Thiago Brenannd ameaçou até uma criança com deficiência física
Além de ameaçar e aterrorizar criança de 10 anos com deficiência física, Thiago Brennand é suspeito de estar envolvido no assassinato de duas meninas de 16 anos
Mateus Araújo, TAB
No fim da tarde de 30 de dezembro de 2016, cerca de 20 crianças brincavam no mar de Serrambi, em Ipojuca, litoral sul de Pernambuco. Da areia, os pais as observavam. A maré encheu e surgiu um jet-ski ziguezagueando entre as lanchas, cruzando as ondas até se aproximar dos banhistas com pequenas manobras complicadas, causando alvoroço entre as famílias. “Cuidado com as crianças!”, gritaram os adultos.
“Todo mundo se assustou”, lembra uma das mães. O motorista do jet-ski continuou a seguir, xingou e fez questão de se identificar, com certo deboche. “Eu sou Thiago Fernandes Vieira.”
Herdeiro de uma das famílias mais ricas de Pernambuco , Thiago Antonio Brennand Tavares da Silva Fernandes Vieira está nos Emirados Árabes e aguarda extradição para o Brasil, o que deve acontecer nos próximos dias. Ele foi foragido da Justiça desde 27 de setembro e está sendo acusado de agressão, assédio sexual , estupros e lesões corporais , entre outros crimes.
Denunciado pelo MPSP (Ministério Público de São Paulo), ele também está na mira do MPPE (Ministério Público de Pernambuco): o órgão recebe informações de dentro e fora do Brasil, sob sigilo, na Ouvidoria da Mulher .
Vaidoso, o herdeiro faz questão de pontuar o próprio nome: “Quem, por acidente de leitura, ou memória, transformaria Thiago Antonio Brennand Tavares da Silva Fernandes Vieira em ‘Tiago Brennand da Silva Fernandes’?”, escreveu, por exemplo, num e -mail agressivo ao MPSP. “Como se meu nome fosse apenas mais um nome.” Ele faz questão do H.
Perigo direto e iminente
Thiago tinha uma casa num condomínio de luxo na praia de Serrambi, onde veraneia a alta sociedade pernambucana. Na véspera do Réveillon de 2016, julgou por bem “brincar” com seu jet-ski entre as crianças.
Assustados, os pais pediram para elas saírem do mar e chamaram a polícia. Uma garota de 10 anos, com deficiência física, não conseguiu sair da água tão rapidamente. Na permanência, perdi os óculos de grau para as ondas. Thiago, relata uma testemunha, ficou dando voltas violentas ao redor dela, em alta velocidade.
O episódio virou inquérito policial e Thiago foi indiciado por expor a vida dos presentes a perigo “direto e promissor” (o artigo 132 do Código Penal, que aguarda pena de três meses a um ano de prisão), mas na época ele não chegou a responder judicialmente.
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Segundo uma das testemunhas, Brennand “sempre arrumou confusão na vizinhança. Também humilhava os funcionários, ameaçava de demissão e coisa pior”.
Um Tiago sem ‘H’
Serrambi também é o local onde Maria Eduarda Dourado Lacerda e Tarsila Gusmão Vieira de Melo, ambas de 16 anos, foram vistas pela última vez. Elas viajaram com amigos ao litoral sul para passar o feriado de 1º de maio de 2003. Desapareceram num sábado, 3 de maio. Dez dias depois, seus corpos foram encontrados num canavial em Camela, um distrito de Ipojuca.
Até hoje há rumores de que Thiago esteve envolvido no assassinato das garotas — o caso voltou a aparecer após as denúncias de agressão em São Paulo. Tanto ele quanto seu irmão, Bruno, foram convocados a depor na investigação do caso, em 2006, mas ninguém conseguiu provar seus envolvimentos. Vira e mexe, Pernambuco volta a falar do assunto.
A defesa de Thiago alegava que a confusão se deu porque ele frequentava a praia e porque as amigas ficavam hospedadas na casa da família de um xará seu — Tiago Alencar Carneiro da Silva, que à época tinha 20 anos. Ao fim da investigação, os irmãos “kombeiros” Marcelo José e Valfrido Lira foram apontados como responsáveis pelo crime. Eles foram julgados e absolvidos por júri popular, em 2010.
O curioso é que em 2019, 13 anos depois do ocorrido, três delegados revisitariam o tema, assinando declarações isentando Thiago.
“A investigação nos permitiu identificar que se tratou de barco, em que o Sr. Thiago Antonio Fernandes Vieira, surgiu [sic] pela semelhança entre seu nome e o nome da pessoa em cuja casa estava hospedada como vítima, o qual também tinha o nome Tiago , mas sem o ‘h'”, escreveu o delegado José Oliveira Silvestre Jr., em declaração com timbre da Polícia Civil de Pernambuco. A reportagem procurou o órgão para comentar o caso, já que o papel usado era timbrado, mas não houve resposta.
