Sergio Moro vai escapar de novo?
Sergio Moro sempre foi questionado por colegas e juristas por agir também como acusador, em conluio com o Ministério Público, como chefe da República de Curitiba.
O relator das duas ações contra ele, no TRE do Paraná, desembargador Luciano Carrasco Falavinha Souza, deu um show como defensor de Moro na abertura da sessão que julga as duas ações, nessa segunda-feira.
Complicou-se o que chegou a parecer jogo jogado. Falavinha fez o que ninguém antecipou que poderia acontecer. Pulverizou a tese dos advogados da acusação e do Ministério Público, de que o senador cometeu abuso de poder econômico na campanha de 2022.
A mesa já estava posta para o banquete com marreco laqueado, mas o desembargador frustrou os comensais. Foi assertivo, categórico, impetuoso, no esforço pela preservação do mandato do ex-juiz suspeito.
Em um dos momentos em que mais se empolgou na defesa de Moro, Falavinha atribuiu as ações contra o senador a uma possível retaliação política.
Como se um processo eleitoral não tivesse, como é da natureza desses casos, forte componente político. Os perdedores reclamam de eventuais delitos dos vencedores. É assim que funciona. É um jogo da política e da democracia.
Disse o desembargador, que deve ter emocionado os advogados de defesa e constrangido quem esperava menos empolgação:
“É muita ingenuidade acreditar que o investigado, atuando como juiz em grande investigação de combate à corrupção que afetou razoável parte do quadro político, ao sair de magistratura e ingressar no governo beneficiado eleitoralmente pela indicada operação, não seria atacado”.
E continuou na mesma linha:
“Que saindo desse governo, atirando, não receberia retaliação futura e, ao fim e ao cabo, sair candidato e sagrando-se vencedor em candidatura ao Senado contra aquele que lhe abriu a candidatura presidencial, não poderia ser alvo de desforra”.
O relator desmontou as teses de uso abusivo de dinheiro e da antecipação da campanha de Moro ao Senado, como se fingisse disputar a presidência, e outros delitos cometidos pelo ex-juiz, com indícios de corrupção, triangulação de recursos e caixa 2, segundo a acusação.
Falavinha agarrou-se aos argumentos dos defensores de Moro de que, bem separadas, as contas de campanha não sugerem abusos. E que não houve disputa desigual por outros deslizes que possam ter sido cometidos pelo ex-chefe da Lava-Jato.
Os que tentaram antecipar o voto de Falavinha chutaram para todo lado, como goleiro que tenta adivinhar o canto na hora do pênalti. Se todos chutaram, alguns acertaram. Foram vitoriosos os que previram que ele iria propor a absolvição de Moro.
Mas ninguém previu que seria de forma tão apaixonada. Com o pedido de vista do desembargador José Rodrigo Sade, que daria o segundo voto, a sessão será retomada quarta-feira, e aí tudo pode acontecer. Faltam cinco votos, mais o do presidente do TRE, no caso de empate.
O interessante é que Moro, que se dedicou a desqualificar a política e forjou sua imagem como anticorrupção e antissistema, acabou se elegendo senador para participar do sistema que combatia.
Não deixa de surpreender que, na apresentação do seu voto, o relator tenha feito a defesa de Moro como senador, com essa frase que seria definidora da postura de alguns que se dedicam à retaliação e à desforra antes citadas.
“Observa-se ainda a odiosa criminalização da política”, disse o relator, como se estivesse falando de um dos maiores defensores da legitimidade da representação política. Só faltou colocar o destruidor de reputações de Curitiba e líder do lavajatismo ao lado de Getúlio, Ulysses, Brizola e Tancredo.
Moro é, na verdade, um cínico que tirou Lula da disputa em 2018, foi trabalhar para Bolsonaro, desentendeu-se com o chefe por não proteger os filhos dele, saiu do governo, virou consultor de empresa, tentou ser candidato a presidente, viu que não tinha força para tanto, candidatou-se a senador e hoje se senta ao lado de figuras da extrema direita no Congresso.
Na Lava-Jato, escapou das investigações quase sempre frouxas da corregedoria da magistratura. Nunca foi punido pelas arbitrariedades cometidas como juiz, principalmente contra Lula, mas que incluem também as prisões preventivas intermináveis, para que os presos virassem delatores.
Continua sendo investigado pelo Conselho Nacional de Justiça por desvios de conduta na gestão da República de Curitiba. E enfrenta no Supremo o inquérito provocado pelas denúncias de Tony Garcia de que o ex-juiz o usou como infiltrado entre investigados pelos justiceiros e até entre autoridades que deveriam ser grampeadas. Mas está aí, mais vivo hoje do que estava até ontem.
É preciso que se considere como ameaça concreta a possibilidade de que escape, mais uma vez, do alcance de quem poderia e deveria enquadrá-lo. O juiz relator disse ontem, como se falasse para estudantes, que “não se julga aqui a Lava-Jato”. E falou por duas horas e 20 minutos.
Deltan Dallagnol, cassado pelo TSE, também escapou de condenação no TRE do Paraná. Mas o ex-procurador e ex-deputado não teve o tempo que Moro tem agora e que pode ter tirado fôlego das ações na Justiça Eleitoral.
O tempo, que Moro e o TRF-4 tiraram de Lula, para que a condenação se consumasse sem demora e ele não disputasse a eleição, e que sempre foi favorável à Lava-Jato, pode ajudar a absolver Moro.
O mesmo tempo que também está favorecendo todos os que continuam impunes como golpistas ou apenas como corruptos, que estiveram no governo Bolsonaro como colegas do ex-juiz.
O TSE poderá corrigir a absolvição de Moro, se o TRE decidir poupá-lo? Os recursos da acusação e do MP, nesse caso, serão julgados por um TSE que terá André Mendonça no lugar de Alexandre de Moraes. O marreco pode estar saltando fora da panela.
*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. É autor do livro de crônicas Todos querem ser Mujica (Editora Diadorim).
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