Maria da Penha vai ganhar proteção do Estado após ameaças da extrema-direita
41 anos depois de sofrer violência e 18 anos depois de dar nome a uma das leis mais importantes da história do Brasil, Maria da Penha terá proteção do Estado após sofrer uma série de ataques e ameaças de bolsonaristas e dos chamados "red pills" e "masculinistas", que se reúnem em comunidades digitais para disseminar o ódio às mulheres
Jamil Chade e Cristina Fibe, UOL
Uma vez mais ameaçada, Maria da Penha vai ganhar proteção, e sua casa será transformada em um memorial para servir como referência no combate à violência contra a mulher.
Maria da Penha vem sofrendo uma série de ataques da extrema direita e dos chamados “red pills” e “masculinistas”, que se reúnem em comunidades digitais para disseminar o ódio às mulheres.
Essa onda misógina procura se fortalecer com base em fake news ou mentiras que têm como base o descrédito da palavra da mulher. Por ser um símbolo do combate à violência doméstica no Brasil, Maria da Penha é um de seus principais alvos.
Uma das notícias falsas que passaram a circular questiona as duas tentativas de feminicídio pelas quais o ex-marido dela foi condenado. Esse discurso mentiroso vai contra todas as informações já comprovadas pela Justiça.
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Diante da situação, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves viajou até o Ceará para tratar tanto com o governador Elmano de Freitas (PT) como com a Secretaria de Mulheres. Ficou estabelecido que Maria da Penha vai entrar no programa de proteção a defensoras de direitos humanos e passar a ter segurança particular.
Além disso, a casa onde ela sofreu a violência, em Fortaleza, vai ser transformada em um memorial. O local está alugado, e o projeto era inviabilizado por falta de recursos. A família também precisava vender a casa. O governo do estado, solicitado pela ministra, pediu agora a desapropriação do imóvel e o declarou de utilidade pública.
“A sociedade machista e misógina delega às mulheres a tarefa de seguir comprovando, de inúmeras maneiras, as violências que sofreram nas mãos de seus atuais ou ex-companheiros, mesmo após eles terem sido julgados e condenados”, disse a ministra, em declarações.
“Da mesma forma, insiste na falácia de ‘ouvir o outro lado’, ou seja, os agressores condenados, criando uma onda de ódio e fake news sobre elas e contra elas”, afirmou.
“É inaceitável que Maria da Penha esteja passando por esse processo de revitimização ainda hoje no Brasil, 18 anos após ter emprestado seu nome a uma das leis mais importantes do mundo para a prevenção e o enfrentamento à violência doméstica e familiar contra mulheres”, declarou a ministra.
Para Cida, Maria da Penha é “símbolo de resistência e avanço na luta pelos direitos das mulheres”.
“Tenho insistido que é fundamental que todos, sociedade e Estado, reafirmem o compromisso de não revitimizar mulheres vítimas de violência”, defendeu.
“E isso inclui preservar sua história e memória. Esta semana demos um passo fundamental nessa direção. A residência onde Maria da Penha viveu à época das violências, em Fortaleza, vai virar um memorial, com apoio do governo do estado do Ceará, a pedido do Ministério das Mulheres”, explicou.
“Conversei pessoalmente com o governador Elmano de Freitas, na última segunda-feira (3), sobre a importância desse memorial em respeito não somente à Maria da Penha, como a todas as mulheres brasileiras”, completou.
Ao Uol, Maria da Penha lamentou ter que lidar com uma onda de ataques e fake news após 41 anos das violências que sofreu e 18 da Lei Maria da Penha.
“Como se se pudesse colocar em xeque a veracidade de fatos ocorridos e a legitimidade das instituições brasileiras, sobretudo da Justiça”, disse.
Ela ainda apontou para o papel da lei criada a partir de seu caso e o que os ataques representam.
“A lei é considerada pela ONU como uma das três leis mais avançadas do mundo no enfrentamento à violência doméstica”, disse.
Nesse aspecto, é importante ressaltar que os ataques deferidos à lei não prejudicam somente a mim, mas a todas as mulheres brasileiras, sobretudo aquelas que estão neste momento passando por situações de violência e precisam do apoio dos serviços de proteção, criados a partir da Lei 11.340/06 e que são fundamentais para que as mulheres possam romper ciclos de violência e ressignificarem suas vidas.
Maria da Penha
Ela, porém, insiste que não se sente sozinha. “O que me fortalece é saber que não estou sozinha na defesa da lei Maria da Penha. Temos muitas pessoas comprometidas verdadeiramente com esta causa e isso nos fortalece a cada dia”, afirmou.
Maria da Penha ainda destacou como um “sonho” a criação do memorial na casa onde aconteceram as duas tentativas de feminicídio.
“É uma forma de ressignificar esse espaço, tornando-o um local que conta a história dos movimentos de mulheres, a minha história de vida e da criação da lei batizada com o meu nome”, disse.
Maria da Penha afirmou estar “sem palavras” diante das emoções vividas nesses últimos dias por causa da criação do memorial.
“Vislumbro com esperança a aproximação de ações promissoras para o fortalecimento da luta das mulheres por um mundo livre de violência. É garantindo o direito à memória e à verdade que poderemos construir um futuro de justiça”, completou.
O que ocorreu com Maria da Penha
Em maio de 1983, o colombiano Marco Antonio Heredia Viveros deu um tiro nas costas da cearense Maria da Penha Maia Fernandes, sua esposa e mãe de suas três filhas, enquanto ela dormia. Como resultado, Penha perdeu para sempre o movimento nas pernas.
Na época, o agressor declarou à polícia que sua casa foi invadida por assaltantes. Essa versão foi desmentida durante a investigação. Quando Maria da Penha voltou do hospital para casa, Heredia a manteve em cárcere privado. Nesse período, tentou eletrocutá-la durante o banho.
Após a segunda tentativa de feminicídio, Maria da Penha conseguiu levar o caso à polícia. Como não havia legislação específica para violência doméstica ou feminicídio, começaria ali um périplo que duraria quase 20 anos.
A falta de respostas do Estado levou Maria da Penha, com apoio de organizações feministas, a denunciar o Brasil à OEA (Organização dos Estados Americanos). Em 2001, o Estado brasileiro foi responsabilizado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras. Entre as recomendações ao país, o órgão pedia uma resposta eficaz ao caso e uma reparação simbólica e material a ela.
A seis meses da prescrição do crime, Heredia foi preso, condenado por tentar matar a ex-companheira. Maria da Penha foi indenizada pelo estado do Ceará, e o governo federal aprovou, em 2006, a lei que leva o seu nome e prevê os crimes de violência moral, psicológica, patrimonial, sexual e física. A Lei Maria da Penha é hoje referência mundial no combate à violência contra a mulher.
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