Jovem atacada por tubarão em Pernambuco diz que se sentiu desamparada: "Preferiram filmar"
Kaylanne afirma que se sentiu desrespeitada pelas pessoas que preferiram filmar a cena em vez de ajudá-la. "Na hora do ataque tinha gente filmando em vez de ajudar, fora os comentários que eu vejo. Foi o que me matou por dentro"
Kaylanne Timóteo Freitas, que perdeu parte do braço após um ataque de tubarão na Praia de Piedade, em Jaboatão dos Guararapes (PE), se recupera em casa. Em entrevista à TV Globo, a adolescente de 15 anos falou sobre a sua recuperação e como aconteceu o ataque. “Eu sobrevivi, e essa é a minha maior vitória”, contou.
A adolescente disse que conhecia a região, estava nadando com amigos, mas, dez minutos depois de ter entrado na água, sentiu a primeira mordida. Kaylanne afirmou que a primeira mordida foi na barriga. Quando tentou acertar o animal com o braço, ele a mordeu, o que a fez perder o antebraço.
“Eu ainda duvidava, pensei: ‘isso não está acontecendo comigo, é um pesadelo’. Achava que eu ia acordar. Minha ficha só caiu na ambulância”.
VEJA TAMBÉM: Animal de grande porte é flagrado dentro de onda após ataque de tubarão
Kaylanne afirma que se sentiu desrespeitada pelas pessoas que preferiram filmar a cena em vez de ajudá-la. “Na hora do ataque tinha gente filmando em vez de ajudar, fora os comentários que eu vejo. Foi o que me matou por dentro”.
A adolescente foi submetida a uma cirurgia para reconstruir tecido, músculos e nervos, rasgados pelas mordidas do tubarão. Segundo contou, o pós-operatório foi doloroso, ela teve crises de pânico, mas destacou que o importante é ter sobrevivido: “minha maior vitória”.
Agora, Kaylanne diz que precisa se adaptar ao fato de não ter mais o antebraço esquerdo: “15 anos da minha vida eu passei com meu braço inteiro. Eu renasci e vou ter que reaprender a fazer tudo de novo”.
Kaylanne foi atacada em 6 de março. No dia anterior, 5, outro adolescente, Claudemir Gleybson Ferreira Herculano, 14, foi mordido por um tubarão na área da igrejinha de Piedade, a 500 metros de onde a jovem foi mordida. Claudemir teve parte da perna direita amputada.
No dia 20 de fevereiro, o surfista André Luz Gomes, 32, também foi atacado por um tubarão, na Praia dos Milagres, em Olinda. Ele ficou dez dias internado, mas passa bem.
Por que tantos ataques na costa de Pernambuco?
A pesquisadora Mariana Azevedo, coordenadora do Núcleo de Pesquisa Fábio Hazin, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), afirmou que os ataques têm relação com uma série de fatores.
Segundo a especialista, a topografia do litoral pernambucano, com canal profundo perto da costa e antes dos recifes de coral, facilita a passagem dos tubarões quando a maré sobe.
“A gente tem um canal profundo que fica perto da costa onde a gente toma banho e antes dos recifes de coral. Quando a maré sobe, esse animal consegue passar e ficar preso numa posição confortável para estar indo atrás de alimento. Obviamente, a gente sabe que está tudo degradado”, afirmou.
Ainda segundo Mariana Azevedo, as características econômicas da população também influenciam na frequência desses ataques. “O passeio da praia, de mar, é o mais barato. É o que todo mundo pode ir, o mais democrático. Então, o encontro com a população vai ser mais frequente se tem mais pessoas na praia”, disse.
A pesquisadora explicou, também, que tubarões não são atraídos pela carne humana, mas são animais curiosos, que gostam de explorar o ambiente.
“Infelizmente, a oferta de alimento é muito baixa e eventualmente ele vai investigar o que tem para comer. Não é porque ele gosta da gente. A carne da gente nem presta para ele. Ele nem curte, mas acaba mordendo. Sente o gosto e, eventualmente, até acaba jogando fora, regurgitando quando vê que não é do hábito alimentar dele. Aí, já fez estrago grande”, declarou.
Mariana Azevedo afirmou, ainda, que esses canais profundos perto da costa são, geralmente, locais onde os tubarões encontram comida. Entretanto, devido à degradação do meio ambiente, a oferta de alimento é escassa. Ainda assim, eles seguem vindo ao litoral por causa de vários fatores.
“As explicações são muito variadas. Não existe um fato isolado que explica esse surto de incidentes aqui no nosso litoral, mas, sem dúvida, a construção de complexos portuários e o esgoto. A gente tinha o matadouro de Jaboatão também, a pesca de arrasto de camarão e descarte dessa fauna acompanhante perto do litoral também acabam atraindo esses animais”, explicou.
Além disso, segundo a pesquisadora, o lixo agrava a situação. “O lixo atrai muito. […] Como é um animal muito curioso, o que tiver de lixo, de resíduo, ele vai atrás, para saber o que tem ali. Sempre que a gente vem à praia, a gente traz a mensagem de que leve o que você produziu de lixo e também leve o que está ali ao seu redor, porque sempre vai ter lixo”, disse.