O sofrimento dos curdos em luta desigual contra o Estado Islâmico
Esquecidos por razões políticas, os curdos se deparam agora com uma luta extremamente desigual com o Exército Islâmico, dotado de blindados e uma capacidade bélica esmagadora
Em artigo publicado no The Guardian em 8 de outubro, o professor de antropologia da London School of Economics David Graeber lançou um alerta sobre a gravidade da luta dos curdos contra o Exército Islâmico na cidade de Kobani, na fronteira da Síria com a Turquia. (“Why is the world ignoring the revolutionary Kurds in Syria?”)
Graeber, conhecido militante dos movimentos Occupy nos Estados Unidos, teve seu contrato não renovado com a Universidade de Yale em 2008, e foi para a Inglaterra, onde deu aulas na London University e agora está na LSE.
Graeber compara a situação dos curdos nesta região da Síria à dos republicanos na Guerra Civil Espanhola, entre 1936 e 1939. Diz que da mesma forma que os republicanos ficaram isolados pelos países do Ocidente naquela época, os curdos estão sendo “esquecidos”, também por razões políticas.
Diz o professor que os curdos promoveram uma verdadeira revolução nesta região da fronteira turca, chamada de Rojava, depois de se livrarem do controle do governo despótico de Bashar al Assad graças à guerra civil que grassa no país. Acentua que os curdos instituíram conselhos municipais renovados na região, com participação obrigatória de todas as etnias e culturas presentes nas cidades e também a presença obrigatória de pelo menos uma mulher.
Ressalta ainda que na região formou-se uma “União das Mulheres Livres”, cujas militantes têm se destacado no combate ao Exército Islâmico que ele, sem rebuços, chama de um grupo de extrema-direita, comparando-os aos falangistas de Franco. O que estaria ocorrendo em Rojava e especificamente na cidade de Kobani seria uma vingança do Exército Islâmico contra os curdos da região. Afirma ele que foram militantes de Rojava que atravessaram a fronteira do Iraque para socorrer seus compatriotas cercados no monte Sinjar pelo ISIS, e que foram eles que conseguiram evitar que estes fossem perseguidos e até literalmente escravizados pelos militantes extremistas, e não os bombardeios norte-americanos.
A luta em Kobani – e isto não é só Graeber que reconhece – é extremamente desigual. O Exército Islâmico dispõe de armamento pesado – inclusive blindados – e os curdos não. Inclusive só dispõem de armas antiquadas e não têm armas antitanque. Hoje (10) caiu o quartel general curdo na cidade em poder do grupo, e a ONU lançou um alerta temendo um massacre.
De onde vem o armamento pesado do Exército Islâmico? São armas e blindados apreendidos dos exércitos sírio e iraquiano, ou contrabandeado para eles por infiltrados e/ou graças à corrupção pura e simples. Inclusive muitas das armas e da munição são de procedência norte-americana.
Os Estados Unidos têm bombardeado posições do grupo em torno da cidade, mas os bombardeios têm tido pouca eficácia em deter o avanço deste grupo, porque a luta agora se dá casa a casa dentro da cidade. No Guardian também foi possível ler uma afirmação incompreensível do secretário de Estado, John Kerry, de que aquela região “não é prioritária” na luta contra o Exército Islâmico.
Enquanto isto, até o momento o Exército Turco, concentrado na fronteira, assiste impassível à luta desigual, apesar de ter autorização do Parlamento para intervir, inclusive em território sírio.
Para Graeber esta situação criminosa de abandono dos turcos se deve 1) à má vontade histórica da Turquia em relação aos curdos; e 2) à posição dos países do Ocidente de receio de que o exemplo da “revolução curda” se estenda a outras regiões da Síria e do Iraque, pelo menos. O Partido Revolucionário de Rojava trabalha em conjunto com o Partido dos Trabalhadores Curdos, um movimento guerrilheiro que, no entanto, afirma ele, abandonou faz tempo a luta armada como método contra o Exército Turco.
Por seu turno, vários dos demais grupos da oposição síria lamentam os bombardeios norte-americanos contra o ISIS, dizendo que eles só ajudam o regime de Bashar al Assad, e também nada fazem para ajudar os curdos, cada vez mais isolados.
Flávio Aguiar, RBA