Dentista "influencer" é presa por deformar pacientes com cirurgias estéticas
Dentista com mais de 600 mil seguidores anunciava nas redes sociais procedimentos estéticos que não poderia fazer por valores abaixo do mercado. Até o momento, 13 vítimas foram ouvidas
Larissa Feitosa, g1
A dentista Hellen Kacia Matias da Silva está presa suspeita de deformar pacientes após a realização de procedimentos estéticos que só podem ser feitos por cirurgiões plásticos, em Goiânia. Informações da Polícia Civil revelam que a odontóloga usava as redes sociais para divulgar os serviços. Um de seus perfis soma mais de 650 mil seguidores.
Em nota, a defesa de Hellen afirma que o mandado de prisão considerou que a dentista descumpriu uma determinação da Justiça que a proibia de realizar cirurgias estético faciais após o dia 22 de novembro de 2023 – data em que a Polícia Civil cumpriu mandados na clínica dela a primeira vez. Porém, as advogadas Caroline Arantes e Thaís Canedo alegam que a Justiça confundiu o procedimento realizado pela dentista e que, por esse motivo, a prisão da profissional foi feita de forma “arbitrária e injusta”. Veja a nota completa ao final da reportagem.
Em nota, o Conselho Regional de Odontologia (CRO-GO) disse que “medidas administrativas pertinentes estão sendo tomadas, obedecendo o devido sigilo aplicável ao caso”.
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O registro profissional da Hellen continua ativo em Goiás. No site da entidade, consta que a profissional é cirurgiã-dentista com especialidade em harmonização orofacial.
A divulgação da imagem e nome da dentista foi permitida pela Polícia Civil com o intuito de que novas vítimas procurem a delegacia para denunciar crimes.
Exercício ilegal da medicina
A prisão de Hellen aconteceu na terça-feira (30), a partir de evidências de que ela deformou o rosto de pacientes ao realizar cirurgias estéticas expressamente proibidas pelo Conselho Federal de Odontologia, tais como: alectomia (redução do nariz); retirada de pele excessiva dos olhos (blefaroplastia); lipo de papada (face lifting) e outros.
A investigação teve início em setembro de 2023, após a Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra o Consumidor (Decon) ter recebido denúncias de que Hellen e outros três dentistas estavam exercendo ilegalmente a medicina.
Segundo a delegada Débora Melo, responsável pela investigação, todos os procedimentos estéticos feitos por Hellen eram anunciados nas redes sociais da dentista por valores abaixo do mercado, atingindo um grande número de pessoas.
“A análise do celular e dos prontuários dos pacientes indicou o cometimento desses crimes contra pessoas muitas vezes humildes, que juntavam dinheiro para fazer uma cirurgia estética, que não tinham conhecimento que a profissional não tinha atribuição e que ficaram deformadas”, afirmou a delegada.
Entre as quase 300 publicações, estão muitos vídeos e fotos que mostram resultados positivos dos procedimentos em vários pacientes e legendas como: “Já imaginou você sempre bela? É possível com um combo de procedimentos que valoriza sua beleza e promove rejuvenescimento”.
Cursos
Em outros posts na internet, Hellen divulgava cursos em que ensinava para outros profissionais da saúde técnicas de procedimentos que só podem ser feitos por cirurgiões plásticos, como face lifting.
“Aprenda a revolucionária técnica de lipo de papada sem flacidez e diferencie-se no mercado de estética facial. No nosso curso está incluso todo o conteúdo com aula teórica e prática com paciente modelo”, diz uma das publicações.
De acordo com a delegada, além de vítimas de procedimentos realizados por Hellen, a Polícia Civil encontrou clientes insatisfeitos com resultados de procedimentos feitos por “alunos” da dentista.
“Além de promoverem procedimentos que não são autorizados, elas ainda têm ensinado outros profissionais a realizarem os mesmos procedimentos”, afirma a delegada.
Em uma conversa divulgada pela polícia, um cliente diz que no dia em que foi fazer uma cirurgia estética de blefaroplastia, para a remoção de pele em excesso nos olhos, Hellen foi almoçar, deixando que outra pessoa fizesse o procedimento.
A vítima relata que não gostou do resultado e chegou a marcar uma reparação com Hellen, mas que a dentista disse que “não atenderia mais paciente reclamão”.
“Não ficou bom, aí fui fazer o retoque. Cheguei 11h50 e me deixaram esperando até 17h30 e ainda sim, por eu ter reclamado, não sei o que foram falar para a Dra, ela disse que não atenderia mais paciente reclamão, na frente de todo mundo que tava lá”, reclamou o cliente.
Pacientes deformados
Em novembro de 2023, a polícia cumpriu um mandado de busca e apreensão na clínica de Hellen, e apreendeu celulares usados para falar com os pacientes, prontuários médicos e outros materiais.
No aparelho, os policiais encontraram vários clientes de Hellen que ficaram com rostos deformados após a realização de cirurgias com a profissional. Por mensagens, pacientes reclamam de inflamações, cicatrizes e assimetria nos resultados (veja abaixo).
