Médico brasileiro vive com leucemia incurável há 12 anos: "Tive que cuidar do emocional"
Bárbara Therrie, VivaBem
Sem apresentar qualquer sintoma, o médico aposentado Eurico Correia, 67 anos, teve um grande choque quando recebeu a notícia de que estava com leucemia linfoide crônica. Mesmo sabendo que em muitos casos esse tipo de câncer no sangue não necessita de tratamento, ele ficou angustiado e com medo de a doença ameaçar sua vida. A seguir, o clínico geral e cardiologista conta como se tranquilizou e convive com a doença:
“Em 2011, fiz um check-up e o hemograma deu alterado —os níveis dos linfócitos estavam acima do valor considerado normal. Algumas semanas, depois repeti o exame e foi constatado que as taxas continuavam aumentando.
Sou médico, mas como hematologia não é a minha área de atuação, mostrei o resultado para uma colega especialista que trabalhava comigo e iniciamos uma investigação.
A hematologista suspeitou que eu tinha leucemia linfoide crônica (LLC) ou linfoma do manto, um subtipo raro de linfoma não-Hodgkin de células B. Fiz alguns exames específicos e foi confirmada a LLC, aos 54 anos de idade.
Eu não tinha sintomas, mas o diagnóstico me impactou emocionalmente, fiquei angustiado, ansioso e estressado por alguns meses. Fui da posição de médico para paciente. Via a doença como uma ameaça à minha vida e aos meus planos.
Tinha dificuldades para dormir e ficava pensando nos piores cenários. Um deles era ter que fazer quimioterapia, ficar debilitado e não conseguir trabalhar.
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A médica me tranquilizou e disse que naquele momento eu não precisaria fazer nenhum tratamento: estava bem, era assintomático e só teria de fazer um acompanhamento periodicamente [entenda abaixo]. Ela explicou que existem pacientes com LLC que nunca precisarão tratar a doença e não morrerão por conta dela.
Durante seis anos segui minha vida normalmente, sem qualquer sinal da doença. Em 2017, começaram a surgir alguns sintomas gradativamente. Estava com anemia e o baço tinha aumentado, eu me sentia cansado, emagreci e apareceram alguns gânglios na axila esquerda e no pescoço.
Mesmo com as alterações, o hematologista que me acompanhava me liberou para fazer uma viagem internacional em família, que já estava programada. Quando retornei, fiz uma nova bateria de exames e iniciei o tratamento.
Essa situação me gerou um novo quadro de ansiedade e entendi que precisaria cuidar do meu emocional também. O apoio da minha família, dos amigos e da equipe foram fundamentais.
Quimioterapia
Na primeira etapa, fiz cinco ciclos de uma quimioterapia mais leve e fui submetido a transfusões de sangue e de plaquetas. O resultado não foi o esperado, meu médico mudou o protocolo e passei a tomar uma medicação (quimioterapia) oral uma vez por dia. Fiz mais algumas transfusões e fui melhorando aos poucos.
Um dia, estava lendo notícias na internet quando percebi o coração acelerado. Sou cardiologista e sabia que havia algo de errado. Fui ao hospital e foi constatado que a arritmia era um efeito colateral do remédio.
Marquei um retorno com o hematologista, mas nesse período tive outros episódios e fiquei internado. Parei de usar a antiga medicação e comecei a tomar uma nova quimioterapia oral. Atualmente meu quadro é estável e faço acompanhamento duas vezes por ano
Após mais de uma década do diagnóstico, lido bem com a LLC e, na maior parte do tempo, não lembro que tenho a doença.
Aos 67 anos, tenho uma vida ativa, sou aposentado, mas tenho uma consultoria de gestão em saúde, sou voluntário, participo de um grupo com outros pacientes com câncer, tenho três filhos biológicos, três de coração e seis netos com quem me divirto muito.”
Entenda a leucemia linfoide crônica
A leucemia linfoide crônica (LLC) é um tipo de câncer no sangue que ocorre quando os linfócitos (um tipo de células de defesa) passam a se desenvolver de forma descontrolada, devido a um erro genético, e param de realizar suas funções de proteção.
A LLC é uma doença adquirida e não hereditária, que na maior parte das vezes atinge homens com mais de 50 anos. Ainda não se sabe o motivo para o seu surgimento.
Geralmente, os pacientes não apresentam nenhum sinal e descobrem a LLC durante exames de rotina. Quando os sintomas surgem, costumam ser: fadiga, perda de peso sem causa aparente, aumento de gânglios (carocinhos na região do pescoço, virilha e axila do braço), suor noturno e febre não relacionada à infecção.
O exame de sangue completo (hemograma) é o primeiro a ser pedido pelo médico. Com a LLC presente, já é possível notar importantes alterações na contagem das células sanguíneas, como os linfócitos. A amostra passará por uma técnica denominada citometria de fluxo, que determina o tipo de linhagem celular e a maturação das células. Com estes dois exames, o médico consegue fechar o diagnóstico de LLC.
Em alguns casos, o mielograma (quando é coletada uma pequena quantidade de sangue da medula óssea por meio de uma agulha especial) ou a biópsia de medula óssea (é retirado um pequeno fragmento do osso da bacia) podem ser solicitados.
Sem sintomas, não é preciso tratamento
Uma curiosidade em relação a esse tipo de leucemia é que quando a leucemia linfoide crônica se apresenta de forma assintomática o tratamento não é indicado.
Isso porque a pessoa (sem sintomas) ficaria exposta por muitos anos à toxicidade da quimioterapia, o que, associada a fatores como idade avançada e baixa imunidade, tornaria o paciente suscetível e vulnerável a diversos tipos de infecções pulmonares e urinárias.
Segundo Gerson de Paula, médico onco-hematologista do Hospital Israelita Albert Einstein e da Abrale (Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia), os trabalhos científicos mostram que o ideal é manter o paciente sem sinais da doença em observação clínica, ou seja, fazer o chamado watch and wait (observar e esperar), e somente iniciar o tratamento quando houver a presença de sintomas.
Quando o tratamento é indicado?
O tratamento é indicado em algumas situações como quadros de anemia, perda de peso, cansaço significativo que impossibilita a pessoa de trabalhar ou de realizar atividades do dia dia, sudorese noturna persistente sem evidência de infecção, entre outros.
O tratamento pode ser feito com quimioterapia, imunoterapia, terapia-alvo e transplante de medula óssea —esse último pouco utilizado nos dias de hoje.
Por ser uma doença crônica de evolução bem lenta, em muitos casos os pacientes ficarão monitorando o quadro sem precisar realizar nenhum tipo de tratamento. Para aqueles que precisam tratar, as respostas clínicas costumam ser positivas, com poucos efeitos colaterais.
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