Minuta de golpe apresentada por Bolsonaro aos comandantes do Exército tem erros primários de História
Erro na minuta do golpe ensina por que é ruim faltar às aulas de História. Documento repleto de contorcionismos retóricos e jurídicos para justificar o fim da democracia careceu de uma revisão que poderia ter sido feita por um estudante do ensino médio
Leonardo Sakamoto, em seu blog
Para que aprender História? Para não passar vexame quando for tentar dar um golpe de Estado e o rascunho do decreto golpista vazar na investigação policial com erros mirins.
A minuta de golpe apresentada por Jair Bolsonaro aos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, de linguagem empolada e contorcionismos retóricos e jurídicos para justificar o injustificável (fim da democracia), careceu de uma revisão que poderia ter sido feita por um estudante do ensino médio.
Acompanhe Pragmatismo Político no Instagram, Twitter e no Facebook
Um exemplo: “Não à toa, encontramos ao longo da história algumas ideias convergentes ao apelo de nosso discurso (…) No Iluminismo, a necessidade de ‘resistência às leis injustas’ já era uma ideia defendida por Tomás de Aquino”, aponta um trecho da minuta de golpe que havia sido encontrada no celular do tenente-coronel Mauro Cid.
Na verdade, o teólogo e filósofo Tomás de Aquino (1225-1274), que aliou a filosofia aristotélica ao cristianismo, morreu no século 13 e o Iluminismo, que valorizou a razão em detrimento da fé, foi um movimento cultural, filosófico e científico que teve seu auge na Europa no século 18. Tem 400 anos ou mais (a depender do marco de início do Iluminismo) entre um e outro. É como dizer que o general Braga Netto fundou o Recife.
Há também outros erros no texto, principalmente jurídicos. OK, todos nós, invariavelmente, erramos, então não seria o fim do mundo. A menos, claro, que você esteja, desculpe o termo, “cagando regra”, com linguagem empolada e contorcionismos retóricos e jurídicos para justificar o injustificável. Daí, o mínimo que se espera é a dignidade de checar as informações uma vez que já faltou decência no geral, considerando a natureza criminosa do documento.
Em seu relatório, a Polícia Federal dividiu a conspiração bolsonarista para tentar dar um golpe de Estado em seis núcleos, dos quais um era dedicado a dar fundamentação jurídica ao plano. Este certamente se vê como intelectual — o que lembra que o limiar entre a arrogância e a burrice pode ser tênue. Muito tênue.
A proposta de decreto golpista, que termina com a decretação de estado de sítio e de uma operação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem), dando poderes aos militares para intervirem no Tribunal Superior Eleitoral, foi apresentada inicialmente por um dos 37 indiciados pela PF, Filipe Martins — assessor de Bolsonaro em dezembro de 2022.
Não há certeza sobre quem teria sido o pai ou a mãe da criança. O advogado Amauri Feres Saad, um dos indiciados, é apontado como colaborador de uma das minutas. De acordo com a PF, ele é “autor de obra sobre a aplicação desvirtuada e radical quanto a utilização do artigo 142 da Constituição Federal”. Os bolsonaristas citam esse artigo, que diz respeito às funções das Forças Armadas, para alucinar sobre um falso poder moderador.
E José Eduardo de Oliveira e Silva, padre em Osasco (é isso mesmo que você leu, um padre), também teria colaborado na elaboração do texto e aparece na lista de indiciados. Há suspeitas de mais nomes, envolvendo professores de direito – que, pelo visto, não conhecem muito bem nem Tomás de Aquino nem o Iluminismo.
O então presidente editou e enxugou o documento, que acabou rechaçado pelo general Freire Gomes e o brigadeiro Baptista Júnior, comandantes do Exército e da Aeronáutica. Mas aceito pelo da Marinha, almirante Almir Garnier, outro indiciado.
Fizeram bem os dois comandantes. Mostraram que sabem o mínimo de História, ao contrário de quem redigiu o documento.
→ SE VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI… Saiba que o Pragmatismo não tem investidores e não está entre os veículos que recebem publicidade estatal do governo. Fazer jornalismo custa caro. Com apenas R$ 1 REAL você nos ajuda a pagar nossos profissionais e a estrutura. Seu apoio é muito importante e fortalece a mídia independente. Doe através da chave-pix: [email protected]