Padres que estupravam crianças criaram "manual" para cometer crimes sem serem descobertos
Investigação mostra que padres guardavam manuscritos que descreviam os abusos contra crianças em forma de “manuais” de pedofilia. Os diários eram cheios de lições de como cometer os crimes sem serem pegos
Fábio Gusmão e Giampaolo Morgado Braga, Extra
Alfiere Eduardo Bompani e Tarcisio Tadeu Spricigo estavam no auge da vida eclesiástica no início dos anos 2000. Atuavam em cidades de São Paulo na mesma época, mas não se conheciam. Eles escreveram livros sobre a doutrina católica e eram populares com suas missas. Mas o que tinham em comum era algo além da religião. Os dois foram investigados e presos acusados de abuso sexual de crianças e adolescentes.
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A polícia encontrou com eles manuscritos que descreviam os abusos sexuais em forma de diários e de manuais de pedofilia. O conteúdo estarreceu os investigadores pela riqueza de detalhes, onde haviam várias lições de como cometer os crimes sem serem pegos.
Os cadernos apreendidos na casa paroquial onde morava Alfieri serviram como prova dos crimes. Nos relatos, em escrita direta e obscena, o padre descreve situações em que se masturbou na presença dos jovens abusados, tocou neles ou exigiu sua ajuda.
Entre os manuscritos tinha um livro de autoria do sacerdote com o título “Contos homossexuais”, no qual narra o abuso de menores, incluindo situações em que houve penetração.
As histórias dos criminosos estão no livro “Pedofilia na Igreja — um dossiê inédito sobre casos de abusos envolvendo padres católicos no Brasil” (Máquina de Livros, 2023), que reúne pela primeira vez os crimes sexuais cometidos por religiosos contra menores de idade no país. Após três anos de trabalho, foram reunidos casos de 108 sacerdotes acusados de abusar de pelo menos 148 crianças e adolescentes. Sessenta deles foram condenados.
Alfieri usou o Sítio Nazaré, situado em Salto de Pirapora, Sorocaba, como cenário dos abusos. Na instituição de caridade, que fundou em 1999, o padre abrigava menores carentes.
Os abusos contra os internos aconteciam a cada visita. A polícia só começou a investigar após a denúncia feita por um deles. Os meninos mantidos na instituição prestaram depoimento.
Após ser indiciado pela Polícia Civil de São Paulo, o Ministério Público denunciou Alfieri em setembro de 2003, pelos crimes de atentado violento ao pudor. Na sentença em primeira instância, publicada em dezembro de 2004, Alfieri foi sentenciado a uma pena de 92 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão, em regime fechado. Ele ganhou o recurso em segunda instância. Sua pena foi reduzida para 48 anos e 7 meses e 12 dias de reclusão, com término em 2032.
Depois de 13 anos de prisão, Alfieri Bompani falou sobre as acusações. “Gosto de escrever e pegaram esses escritos, eu escrevia sobre homossexualismo, e colocaram como se fossem práticas minhas. Nunca pratiquei nada daquilo”, defendeu-se.
Tarcísio Tadeu Spricigo fez vítimas em três estados durante quase 15 anos, entre 2000 e 2014. Na investigação conduzida pelo delegado Paulo Calil, então delegado de Agudos, manuais de pedofilia escritos por ele foram descobertos. “Apreendemos muita coisa na casa paroquial. Os diários estavam numa escrivaninha antiga, estilo Brasil-Império, numa gaveta trancada à chave”.
Tarcisio escreveu num trecho dos diários: “Sei que chovem garotos, seguros, confiáveis e que são sensuais e que guardam total segredo, e que são carentes de pai e só com a mãe. Eles estão em todos os lugares, basta só ter um olho clínico e agir com leis seguras no campo social”.
Ele foi condenado em 2003 a uma pena de 15 anos de prisão por atentado violento ao pudor contra um garoto de 8 anos em Agudos, no interior de São Paulo.
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