Em público, Bolsonaro se esforçava para demonstrar simplicidade; no privado, brigava para levar joias
A pressa de Michelle em tirar as joias do colo mostra o potencial do estrago na imagem da ex-primeira-dama, já lançada por Valdemar como candidata. A caminhada, a exemplo do que aconteceu com seu marido, envolve a construção da imagem de que no fundo eles são pessoas simples que não vestem roupas caras e se alimentam à base de pão com leite condensado. Inúmeras vezes Bolsonaro se deixou fotografar em público, posando como homem do povo, incapaz de se incomodar com a sujeira da farofa do frango derrubada em seu colo
Matheus Pichonelli*
A âncora da CNN Brasil Daniela Lima informou que a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro acionou um advogado durante o fim de semana para providenciar a devolução das joias enviadas pela Arábia Saudita supostamente como presentes.
Parte das peças, avaliadas em R$ 16,5 milhões, ficou retida na alfândega porque não foi declarada por emissários do governo que voltavam de viagem do país árabe. Para ficar com as jóias era preciso pagar taxas de importação ou incluí-las no acervo presidencial como itens de interesse público.
Fora isso é descaminho.
A pressa de Michelle em tirar as joias do colo mostra o potencial do estrago na imagem da ex-primeira-dama, já lançada por Valdemar Costa Neto, chefe do PL, como possível candidata a presidente.
A caminhada, a exemplo do que aconteceu com seu marido, envolve a construção da imagem, junto ao grande público, de que no fundo eles são pessoas simples e despojadas que não vestem roupas caras e se alimentam à base de pão com leite condensado.
Inúmeras vezes Bolsonaro se deixou fotografar em público, para suas redes, posando como homem do povo, incapaz de se incomodar com a sujeira da farofa do frango derrubada em seu colo.
Pois hoje, nas redes sociais, o clã é assombrado pela má repercussão do caso das joias.
Um levantamento da consultoria Arquimedes apontou que a maioria das menções à história no Twitter é negativa (74,7% dos usuários). Poucos foram a público defender o direito de Bolsonaro e esposa receberam ilegalmente os presentes milionários oferecidos pela monarquia saudita interessada em negócios com o Brasil.
Quem acompanha os descaminhos do clã vai se lembrar que histórias mal contadas a respeito de rachadinhas, compras de imóveis em dinheiro vivo e até cheques suspeitos para a primeira-dama não impediram que Bolsonaro obtivesse 58 milhões de votos na última eleição, a maioria vindos de enclaves do Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
Há nuances entre um caso e outro, porém.
Os escândalos destrinchados em sua gestão foram gestados em seus tempos de parlamentar e/ou envolviam os filhos, por quem seus eleitores não costumam botar a mão no fogo. “Votei no pai, não nos filhos”, costumam dizer os eleitores mais fieis de Bolsonaro.
É provável que a história das joias seja recebida com ceticismo ou sono profundo por quem foi convencido, nos últimos anos, a não consumir nem confiar em nada do que sai na imprensa profissional. A história das joias foi revelada por dois repórteres do Estado de S.Paulo.
A essa altura os grupos de Telegram e WhatsApp já produzem versões palatáveis para justificar a história até aqui injustificada e injustificável como se fosse parte de uma campanha de perseguição.
Mas a pressa da ex-primeira-dama para se livrar logo das joias e se dizer traída talvez aponte que é melhor não correr riscos.
Uma coisa é convencer os eleitores dispostos a serem convencidos. Outra é convencer a Justiça.
*Matheus Pichonelli é formado em jornalismo pela Cásper Líbero e em ciências sociais pela USP.