrulha Aérea no estado.
Amizade com coronel da PM
Várias fotos mostram a relação de amizade entre o piloto Felipe e o tenente-coronel Edson Luiz Gaspar (ver abaixo). As imagens que circulam nas redes sociais mostram Gaspar ao lado do piloto em cinco situações: num passeio de barco, num churrasco à beira mar, em um restaurante, e dentro e fora de um helicóptero apreendido pela Polícia Civil paulista.
(imagens de Felipe e o coronel da PM Edson Luiz Gaspar)
Quem foi Gegê do Mangue
Segundo filho de uma família de quatro irmãos, Gegê do Mangue nasceu em 1977, na Rua Fidalga, 1010, no meio do Mangue, favela com cerca de trinta casas encravadas desde os anos 60 na Vila Madalena. Seus pais, Marlene Jeremias e Ítalo Alfredo de Simone (morto em 1982, ao cair do telhado de casa), ganhavam a vida como artesãos, tecendo almofadas e vendendo-as na rua.
Nada na infância do pequeno Rogério parecia indicar seu destino. Tímido e obediente, ele ajudava na faxina da casa da família e foi coroinha na igreja da área. Na adolescência, no início dos anos 90, passou a frequentar bares da Rua Aspicuelta, o extinto Sujinho, na Mourato Coelho, a sede da escola de samba Pérola Negra, na Girassol, e festas de axé, seu ritmo preferido. Não usava drogas nem abusava do álcool. Aos 15, trabalhava como office-boy em empresas do centro, mas percebeu que ganharia mais dinheiro por meio do tráfico.
Passou a distribuir maconha e cocaína a frequentadores de barzinhos da Vila. A primeira prisão ocorreu em 1995, quando foi pego em flagrante com drogas na Rua Fidalga. Como era réu primário, ficou menos de um ano preso. Depois, alternou idas e vindas da cadeia, até receber, em 2000, uma condenação: doze anos de reclusão por tráfico e assassinato. Sua trajetória confirma a máxima de que a cadeia no Brasil funciona como uma escola do crime.
Dentro das celas, aproximou-se das lideranças do PCC e aderiu à facção. Começou no posto de “sintonia”, espécie de gerente na estrutura do crime. Entre outras funções, recebia a visita de advogados da quadrilha e repassava aos comparsas as informações vindas de fora do presídio. Em 2003, subiu alguns degraus na hierarquia da bandidagem após tentar enviar para Marcola um bilhete falando da morte do juiz corregedor Antônio Machado Dias. Tido como um dos principais inimigos do PCC nos tribunais, o magistrado foi executado dentro do carro com três tiros, na saída do Fórum de Presidente Prudente.
Colocado na rua após um “deslize” da Justiça, em janeiro de 2017, Gegê fugiu para a Bolívia e passou a frequentar o Ceará, utilizando um avião particular da facção, onde gostava de passear de buggy e desfrutar de uma casa de luxo, localizada em um condomínio fechado. Antes de subir no helicóptero para aquele que seria seu último vôo, o traficante desembarcou de uma Land Rover preta.
“Vocês estão loucos?”, teria dito Gegê ao perceber a emboscada, segundo relato do piloto Felipe Ramos Morais. Gegê foi morto com um único tiro na região do nariz. O crime foi motivado por disputas internas do PCC.
Ao deixar a prisão em 2017, Gegê do Mangue prometeu resgatar Marcola, com quem possuía uma imensa dívida de gratidão. No entanto, não o fez, e aproveitou-se do fato de ser a principal liderança em liberdade para usar a estrutura do PCC para enriquecimento próprio.