“O que chamou atenção é que não havia nenhum registro de ocorrência antes, foi só depois da análise do celular que nós vimos mais de 30, 40 pessoas que reclamavam dos resultados das cirurgias”, afirmou a delegada.
A partir disso, foram colhidas declarações de 13 vítimas da dentista, bem como depoimentos de ex-funcionários do instituto. Segundo a polícia, todos relataram que a dentista não aceitava qualquer crítica ao seu trabalho, tratando os pacientes com descaso.
Além disso, todas as pessoas ouvidas pela polícia confirmaram a realização das cirurgias proibidas em local inadequado (fora do ambiente hospitalar), gerando grave risco à integridade física dos consumidores.
Segundo a delegada, há vítimas de Hellen nos estados de Goiás e São Paulo, pois a profissional viaja a trabalho, tanto para fazer cirurgias estéticas, como também para ministrar cursos.
Materiais vencidos
Durante as primeiras buscas feitas no instituto coordenado por Hellen, no Setor Oeste, a polícia encontrou diversos instrumentos cirúrgicos, anestésicos e medicamentos vencidos.
Na época, os materiais foram apreendidos e descartados pela Vigilância Sanitária, que também autuou a dentista por inadequação do alvará sanitário do estabelecimento, que não autorizava a realização de nenhum procedimento invasivo.
Nesta terça (30), a clínica foi novamente vistoriada pelos policiais e novos produtos vencidos foram apreendidos. “Já na primeira fase havia sido recolhido material vencido na clínica e agora novamente. (…) São produtos controlados, que não poderiam estar na clínica”, reforçou a delegada.
Indenização
Em abril de 2023, Hellen e uma clínica estética foram condenadas a pagar R$ 10 mil em uma indenização por danos morais a uma paciente que teve o nariz deformado após a realização de uma rinomodelação com a profissional.
Na sentença, é dito que um laudo pericial concluiu que houve uma falha técnica na aplicação do ácido hialurônico durante o procedimento, resultando em uma necrose nasal isquêmica.
“No laudo pericial há a conclusão de que a existência de intercorrência do tipo necrose nasal isquêmica decorre da ação profissional, (…) evidenciada a falha técnica na aplicação do ácido hialurônico, logo, não tendo a parte requerida colacionado provas suficientes para contrapor essa conclusão, não há como afastar sua culpa”, considerou o juiz Danilo Luiz Meireles dos Santos.
Segundo o Tribunal de Justiça de Goiás, Hellen e a clínica condenada chegaram a entrar com um recurso para recorrer da decisão, mas ele foi negado. Agora, o processo segue normal, aguardando o cumprimento da sentença.
Íntegra da nota defesa dentista
A defesa da odontóloga Hellen Matias alega que a prisão da profissional – realizada no dia 30 de janeiro – foi feita de forma arbitrária e injusta, já que a mesma não descumpriu determinação da Justiça, que a proibia de realizar cirurgias estético faciais após o dia 22 de novembro.
Segundo as advogadas Caroline Arantes e Thaís Canedo, que representam a dentista, a Justiça confundiu o procedimento realizado. A profissional – que tem a especialidade buco maxilo facial, realizou, após o dia 22 de novembro, procedimento reparador e não estético, dentro da competência da especialidade da profissional. Ela corrigiu lesão em uma paciente como uma complicação de procedimento (ectrópio) realizado anteriormente por uma outra profissional, o que é permitido pela resolução 65, artigo 41, do Conselho Regional de Odontologia (CRO).
A defesa reitera que o procedimento foi reparador, uma sutura feita na paciente para sanar uma intercorrência ocasionada por cirurgia prévia realizada por outra profissional e não uma blefaroplastia, como consta nos autos e no próprio depoimento da paciente.
Sob a condução das investigações, a defesa reclama que estão sendo veiculadas imagens de procedimentos com intercorrências que não foram realizados pela dentista Hellen Matias. Fotos que, inclusive, não são de pacientes da odontóloga, mas casos que foram levados para discussão em grupo de estudo, o que está muito claro no processo, até mesmo banco de imagens. As advogadas afirmam também que as fotos divulgadas foram descontextualizadas. Em sua grande maioria são de reações inerentes aos procedimentos e ao processo de cicatrização, como hematomas, inchaços e intercorrências normais.
As advogadas Caroline Arantes e Thaís Canedo alegam que o vazamento das imagens – que deveriam ser sigilosas, posto que não submetidas ainda ao crivo do contraditório – demonstra falta de lisura nas investigações. A propósito, o laudo do exame de corpo de delito que fundamenta a prisão da dentista comprova que não houve a execução de cirurgia estética facial pela Dra Hellen Matias, mas sim por outra profissional.
Todas essas alegações serão apresentadas pela defesa durante a audiência de custódia, que será realizada na tarde desta quarta-feira (31), no Fórum Cívil,3 Vara Criminal, mezanino, sala M 3 C, às 17 horas, do dia 31 de janeiro de 2024.
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