Ex-Globo e Record: acusado de matar Jeff Machado é citado por colegas como "mentiroso compulsivo"
Bruno Larrubia foi demitido da Record e contratado pela Globo. Na maior emissora do Brasil, gostava de aparecer em fotos ao lado de artistas. "Ele gostava de demonstrar uma posição de poder, de que era amigo de todo mundo e estava por dentro de tudo. [...] Hoje a gente vê que era tudo caô", conta atriz
Giselle de Almeida, TAB
Ana* tem revirado fotos de produções independentes que fez para o YouTube em 2016. Nelas, ao lado da atriz, estão outros integrantes do elenco e o diretor. “Ele estava atrás de mim, rindo”, conta. “E eu pensando: meu Deus, poderia ter acontecido com um de nós”.
Assim como a atriz, muitos ficaram surpresos ao saber que aquele cara cordial, brincalhão, extrovertido, simpático e solícito tinha sido preso, em 15 de junho, como principal suspeito do assassinato brutal do ator Jeff Machado, 44. O diretor na foto era Bruno Larrubia, 37.
“A gente dizia que Bruno tinha que ser político ou ator, porque inventava histórias e as contava como se fosse verdade”, conta uma (ex) amiga de faculdade, que também preferiu não se identificar. Na política ele não entrou: preferiu se aventurar nas artes, deixando para trás um passado profissional de lacunas, imprecisões e contradições.
Bruno Larrubia (oficialmente, Bruno de Souza Rodrigues) começou a carreira na Record. Por volta de 2009, quando entrou na emissora, fazia curso de tecnólogo em produção audiovisual na Universidade Estácio de Sá, no Rio.
Foi estagiário e depois assistente de produção de elenco: era o primeiro rosto que muitos atores em início de carreira viriam a conhecer na TV. Fazia o cadastro dos candidatos, gravava testes e organizava o material que seria analisado por um produtor de elenco — cargo que Bruno Rodrigues, como assinava até então, nunca chegou a ocupar, embora dissesse exercer em eventos do mercado.
Ainda durante o estágio, deu workshops usando indevidamente o nome da Record, em Porto Alegre, para fazer um “dinheiro extra”, segundo confidenciou a um amigo da emissora à época. O caso foi denunciado à TV, por e-mail, com fotos. O responsável pelo curso confirmou as informações, mas Bruno continuou negando.
“Bruno é um mentiroso compulsivo nível hard”, relata um ex-funcionário. No fim, o assistente foi demitido, mas não por justa causa. “Se fosse por justa causa, a Globo não o teria contratado depois.”
Procurada para confirmar as funções que Bruno efetivamente exerceu na emissora, num primeiro momento a Record negou que ele fora funcionário da casa. Diante dos relatos com detalhes sobre a demissão e inclusive uma foto de Bruno com o crachá da empresa, a reportagem voltou a questionar a assessoria da TV, mas não obteve resposta.
Ao redor de globais
Bruno não ficou muito tempo parado. Foi contratado pela Globo e passou a atuar em outra área do audiovisual. No site oficial de “Malhação: Conectados”, exibida de agosto de 2011 a agosto de 2012, ele é citado como produtor em uma foto ao lado do ator Caio Paduan.
Bruno Souza Rodrigues, como passou a assinar, consta na ficha técnica de “Malhação: Intensa Como a Vida”, que foi ao ar na sequência, como integrante da equipe de produção. Num vídeo de bastidores publicado no site oficial da novela, ele é visto conversando com o ator Guilherme Leicam — lá, já é creditado como Bruno Larrubia, assistente de estúdio, função que faz a logística do set, com tarefas como garantir que os atores escalados estejam a postos na hora do “gravando”.
“A gente fazia muita festinha, ele frequentava, andava com a gente em tudo que é lugar”, lembra uma atriz. “Ele gostava de demonstrar uma posição de poder, de que era amigo de todo mundo e estava por dentro de tudo. Ele sempre dizia: ‘Eu vi, eu tava lá, eu sei das coisas’. Hoje a gente vê que era tudo caô.” Outra artista acrescenta que ele tinha uma atitude de “deixa eu ensinar pra vocês o que tal diretor gosta ou não”, inclusive para um elenco de veteranos. “Já era um exercício de poder.”
No Facebook, a mãe de Bruno, Edna, ainda mantém fotos que tirou de uma gravação de “Malhação: Intensa” em uma casa de shows no bairro de Campo Grande, zona oeste do Rio, onde mora. O capítulo teve show de funk com o cantor Naldo e o DJ Marlboro. “Fiquei na dúvida se meu filho tem um trabalho ou se ele só se diverte”, escreveu ela na legenda de uma das fotos, publicadas em 3 de junho de 2013.
