A reforma eleitoral e a participação social
Todos os males do atual sistema eleitoral se repetiram no último pleito, distorcendo a representação da Câmara dos Deputados e impossibilitando qualquer governabilidade ao Executivo eleito.
Raul Pont*
Chamaram-me a atenção dois artigos publicados no jornal Zero Hora, no dia 5/11/14, de Jayme Eduardo Machado, jornalista e ex-subprocurador-geral da República, e o advogado, mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Bruno Irion Coletto, que também é mestrando em Ciência Política em Nova Iorque. Trata-se, portanto, de análises elaboradas por pessoas especialistas na área.
Os artigos, porém, constituem uma sandice, uma confusão impressionante. Ambos apresentam uma crítica à presidenta Dilma e falam do Plano Nacional de Participação Social como se fosse o projeto de reforma política da presidenta. Não sei de onde os articulistas tiraram isso; seus textos são sinônimo de uma absoluta falta de argumentos e de acompanhamento daquilo que ocorre no País. Sobre a reforma político-eleitoral, a posição da presidenta Dilma é que se faça através de constituinte exclusiva antecedida de plebiscito para que a população decida diretamente, já que o congresso não realiza.
A reforma política eleitoral trata da questão que enfrentamos agora, nesta eleição, com as mesmas consequências de 2010. De novo os mais ricos foram os eleitos e de novo tivemos uma situação esquizofrênica com a eleição via coligações proporcionais, o que acarretou que as pessoas votassem em determinado candidato e elegessem outro, em uma maior pulverização partidária. Todos os males do atual sistema eleitoral se repetiram no último pleito, distorcendo a representação da Câmara dos Deputados e impossibilitando qualquer governabilidade ao Executivo eleito.
A confusão apresentada nos artigos está em que o Plano Nacional de Participação Social trata exclusivamente de um sistema de participação que já existe, que está montado no País desde a Constituição de 1988. Refiro-me aos conselhos municipais, estaduais e nacionais. Por sinal, logo teremos a Conferência Nacional de Educação. Ela será proibida, por que a Câmara dos Deputados impediu o decreto presidencial, numa situação de pura disputa política? É claro que não! Em todo o decreto nº 8243/14 não há uma citação de “conselho popular” ou de que os conselhos existentes retirem ou substituam os poderes legislativos. O temor aos “fantasmas bolivarianos” só existe na cabeça dos articulistas.
Uma coisa não tem nada a ver com a outra. A reforma política é uma coisa e o Plano é outra. O articulista Jayme Machado chega a dizer que o projeto da presidenta representa uma afronta ao princípio de que cada cidadão deve ser igual a um voto, pregado pela Revolução Francesa. Quem afirma isso é ex-subprocurador-geral da República, sendo que vivemos em um País no qual os Estados têm piso e teto na representação política: São Paulo não pode eleger mais do que 70 deputados federais, mesmo possuindo mais de 40 milhões de habitantes, enquanto Roraima, que elegeria um deputado na proporcionalidade igual para todos, tem oito. E isso o ex-subprocurador não descobriu ou não quer saber. Isso, sim, que é problema de não cumprir, ainda hoje, nem as conquistas republicanas da Revolução Francesa. Misturar as duas coisas é desconhecimento ou pura má-fé para fazer uma disputa em cima de algo que não existe.
O Plano Nacional de Participação Social refere-se, com toda a legitimidade e a legalidade da presidência da República, a estimular e normatizar aos órgãos federais que respeitem, que ouçam e que estimulem a participação da cidadania, através de um sistema já existente há décadas e com representação delegada de instituições plurais existentes.
O prefeito José Fortunati fez um belo artigo no jornal Folha de S.Paulo defendendo isso. É evidente que se aqui se pratica o Orçamento Participativo, se aqui o Conselho de Educação e o Conselho de Saúde funcionam, assim como outros, o próprio prefeito diz que está bem, que é isso mesmo e tem de funcionar, para estimular e fortalecer a cidadania.
E temos dois doutores especialistas achando que foi uma grande maravilha o ato da Câmara vetando o Decreto Presidencial nº 8243/14. Seria mais sincero assumir, claramente, que são contrários a qualquer espaço de democracia participativa e não confundir e misturar temas com argumentos tão frágeis.
*Raul Pont é professor e deputado estadual no Rio Grande do Sul. Colaborou para Pragmatismo Político