Luis Fernando Veríssimo pergunta se no céu há lugar para ateu
Escritor Luis Fernando Veríssimo chega ao céu e pergunta se lá há lugar para ateu
A Recepção
Por Luis Fernando Veríssimo
A recepcionista que me recebe na porta do céu é simpática. Digita meu nome no computador, sorrindo. Mas o sorriso desaparece de repente. É substituído por uma expressão de desapontamento.
Ai, ai, ai… – diz a recepcionista. – Aqui onde diz “Religião”. Está: “Nenhuma”
– Pois é…
– O senhor não tem nenhuma religião? Pode ser qualquer uma. Nós encaminhamos para o céu correspondente. Ou, se o senhor preferir reencarnação…
– Não, não. Não tem céu só pra ateu?
Não existe um céu só para ateus. Nem para agnósticos. Também não são permitidas conversões “post-mortem” ou adesões de última hora. E me deixar entrar numa eternidade em que nunca acreditei, talvez tirando o lugar de um crente, não seria justo, eu não concordo?
Leia também
-
Poesia é a terapia por escrito
-
Quem escreveu a Bíblia? Historiador analisa as quatro diferentes teorias
-
5 Romances que Leitores Fascinados por Política Precisam Ler
-
Após pressão de conservadores, livro infantil “Menino Marrom”, de Ziraldo, é suspenso em escolas de cidade mineira
-
Norte-americana viraliza após ler livro de Machado de Assis: "E agora, o que fazer da vida?"
-
Chile reabre inquérito sobre morte de Pablo Neruda em 1973
-
Robin Wood, roteirista de um fracasso comunista no Paraguai
-
As cidades e a coleção de significados
– Espere! – digo, dando um tapa na testa. – Me lembrei agora. Eu sou Univitalista.
– O que?
– Univitalista. É uma religião nova. Talvez por isso não esteja no computador.
– Em que vocês acreditam?
– Numa porção de coisas que eu não me lembro agora, mas a vida eterna é certamente uma delas. Isso eu garanto. Pelo menos foi o que me disseram quando me inscrevi.
A recepcionista não parece muito convencida mas pega um livreto que mantem ao lado do computador e vai direto na letra U. Não encontra nenhuma religião com aquele nome.
– Ela é novíssima – explico. – Ainda estava em teste.
A recepcionista sacode a cabeça mas diz que irá consultar o supervisor. Eu devo voltar ao meu lugar e esperar a decisão. Sento ao lado de outro descrente, que pergunta
– Você acredita nisto?
Eu… – começo a dizer, mas o outro não me deixa falar. – É tudo encenação. Tudo truque. Quem eles pensam que estão enganando?
E o outro se levanta e começa a chutar as nuvens que cobrem o chão da sala de espera.
– Olha aí. Isto é gelo seco! Você acha mesmo que existe vida depois da morte? Você acha mesmo que nós estamos aqui? É tudo propaganda religiosa! É tudo…
Salto sobre o homem, cubro sua cabeça com a camisola, atiro-o no chão e sento em cima dele. Para ele não estragar tudo. Claro que também acredito que aquilo é uma encenação. Mas seja o que for, durará uma eternidade.