Racismo na USP: estudante negra é impedida de entrar na universidade
Aluna negra foi barrada mesmo apresentando a carteirinha da faculdade, enquanto estudantes brancos ingressavam no campus sem qualquer problema
Mônica Gonçalves, aluna da Faculdade de Saúde Pública da USP (FSP-USP), foi impedida de entrar no prédio da Faculdade de Medicina (FMUSP). De acordo com seu depoimento no Blogueiras Negras, os guardas da universidade deixavam pessoas brancas entrar, mas ela, que é negra, foi barrada. Mesmo apresentando a carteirinha da faculdade, Mônica não pôde entrar sob a justificativa de que não era estudante da Medicina.
“Aleguei que outras pessoas estavam entrando, que estava me comunicando com colegas que disseram estar lá”, contou Mônica. “Pedi que chamassem alguém que pudesse mediar aquela discussão”. “Outro guarda, que se identificou como responsável por intervir nessas situações, veio ao nosso encontro. Nesse momento, um homem – branco – entrou sem que nenhuma identificação lhe fosse solicitada”, relatou a estudante. Por fim, a aluna conseguiu entrar no prédio sendo escoltada por seguranças.
Em nota, o Centro Acadêmico dos cursos de Nutrição e Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP) Emilio Ribas (CAER) se manifestou sobre o caso. A entidade repudiou a “ação racista do corpo de segurança da FMUSP” e ainda classificou como racismo institucionalizado.
O CAER ainda comparou: “Foi com o argumento de estar cumprindo ordens que a segurança da FMUSP barrou a companheira Monica na entrada, justamente o mesmo argumento de que se utiliza a Polícia Militar para se justificar quando assassina jovens pretos nas periferias de todo o país”.
O Centro Acadêmico também relembrou outros casos de racismo na USP. “Entre os diversos casos de racismo na USP este ano tivemos os ocorridos em 13/03, do professor André Martin, chefe do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Letras, que disse que ‘Se o Exército brasileiro não estiver lá (no Haiti), quem vai pôr ordem na macacada?’. E o de 08/04, onde no campus Ribeirão um jovem preto estudante de Direito foi ameaçado com uma arma de fogo e insultado por um policial civil dentro do campus Ribeirão”.
Atualização de conteúdo
O Centro Acadêmico dos cursos de Nutrição e Saúde Pública (CAER) citou o episódio do professor André Martin, do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Letras, como um dos incidentes recentes envolvendo questões raciais na USP. Dezenas de leitores enviaram mensagens a Pragmatismo Político relatando que o caso não passara de um mal entendido e que havia, inclusive, uma carta aberta do supracitado docente publicada a respeito da polêmica.
Não ouvimos ambos os lados e reconhecemos o erro. Publicamos a carta na íntegra a seguir e nos retratamos:
CARTA ABERTA AOS ESTUDANTES DO DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA DA FFLCH-USP
Queridos alunos,
Negros, brancos e de todas as cores
Estupefato diante da repercussão causada a partir de um pequeno incidente em sala de aula, ocorrido na turma da noite da disciplina Regionalização do Espaço Mundial, na última terça-feira, vejo-me consternado, na obrigação de esclarecer a todos o que realmente aconteceu. E vamos direto aos fatos.
Eu nunca disse a frase que está circulando por aí nas redes sociais. E veja, estão me acusando não apenas de haver pronunciado uma suposta frase racista, mas pessoas que não me conhecem, estão escrevendo que eu sempre fui racista. É estarrecedor. A frase literal que pronunciei foi a seguinte: “E se as tropas brasileiras não estivessem no Haiti? Eles iriam se pegar e aí o imperialismo norteamericano diria: “nós temos que intervir para por ordem nessa macacada”. Que tirem os leitores, suas próprias conclusões. Poderia um estudante liberal me acusar de marxista ultrapassado, mas me chamarem de racista? É insano. Não sei com que interesses políticos estão tentando criar um factóide, se aproveitando do fato de que, por ora, ocupo o cargo de Chefe do Departamento de Geografia. Menciono este aspecto porque não foi casual ressaltarem esta condição, que para mim é passageira, mas que para se criar uma imagem desfavorável a meu respeito, e atingir por extensão toda a USP, vem bem a calhar. Ora, colocada a questão nos termos dos meus detratores eu começo perdendo de goleada: de um lado um aluno negro, pobre e indefeso. De outro o poderoso homem branco, professor e ainda por cima, Chefe. Quem vai ficar do meu lado, ainda mais que o meio utilizado para me difamar são as redes sociais, que eu não freqüento? Só que eles se esqueceram de uma coisa: eu ainda não entrei em campo, não comecei a jogar, não fui ouvido.
