OS COLECIONADORES
Eduardo Bonzatto*, Pragmatismo Político
Colecionadores são solitários e discretos. Gostaria de assinalar alguns dos maiores colecionadores de revistas em quadrinhos do Brasil. Waldo Vieira, Kendi Sakamoto, para citar apenas alguns.
Para esses grandes colecionadores, os itens mais colecionáveis são as revistas numeradas dos anos 1940-50-60.
No Brasil, as editoras desse período foram prolíficas em suas edições, que duraram décadas.
Geralmente, esses colecionadores se orgulham de linhagens de publicações extensas e duradouras.
Mas qual o critério para colecionar. São muitos. A extensão é um deles, mas também o significado de alguma obra específica na história do colecionador. A antiguidade ou raridade. Em grau menor, o preço de um quadrinho que se tornou raro, a expressão de seu conhecimento numa determinada particularidade para estudar o conjunto, uma série perdida, um artifício desleal para impor a raridade, como por exemplo adquirir um quadrinho em sua quase totalidade e destruir as cópias, como reza lendas de colecionadores.
O que torna um quadrinho desejável?
Mais uma vez a subjetividade impera para além da realidade. E aqui podemos distinguir colecionadores de colecionadores. Grandes espaços dominados por prateleiras de grife pode ser um indicativo. Quadrinhos de capas duras, cuja formosura se alinha ao gosto da moda, outro.
Alimentados por padrões tubeanos, os novos colecionadores de butique se espalham como moscas ansiosas pelas redes. Estão submetidos os hipes ocasionais na aquisição da última moda que não podem deixar faltar na coleção. É um mantra.
Mas esses são colecionadores episódicos. Os antigos cavoucadores de sebos empoeirados vivem de outro jeito. São solitários e discretos.
Caminham entre os gibis antigos de modo soturno e abrem ao acaso um e outro folheando o tempo na forma de poeira. Aspiram levemente a manifestação da história. Sabem perfeitamente tudo daquela peça, história e história. Cada gibi é uma queda das torres gêmeas ou o pouso do homem na lua. Se recordam o instante do encontro, o que vestiam ou pensavam no momento exato. São memórias táteis e olfativas. Jamais se perdem.
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Todo colecionador que se preze realiza rituais para vivenciar sua busca. Antes de ter o quadrinho em mãos já sabe tudo dele. Dispensando a leitura apressada dos neófitos. Saboreiam cada instante, cada sensação, cada perfeição diante do encontro há tanto esperado.
Quanto mais difícil a busca, mais intensa será a comemoração, mas tudo é muito íntimo, secreto. Afinal, não existe mais ninguém que possa compartilhar o júbilo de uma alma de colecionador. Todos os outros estão perdidos em corredores empoeirados, aspirando seu próprio tempo.
É claro que os fenômenos de tuber afetaram os velhos colecionadores, mas nenhum compararia um antigo gibi empoirado com um omnibus de super herói. Aliás, os super herois são colecionáveis exatamente por sua longevidade em bancas de revistas.
As longas séries contam as histórias dos heróis e da produção gráfica e editorial também. Repletos de informações sensíveis e de detalhes históricos, os colecionadores dominam um metie que nenhum tuber sequer pode imaginar com seu papel de vendedor de enciclopédia atualizado pela internet.
Exemplo desses novos colecionadores é Fábio Ribeiro.
“Quadrinhos eu levo a sério, é uma compulsão. Eu tenho que ter tudo no máximo possível”, confessa Fábio Gomes Ribeiro, de 43 anos, diante de um acervo com cerca de 20 mil revistas em quadrinhos que ele guarda em três cômodos inteiros de seu apartamento, no bairro do Marapé, em Santos.
A título de comparação, Sakamoto guarda em sua casa mais de 80 mil revistas em quadrinhos. Waldo Vieira, que faleceu em 2015, doou sua coleção de mais de 300 mil itens para o centro de conscienciologia em Foz do Iguaçu.
Há uma grande diferença entre um colecionador de revistas em quadrinhos e um consumidor modal de conteúdos de youtube. A diferença entre um savoir-faire e um consumidor está no refinamento, na complexidade e, sobretudo, na sofisticação.
Imagine conseguir o santo graal dos quadrinhos que só dois ou três especialistas conhecem e não poder dividir com alguém que tenha essa dimensão. É preciso ter alguém por perto que possa amenizar sua solidão.
Colecionar pode ser uma arte ou um modismo. Um passará.
*Eduardo Bonzatto é professor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) escritor e compositor
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