Zé Celso, revolucionário e dramaturgo, morre após ter 53% do corpo queimado
Morre Zé Celso, o mais importante dramaturgo do Brasil. Fundador do Teatro Oficina se casou um mês antes de morrer. Zé Celso criou um teatro de contestação, provocativo e desafiou a repressão da ditadura militar na década de 1960. Em uma de suas últimas entrevistas, o dramaturgo declarou: “O capitalismo está agonizante e está destruindo tudo. A grande preocupação nesse momento é a vida, e a vida é o dínamo da cultura. A coisa mais importante agora é a cultura, a cultura da vida, e agir de acordo com a cultura da vida, não com a cultura da morte”
RBA
O dramaturgo, diretor, ator e encenador José Celso Martinez Corrêa morreu nesta quinta-feira (6), em São Paulo, aos 86 anos. O Teatro Oficina, companhia fundada por ele em 1958, confirmou a notícia com uma postagem nas redes sociais (mantida caligrafia original):
“Tudo é tempo e contra-tempo! E o tempo é eterno. Eu sou uma forma vitoriosa do tempo.
nossa fênix acaba de partir pra morada do sol
amor de muito
amor sempre“.
Zé Celso foi vítima de um incidente em seu apartamento, no bairro do Paraíso (zona sul de São Paulo), que se incendiou na terça-feira (4). Ele estava internado na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) no Hospital das Clínicas.
Dramaturgo mais importante do país, criou um teatro de contestação, tropicalista, orgíaco e provocativo, segundo ele regido pelo deus grego Dioniso. O teatro de Zé Celso mesclava o profano e o sagrado, e tinha alicerces na contracultura dos anos 1960.
Zé Celso havia se casado com Marcelo Drummond no último dia 6 de junho, no próprio Teatro Oficina, em São Paulo, em evento ecumênico-artístico, que teve a presença de Daniela Mercury, Marina Lima e Mariana Morais, entre outros artistas.
Zé Celso
Zé Celso Martinez Corrêa nasceu em 1937 em Araraquara, interior de São Paulo. O Teatro Oficina é um dos grupos teatrais mais importantes e provocativos do país desde sua fundação.
Zé Celso disse recentemente que o capitalismo “está agonizante e está destruindo tudo”. Por isso, em sua opinião, a urgência em se dedicar à vida, porque “a vida é o dínamo da cultura”.
Nos anos 1960, Zé Celso escolheu a anarquia oswaldiana para desafiar a repressão da ditadura militar. Pensador do teatro, ele resgatava o conceito da antropofagia modernista. Mastigava e deglutia a cultura estrangeira, servindo ao público um banquete tropicalista. Assim, rompia com o estilo europeizado do Teatro Brasileiro de Comédia, o TBC, atribuindo sentido à arte teatral brasileira da segunda metade do século 20.
Assim, Zé Celso substituiu o bom gosto pela verdade. Profundo conhecedor do método do russo Constantin Stanislavski, operou uma mudança determinante na atuação brasileira. As peças não seriam compostas por uma sucessão de falas justapostas, mas por um permanente diálogo entre o elenco e a plateia.
Em suas peças, o diretor buscou desregular o moralismo conservador, com a nudez e a escatologia. A transgressão era, simbolicamente, uma agressão à ordem vigente.
Zé Celso desafiou frontalmente a ditadura militar em 1968, quando estreou no Rio de Janeiro “Roda Viva”, uma composição de Chico Buarque. A peça criticava a sociedade de consumo no drama de um cantor que decide mudar de nome, manipulado pelos desígnios da indústria cultural. O Ato Institucional nº5, o AI-5, havia acabado de ser promulgado, e a repressão do regime militar reforçou a perseguição e a censura aos artistas.
Numa apresentação no Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, vinte integrantes do Comando de Caça aos Comunistas, o CCC, invadiram a sala de espetáculos, agrediram os artistas e destruíram o cenário. Depois de uma sessão em Porto Alegre, “Roda Viva” foi censurada em definitivo.
Em 1974, Zé Celso foi preso numa solitária e torturado. Sem condições de trabalho no Brasil, o artista se exilou em Portugal, onde montou “Galileu Galilei”, espetáculo inspirado na teoria do dramaturgo alemão Bertold Brecht. Em 2010, Zé Celso foi anistiado pelo Estado brasileiro.