Médico acusado de estupro tentou comprar o silêncio de vítima por R$ 20 mil
Médico acusado de estuprar pacientes após cirurgias está foragido após ser denunciado por diversas vítimas. “Ele me abusou no local da cirurgia. Estou viva por um milagre, porque ele quase me matou”. Registro do profissional consta como ativo no Cremesp. Investigação mostra que policiais tentaram acobertar o médico e debocharam de vítima
O médico Paulo Augusto Berchielli, de 63 anos, é acusado de estuprar pelo menos quatro pacientes em sua clínica, no Tatuapé, na zona leste de São Paulo. Duas delas relatam os abusos após cirurgias de hemorroida. O cirurgião está foragido após a Justiça decretar sua prisão por tempo indeterminado.
O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) afirmou, nesta quarta-feira (25/10), que investiga “o profissional em questão”. No site do Cremesp, o registro profissional do médico, que está foragido da Justiça, consta como ativo.
Uma das vítimas, uma enfermeira, afirmou que foi estuprada pelo médico logo depois de ser submetida a uma cirurgia de hemorroida, em agosto do ano passado.
“Eu estava ainda grogue, por causa da anestesia. Mas lembro, em flashs, dele me colocando de bruços na maca e minha cabeça batendo na parede. Vomitei. Depois de um tempo, vi que ele limpava o pênis em uma pia ao lado da maca.”
Antes do abuso, o médico teria dado mais medicação à vítima. A enfermeira acrescentou que, por causa do excesso de remédios, “apagou” quando chegou em casa, uma sexta-feira, acordando somente no domingo.
“Quando acordei senti uma dor terrível na região do ânus. Ele me abusou no local onde havia feito a cirurgia. Fui em seguida na delegacia, para registrar um boletim de ocorrência”.
Por ainda trajar a mesma roupa com a qual saiu da clínica de Berchielli, o vestuário foi apreendido por policiais da 5º Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), no Tatuapé, e enviado para perícia.
A vítima afirmou que sua calcinha “desapareceu” da delegacia. Ela percebeu isso quando os laudos periciais de seu vestido foram concluídos, com resultado negativo.
A enfermeira acrescentou ter ido à 5ª DDM para questionar o sumiço da peça íntima e afirmou ter sido “humilhada” por duas escrivãs.
“Uma delas perguntou para a outra se ela estava com calcinha, e tirando uma da minha cara porque eu perguntei sobre a minha, que tinha desaparecido.”
A calcinha finalmente apareceu, com o resultado pericial, cerca de um ano e meio depois, após o Ministério Público de São Paulo (MPSP) oferecer denúncia contra o médico e solicitar os laudos. O resultado, no laudo da calcinha, deu positivo para a presença de sêmen.
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) de São Paulo não se posicionou sobre a suposta conduta dos policiais da 5ªDDM, assim como atualizações das investigações sobre o médico.
“Quase morri”
Uma outra vítima relembrou a violência sexual que viveu. “A sensação era de pedir a morte. Eu queria morrer. Não queria estar vivendo o que eu estou vivendo. Um pesadelo. Estou viva por um milagre. Porque ele quase me matou, quase tirou a minha vida”.
Segundo a vítima, ela tinha um encaminhamento para uma cirurgia e optou por pagar o procedimento particular com o médico, Paulo, que faria a cirurgia a laser pelo valor de R$ 5 mil. O médico afirmou que teria uma assistente para realizar o procedimento, porém só ele que a atendeu no dia.
Para iniciar a cirurgia, o doutor a medicou para dormir. A vítima só se lembra de ouvir alguns barulhos. Ao acordar da cirurgia, ela percebeu que estava sangrando e com dor em toda a região pélvica, o que não fazia sentido em relação ao local que foi operado.
Nas consultas pós-operatórias, foi novamente abusada. “Ele me disse que teria que tirar a roupa toda para me examinar, mas eu fingi que não ouvi”, contou. Depois disso, a mulher foi embora e não voltou mais.
Além dos toques claramente inadequados, outro detalhe lhe chamou atenção. O médico não usava luva durante o procedimento. Para piorar, o local da cirurgia infeccionou.
Foram cinco meses de tratamento, entre internações e fortes remédios. Ela ainda se recupera dos machucados físicos e emocionais. A mulher resolveu registrar um boletim de ocorrência contra o abusador. Ao chegar na delegacia, se surpreendeu ao descobrir que já havia um inquérito instaurado contra ele, com relato de mais duas vítimas.
Terceira vítima
Uma comerciante de 46 anos afirma também ter sido abusada sexualmente pelo médico Paulo Augusto Berchielli em 6 de junho deste ano, após ser submetida a uma cirurgia de hemorroida. Após o procedimento, a vítima “acordou com muitas dores no ânus e vagina”. As dores duraram por cerca de uma semana.
A comerciante fez três retornos após a cirurgia. Durante um deles, o médico teria pedido para ela “dar uma voltinha”. Por causa disso, a vítima ficou com as “pernas trêmulas” e não sabia como “sair daquela situação”.
Quando ela tentou subir na maca, o médico teria encostado o pênis nas nádegas da mulher. “Ele ainda apalpou minhas nádegas com o pretexto de ajudar a subir na maca”.
A mulher ainda acrescenta que o médico, “em todos os exames”, cortava o dedo indicador da luvas. Ela acredita que ele fazia isso para ter “contato físico entre o dedo e a parte íntima” da vítima.
Silêncio por R$ 20 mil
Um familiar de uma das vítimas diz que o médico ofereceu R$ 20 mil para todos ficarem em silêncio sobre o estupro e não levarem a denúncia adiante. O familiar, que também foi paciente do proctologista, recusou a oferta de acordo, afirmando que medidas legais já estavam em andamento contra o médico.
O advogado da vítima também relatou ter sido abordado por um defensor do médico, que teria oferecido uma quantia de R$ 65 mil em troca da desistência da denúncia. No entanto, a vítima enfatizou que não desejava dinheiro, mas sim justiça e ver o acusado na prisão.
Quatro pessoas denunciaram o médico até agora, mas o Ministério Público afirma que a estimativa é que haja dezenas de vítimas. Na denúncia do MP, foi relatado que há indícios suficientes de autoria e materialidade. Além disso, a frieza e a crueldade com que o crime foi praticado apontam uma personalidade desvirtuada e alta periculosidade para o convívio social.
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