Luis Soares
Colunista
Política 30/Ago/2010 às 01:42 COMENTÁRIOS
Política

Requiescat in Pace

Luis Soares Luis Soares
Publicado em 30 Ago, 2010 às 01h42

Foino dia 5 de fevereiro de 1998 que o ex-primeiro-ministro inglês, TonyBlair, anunciou, em Washington, junto com o presidente Bill Clinton, adecisão de convocar uma reunião internacional para discutir e atualizara social-democracia, criando um movimento que foi chamado de “terceiravia” ou “governança progressiva”. Naquele momento, brilhava a estrelado novo líder inglês, que recém havia sido empossado e conseguiureunir, sucessivamente, em Florença, Washington e Londres, BillClinton, Lionel Jospin, Gerhard Schröder, Massimo D´Alema, Fernando H.Cardoso, Ricardo Lagos, entre outros governantes e intelectuais ligadosde uma forma ou outra à social-democracia européia, ou ao partidodemocrata norte-americano.
O projeto comum era construir um novo programa que adequasse a velhasocial-democracia às novas idéias e políticas neoliberais, hegemônicasnas últimas décadas do século XX. O resultado foi uma geléiaideológica, com propostas extremamente vagas e imprecisas, que malencobriam o seu núcleo duro voltado para a abertura, desregulação edesestatização das economias nacionais, e para um “prologementvaguement social de la révolution thatcheriste”, como caracterizou naépoca, a revista francesa, Nouvelle Observateur.
Goste-se ou não, as idéias e os partidos socialistas esocial-democratas deram uma contribuição decisiva à história do séculoXX, em particular à criação do “estado do bem-estar social”, depois daII Guerra Mundial. Mas na década de 80, a social-democracia perdeufôlego político, e acabou perdendo a sua própria identidade ideológica,asfixiada pela grande “restauração” liberal conservadora, de MargerthThatcher e Ronald Reagan. Isto aconteceu na Espanha, de FelipeGonzalez, na França, de François Mitterand, na Itália, de BettinoCraxi, e também na Grécia, de Andreas Papandreu. Nos anos 90,entretanto, este movimento adquiriu outra densidade e importância, coma vitória democrata, de Bill Clinton, nos EUA, e do trabalhismo de TonyBlair, na Inglaterra.
Na América Latina, a história foi um pouco diferente, porque asnovas políticas neoliberais apareceram – nos anos 80 – associadas àrenegociação da dívida externa do continente, como se fossem apenas umproblema de política econômica. E foi só no Chile e no Brasil, que aproposta da “terceira via” teve uma repercussão importante, durante adécada de 90. No caso do Chile, com a formação da aliança entresocialistas e democrata-cristãos, e, em particular, durante o governode Ricardo Lagos (1990-1996), que aderiu pessoalmente ao projetoliderado pelos anglo-saxões. E, no caso do Brasil, com a formação doPartido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), e com a participaçãoativa do presidente Fernando H. Cardoso (1995-2002), na formulação dasidéias e nas reuniões do movimento, ao lado de Tony Blair e BillClinton.
A “terceira via” teve uma vida muito curta. Talvez, por causa dasuperficialidade e artificialidade das suas idéias, talvez, porque seuslíderes mais importantes acabaram sendo derrotadas nas urnas, oupassaram para a história como grandes fracassos ou blefespolítico-ideológicos. Como no caso do iniciador do movimento, oex-primeiro-ministro Tony Blair, que foi afastado da liderançatrabalhista em 2007, e se transformou no inimigo numero um da imprensae da maioria da opinião publica inglesa, sob acusação de ter mentidopara justificar a entrada do seu país na Guerra do Iraque, além de teracobertado casos de tortura, por parte de suas tropas.
Tony Blair foi substituído por Gordon Brown, outro ideólogo da“terceira via” que acabou sofrendo uma das derrotas eleitorais maisarrasadoras da história do trabalhismo inglês. Bill Clinton também nãoconseguiu fazer seu sucessor, e passou para a história, como símbolo doexpansionismo imperial americano, da década de 1990, a despeito de suaretórica “globalista” e democrática. Os demais participantes europeusdo movimento também tiveram finais inglórios, como foi o caso de LionelJospin, Massimo D´Alema e Gerhard Schröder, e hoje ninguém mais fala oulembra, na Europa ou nos Estados Unidos, do projeto da “terceira via”.Mas este factóide anglo-americano teve uma sobrevida, e só seráenterrado definitivamente, em 2010, na América Latina. Primeiro, noChile, depois da derrota eleitoral da “Concertacion” de Ricardo Lagos.E depois, no Brasil, com a provável derrota do partidosocial-democrata, de Fernando H. Cardoso, nas eleições presidênciasdeste ano. Nos dois casos, o que mais chama a atenção não é a derrotaem si mesma, é a anorexia ideológica dos dois últimos herdeiros da“terceira via”. Não se trata de incompetência pessoal, nem de umproblema de imagem, se trata do colapso final de um projetopolítico-ideológico eclético e anódino que acabou de maneira inglória:o projeto do neoliberalismo social-democrata.
Que repouse em paz!
José Luís Fiori

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