Quem está portanto na condição de vítima de calúnia, difamação e preconceito sou eu, aliás de quatro preconceitos bem caracterizados, a saber:
1-) Se saiu no facebook, então é verdade, aconteceu mesmo. Ora, quem está replicando o que leu, acha que a realidade está na rede e não na sala de aula. Por que não procurar os alunos que assistiram a aula para apurar a verdade? É lamentável como esta ferramenta vem sendo utilizada para aniquilar o debate público de idéias. A discussão nunca é publica, e nunca se dá em torno de idéias. É bem mais fácil, e divertido talvez, neste multiplicador de fofocas eletrônico, esculhambar a pessoa.escolhida como oponente.
2-) O aluno tem sempre razão. Este é outro mantra típico da pedagogia pós-moderna dominante. Sempre fui extremamente aberto com meus alunos, tenho 38 anos de magistério e nunca me aconteceu nenhum incidente em sala de aula. Respeito a opinião de todos, mas procuro externar a minha, sem receio do patrulhismo ideógico do “políticamente correto”, que também está amplamente disseminado. Essa visão nasceu na escola privada como extensão da idéia de que “o freguês tem sempre razão”.
3-) Não existem negros racistas, ou em outra versão, todo branco, é, no fundo, racista. Esta já é uma posição mais perigosa, que alguns setores do movimento negro brasileiro infelizmente importaram, acríticamente, dos Estados Unidos. Ela se baseia na teoria do “Black Atlantic” onde as identidades não se dão pelo território, nacionalidade, ou classe social, mas sim pela raça, ou outra característica étnica. Desse modo mesmo que involuntáriamente, quem compartilha dessa visão termina reabilitando um conceito já amplamente desacreditado pela ciência, ao mesmo tempo em que não percebe estar fazendo o jogo do imperialismo, ao procurar dividir a nação brasileira entre brancos e negros, de forma análoga ao que estão tentando fazer na porta de entrada do Heartland, ao colocar ucranianos contra russos, mesmo que isto ponha em risco a paz mundial.
4-) Toda autoridade constituída é ilegítima e portanto tem de ser contestada. É a tal coisa do “Chefe”. Se a pessoa ocupa algum cargo, possui algum poder, então essa pessoa não deve ser lá flor que se cheire. Por princípio, deve ser autoritária, ou então corrupta, se não as duas coisas. Ora, eu estava na sala de aula na condição de professor, não de Chefe.Jamais utilizei meu cargo como argumento de autoridade, aliás, mesmo como professor nunca agí dessa maneira E vale registrar: levei a aula até o fim, normalmente. Apenas um aluno que se sentiu ofendido, retirou-se, e não vários, como se espalhou, mentirosamente. Uma pergunta inocente: se tivesse de fato proclamado uma sentença racista, será que não seria a classe toda, ou uma imensa maioria dela que se revoltaria contra mim, e não um pequeno grupo?
Para terminar quero dizer que não tenho nenhum problema em pedir desculpas pessoalmente, ao aluno que se sentiu ofendido, pois jamais tive qualquer intenção de fazê-lo
Espero honestamente que este episódio infeliz, sirva ao menos como pretexto para que coloquemos o debate acerca das sobrevivências do preconceito racial no Brasil, num novo patamar. Que tal organizarmos uma mesa-redonda sobre “Brasilidade, Africanidade e preconceito racial no Brasil?” Podem contar com o apoio do Chefe do Departamento de Geografia para tanto.
Respeitosamente
André Martin