A história do homem que passou 12 anos em coma, 'acordou' e revelou ter sido abusado pelos cuidadores
Homem que ficou 12 anos em estado vegetativo estava consciente na maior parte do tempo, preso em sua própria mente e sem conseguir se comunicar de forma alguma. Ele sofreu abusos verbais, físicos e até sexuais de cuidadores, além de ter ouvido um relato de sua mãe que o marcou profundamente
via Crimes Reais
Martin Pistorius nasceu no dia 31 de dezembro de 1975, em Joanesburgo, na província de Gauteng, África do Sul. Até os 12 anos de idade, ele teve uma vida normal. Contudo, ao chegar na adolescência, foi acometido por uma condição degenerativa do sistema nervoso.
Os sintomas da doença pioraram gradativamente. Martin ficou mudo, desenvolveu distúrbios alimentares, estava sempre cansado, dormia muito e evitava contato com outras pessoas. Em 18 meses, ele perdeu toda sua capacidade motora e cognitiva, ficando em estado vegetativo.
Os médicos responsáveis por seu tratamento avaliaram que ele possuía a mente de um “bebê de três meses e que viveria, no máximo, por mais dois anos. Para boa parte da família e amigos de Martin, ele estava efetivamente morto. Seu pai, no entanto, insistia em seu tratamento.
Martin passava os dias em clínicas especializadas e, à noite, era trazido de volta para casa, onde seus pais o davam banho, alimentavam e o colocavam para dormir. Além disso, seu pai tinha um alarme que disparava a cada duas horas para que trocasse Martin de posição.
Essa prática é necessária para evitar o desenvolvimento de escaras, úlceras causadas por pressão na mesma região do corpo por períodos extensos e que provocam necrose. Na manhã seguinte, Rodney Pistorius, seu pai, acordava às 05h para vesti-lo e o levar para a clínica.
Embora sua mãe, Joan Pistorius, também auxiliasse em seus cuidados, a perda do filho e a rotina exaustiva a deixavam triste e frustrada, chegando a dizer que gostaria que Martin morresse durante uma discussão com o marido. O que ela não sabia, todavia, é que o filho a escutou.
Segundo Martin, ele começou a recobrar a consciência por volta de seus 16 anos, em 1992, descrevendo o momento como um “renascimento”. Ele percebia as pessoas ao seu redor, mas seus sentidos ainda estavam limitados e não conseguia lembrar de muito de seu passado.
Cerca de três anos depois, aos 19 anos, Martin havia recuperado sua consciência completamente – mas não havia como comunicar isso a ninguém a sua volta. Ele sentia uma tremenda sensação de impotência, estando, em suas palavras, literalmente preso em sua própria mente.
A impotência, no entanto, não era somente à sua habilidade de comunicar, mas também a de se defender, situação que o fez vítima de diversos abusos – verbais, físicos e até sexuais. Segundo Martin, ele foi abusado diversas vezes por funcionários das clínicas em que era cuidado.
Martin relatou que, mesmo quando não era vítima dos abusos, ele observava outros pacientes sofrendo experiências semelhantes na clínica. Ele ressalvou, contudo, que a maior parte de seus cuidadores o tratavam bem.
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Com o passar do tempo, Martin se resignava ao que pensava ser seu destino: permanecer um prisioneiro de seu próprio corpo e mente, esquecido por aqueles ao seu redor. Ele afastava seus pensamentos e tentava se tornar o que todos pensavam dele: alguém que apenas existia.
Todavia, um momento foi fundamental para Martin: certo dia, enquanto aguardava seu pai fazer compras, alguém passou pela janela do carro e sorriu para ele. Esse gesto despertou um novo senso de resiliência em Martin, que se comprometeu com uma nova missão: provar que ainda vivia.
Assim, Martin tentava manter sua mente engajada o máximo possível, aprendendo a saber o horário de acordo com a posição das sombras – ele ficava feliz em saber o momento em que veria o pai novamente – e imaginando diversos cenários, de corridas entre formigas até seus sonhos.
Eventualmente, sua dedicação teve resultado. Em 2001, Virna Van Der Walt, uma cuidadora recém-contratada na clínica em que era tratado, passou a perceber os sinais dados por Martin. “Ele tinha um brilho nos olhos, eu percebi que ele estava me entendendo”, contou.
Virna convenceu os pais de Martin ao levarem para fazer testes cognitivos. Ele provou que era capaz de compreender as coisas e pessoas à sua volta e, pela primeira vez em 12 anos, ele pôde se comunicar com seus genitores, por meio de um software de fala.
Quando teve a oportunidade, ele disse à mãe que a perdoava por ter dito que queria sua morte. Martin teve bastante tempo para refletir e declarou que, embora as palavras tivessem o machucado, ele compreendia o sofrimento da mãe e não tinha nada além de amor e compaixão por ela.
Após um período de adaptação, Martin não demorou a perseguir suas ambições. Ele começou a trabalhar em uma empresa de fotocópias e se matriculou em uma faculdade de ciência da computação. Além disso, ele progrediu com a fisioterapia, recuperando os movimentos acima da cintura.
Em 2008, conheceu Joanna, com quem se casou no ano seguinte. Martin afirma que ela viu além de suas limitações e o encorajou a ser mais ousado, além de o fazer acreditar novamente que era alguém digno de ser amado.
Em 2011, lançou sua autobiografia, “Ghost Boy” (“Garoto Fantasma”). No livro, ele conta toda sua trajetória, desde sua infância até sua angustiante experiência enquanto não conseguia comunicar o retorno de sua consciência.
Desde então, Martin se formou e passou a atuar como desenvolvedor de web e abriu sua própria empresa. O cientista da computação também foi agraciado com um certificado de doutorado honorário pela Universidade de Dundee, no Reino Unido.
Martin ministrou algumas palestras e concedeu diversas entrevistas, oportunidades em que valorizou a comunicação como o que essencialmente nos faz humanos. Além disso, se tornou atleta, treinando e participando de eventos de corridas de cadeiras de rodas.
Atualmente, Martin tem 47 anos e continua casado com Joanna, com quem teve um filho, e vive no Reino Unido, para onde emigrou após conhecer a esposa.
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