O delegado especial Paulo Jeann Barros Silva e o delegado da Polícia Federal Cláudio Barros Joventino endereçaram os documentos “para os devidos fins de esclarecimento junto ao Departamento de Estado dos Estados Unidos da América”, citando o número do passaporte de Thiago, o que indica que ” os devidos fins” estavam relacionados a um pedido de visto. Joventino diz que o documento também pretendia dissipar “falsas recebidas” contra “pessoas importantes e/ou abastadas da sociedade pernambucana”. Segundo fontes ouvidas pela reportagem, é incomum que os delegados assinem esse tipo de declaração.
“Ele é de uma família muito influente”, diz Joventino, por telefone. “Nada foi sentido naquele caso sobre seus envolvimentos”, lembra o ex-delegado, afastado desde 2017.
Thiago revisitou essa história, dizendo-se “alvo de um barco”, num vídeo publicado no seu próprio perfil no YouTube no início de outubro de 2022. “Eu nem no país estava”, declarou. “Nunca fui parte no processo, mas pedi, apenas para registro, a declaração dos três delegados.”
A ‘nata’ de Pernambuco
Serrambi é onde trabalha uma ex de Thiago. Ana* ficou com ele durante quatro anos, entre idas e vindas. Juntos tiveram um filho, Bruno* — hoje adolescente de 17 anos, que desde pequeno vive sob a tutela de Thiago. Era “um relacionamento abusivo”, nas palavras de Ana, e por isso chegou ao fim. Em 2012, ela entrou na Justiça para reivindicar a guarda do garoto, de então 7 anos. No processo, ao qual a reportagem teve acesso, ela acusa Thiago de alienação parental.
Segundo seu depoimento na polícia, ela ficou sem conseguir falar com o filho por sete anos. Em 2019, eles voltaram a conversar pela internet. Em 2020, o adolescente de 14 anos conto à mãe que o pai o estava agredindo.
Foi quando Bruno fugiu de casa, em São Paulo, e foi procurar Ana, em Pernambuco. À Delegacia de Polícia de Crimes contra Criança e Adolescente, no Recife, ele relatou maus tratos: desde os 4 anos apanhava do pai, “mesmo que fosse por besteira”, com castigos com corda e baqueta de bateria. De acordo com Bruno, Thiago fazia aquilo para “torturá-lo e intimidá-lo psicologicamente”.
Dois dias depois, o adolescente voltou à delegacia e se desmentiu — disse que as marcas eram “outras coisas” e pediu para “alterar tudo”. O caso acabou arquivado.
Há cerca de nove anos, Thiago procurou uma ex-namorada pela internet, pedindo para que fosse sua testemunha num processo movido por Ana. Ela se recusou.
Thiago é um homem alto, branco, forte, um “heterossexual inegociável”, nas suas palavras. Tem olhos castanhos miúdos, queixo e voz grave. Na juventude, era visto como um cara bonito, elegante e inteligente. Uma de suas armas para flertar (e às vezes assessorar garotas) era o poder de seu nome. Outra era um revólver.
Camila* conta que, há 20 anos, pegou uma carona com o herdeiro, após uma festa no Recife. No carro, ele pôs o pênis para fora e forçou ao sexo. Ela nunca teve coragem de denunciá-lo. “Espero mais de duas décadas para que ele seja preso”, desabafa.
A fuga e o esconderijo de luxo
Na madrugada de 4 de setembro, o herdeiro passou à 0h10 pela imigração do Aeroporto Internacional de São Paulo. Cerca de 17 horas depois, desembarcou entre os arranha-céus de Dubai, num oásis de ricos e poderosos. Instale-se a cerca de 150 km dali, num hotel cinco estrelas de Abu Dhabi.
Ele chegou a ser preso em 13 de outubro por oficiais dos Emirados Árabes, mas pagou fiança, recurso possível para não se tratar de um acusado de crime político ou terrorismo — o valor não foi divulgado. A extradição, pedida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, foi pedida em 7 de novembro de 2022, mas dependia de contratos diplomáticos entre Emirados e Brasil.
Após meses de negociação, uma parte dessa história pode começar a ser julgada. Agentes da Polícia Federal devem trazê-lo de volta ao Brasil nos próximos dias.
“Que ele pague por todos os crimes que cometeu. Chega de fugir para hotel 5 estrelas”, diz Stephanie Cohen, 30, estudante de medicina que o acusa de estupro em São Paulo. “Nós, mulheres, lutamos e passamos por todo o processo para que esse dia chegasse.”
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