Somos tão pobres
Anderson Pires*
A abertura do Fórum Econômico Mundial, em 14 de janeiro de 2024, destacou o relatório apresentado pela Oxfam, com o título Desigualdade S.A. Os dados ocuparam as manchetes pela divulgação da escalada absurda da concentração de riquezas, visto que os cinco homens mais ricos do mundo mais que dobraram suas fortunas desde 2020, com crescimento de 114%.
Em contrapartida, cinco bilhões de pessoas ficaram mais pobres. No caso do Brasil o relatório mostra que os cinco brasileiros mais ricos tiveram um crescimento de 51% e que 129 milhões ficaram mais pobres. Outro dado relevante é que o brasileiro mais rico concentra o mesmo que 107 milhões de pessoas, mais que a metade da população do país.
O Brasil continua entre os líderes de desigualdade, o 1% mais rico do país detém 60% das riquezas, bem acima da média mundial que é de 43%. Esse número ínfimo de privilegiados brasileiros recebeu R$ 411,91 bilhões em lucros e dividendos em 2021, sem pagar um só real de Imposto de Renda Pessoa Física.
Os dados são suficientemente claros para que todos entendam que o atual modelo econômico vigente no mundo é feito para que as desigualdades sempre cresçam e que não existe outra medida além da distribuição de renda, que possa equacionar as disparidades.
Se o mundo busca ser um ambiente sustentável, o aumento da desigualdade é a certeza de que as medidas tomadas estão erradas e são insuficientes para reverter a degradação do meio ambiente e da humanidade. Partindo da premissa que a existência de todos com dignidade é a estratégia a ser alcançada, o modelo de sociedade capitalista está falido, não serve como referencial, porque demanda o empobrecimento da grande maioria das pessoas e até a exclusão de uma parcela significativa, seja por guerras ou pandemias.
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A crueldade imposta pelo capitalismo transforma a acumulação em meta e banaliza a pobreza. Temos situações extremas como a do Brasil que dá imunidade ao capital sem a cobrança de impostos. Outro absurdo é que o país que tem nas commodities a base da economia, ou seja, quem se apropriou de terras historicamente tem o direito de sugar até o limite, com subsídios estatais, sem sequer ter o compromisso social de garantir que o povo tenha o mínimo para comer. O agro tão exaltado não tem nada de pop, na verdade é vip e desumano.
Mas o capitalismo é ardiloso e durante muito tempo conduziu narrativas de senso comum, que serviram para encobrir o que os capitalistas mais temem, que é a implantação de políticas econômicas que consigam distribuir melhor a renda e que sejam capazes de frear o processo de acumulação. Bastava que o mundo fosse um pouquinho keynesiano, que já teríamos mudanças significativas.
Nessa construção de narrativas, frases como: “a solução para pobreza está na educação”, ou “precisamos criar mais escolas técnicas para dar uma profissão aos jovens” foram incorporadas até pelos que fazem restrições ao capitalismo, sem que percebessem que serviam para falsear o problema real que é o acúmulo de riquezas e a concentração de rendas.
A velha expectativa de que a formação acadêmica superior seria um passaporte para prosperidade está cada vez menos em voga. Porque de muito pouco vale o diploma sem distribuição de riquezas que garanta dignidade a todos. Além de não haver vagas em quantidade suficiente para as respectivas carreiras.
Está provado que até aqueles que conseguiram seguir na profissão que se formaram, diante do processo de empobrecimento e diminuição da renda estão vulneráveis. Os exemplos são muitos e não estamos falando apenas de países periféricos. Basta observar a situação de Portugal, com indicadores positivos de crescimento econômico, mas que professores moram dentro de carros e barracas, pois os salários pagos não permitem custear uma moradia.
O exemplo de Portugal ilustra bem que o acesso a educação não é a solução para desigualdade se o modelo econômico privilegia a concentração. Pobres sem teto agarrados aos diplomas são mais comuns do que imaginamos. A narrativa que o capitalismo construiu desmoronou e a aspiração conservadora de que o título de doutor seria a redenção não se sustenta mais.
Assim como a questão climática, a concentração de riqueza precisa ser tratada como um problema mundial urgente. Por enquanto, até o aquecimento global tem servido para que ricos fiquem ainda mais ricos, basta ver que no topo do ranking temos Elon Musk, que ganha bilhões vendendo seus carros elétricos por valores especulativos inacessíveis. A única solução é distribuir riquezas. A lógica de que os ricos devem ganhar sempre mais e os pobres virem miseráveis, alimenta a segregação e nega a humanidade como condição comum a todos.
*Anderson Pires é formado em comunicação social – jornalismo pela UFPB, publicitário, cozinheiro e autor do Termômetro da Política.
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