Na época, Bruno também levou amigos para conhecer o Projac, hoje rebatizado de Estúdios Globo. Lá, visitaram a cidade cenográfica de “Avenida Brasil” (2012) e tiraram fotos com famosos como Fátima Bernardes e Cauã Reymond.
Por muito tempo, Bruno deu entrevistas e oficinas ostentando o nome da Globo no currículo, embora o cargo que ocupava seja uma incógnita. Além das novelas “teen”, ele declarava ter trabalhado em pelo menos outras 14 produções, incluindo dramaturgia diária, programas de variedades e de humor. Segundo profissionais envolvidos nessas produções, entretanto, ele nunca foi assistente de direção (profissional que faz a ponte entre produção e direção) — alguns nem sabiam dizer de qual departamento ele era; outros relatam que era assistente de estúdio, isto é, o cargo que ocupou desde os tempos de “Malhação”.
Procurada pela reportagem, a assessoria da TV disse que não possui informações extras, além das divulgadas na nota oficial de fim de maio. “Bruno de Souza Rodrigues trabalhou na Globo até 2018, quando foi demitido. A Globo forneceu à polícia os detalhes do desligamento”, dizia o informe. “A Globo não exige qualquer forma de pagamento para participação em seus programas nem autoriza terceiros a realizar tal cobrança, e, tão logo toma conhecimento desse tipo de fraude, adota de imediato medidas legais contra os fraudadores”, acrescentou — a polícia investiga se Bruno prometeu a Jeff um papel em uma novela, cobrando cerca de R$ 18 mil.
Amigos perplexos
Embora fosse conhecido do elenco de “Malhação” como Bruno Larrubia, foi com o sobrenome Baçallo (ambos de sua família paterna) que o então assistente de estúdio deu entrevista ao colunista Alexandre Helfer, do Jornal do Oeste, de Toledo (PR), em 2012. Ele avaliou os participantes da oficina ministrada por Helfer, Alex Reis e Marcoz Gomez, e se apresentou como assistente de direção.
Já ao repórter André Zenobini, do jornal Agora, de Rio Grande (RS), em 2017, Bruno contou uma versão diferente: disse que entrou na Globo como produtor em 2010 e se tornou assistente de direção em 2015. O relato é inconsistente com outros registros, já que em 2011, por exemplo, ele ministrou uma oficina se apresentando como produtor de elenco da Record.
As aulas de Rio Grande foram oferecidas pela Companhia Teatral Sobrinhos de Shakespeare. Segundo o fundador do grupo, o ator e diretor Marcus Vinícius Diniz, 52, foi o próprio Bruno quem os procurou, pelo Facebook, com a proposta. “Ele foi muito simpático, tirou foto com todo mundo, deu certificado aos alunos. Todo mundo ficou perplexo com a notícia, inclusive eu”, conta.
A atriz gaúcha Lara Lago, 28, fez o curso, interessada em ir para o Rio e trabalhar na TV. “Ele foi muito gente boa, acessível. Aprendi muito e fizemos umas cenas, que ele disponibilizou depois em DVD”, diz. Outro ator, que fez a oficina duas vezes e manteve contato virtual com Bruno até recentemente, garante que ele nunca prometeu nenhum papel aos alunos. “Ele dizia que não era pra gente ir pensando que a carreira é ‘mil maravilhas’, que tem que ouvir muito ‘não’. Ele sugeriu uns cursos e foi isso.”
“Desde 2015, ele dizia que estava estressado, cansado, que queria dar um jeito de sair [da Globo], mas não queria pedir demissão”, lembra uma amiga da faculdade. Em 2016, foi diretor de produções independentes para o YouTube. Em 2018, foi demitido da Globo, mas não contou nem para os amigos mais próximos — até o início da pandemia, em 2020, dizia estar de licença médica, alegando que havia se machucado no set (a amigos, revelou que conseguiu a licença com um atestado falso).
Nos últimos tempos, disse aos amigos que estava trabalhando com finanças e pediu dinheiro para investir. No início, os colegas receberam o dinheiro de volta, mas depois pararam de ter retorno. “A gente foi acreditando e investindo mais, até que ele ficou enrolando durante meses, aí acabou que foi preso”, diz um deles, que relata ter tido prejuízo de R$ 27 mil. “Hoje a gente se pergunta: será que tinha investimento mesmo ou ele pegava esse dinheiro com alguém? Parece que tudo que a gente viveu com ele foi uma farsa.”
O amigo conta que acreditou na inocência de Bruno na morte de Jeff até o último momento. O ator foi estrangulado em 23 de janeiro, na sua própria casa, mas seu corpo só foi encontrado em 22 de maio. Nesse período, Bruno “continuou vivendo a vida dele normal”, afirma uma amiga. “Isso me apavorou muito. Carnaval, fim de semana, aniversários… como se nada tivesse acontecido.”
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