Nicolas Chernavsky
Colaborador(a)
Esquerda 25/Nov/2014 às 12:46 COMENTÁRIOS
Esquerda

O que o PT pode ensinar ao PSOL e o que o PSOL pode ensinar ao PT

Nicolas Chernavsky Nicolas Chernavsky
Publicado em 25 Nov, 2014 às 12h46

O PSOL é a oportunidade do PT olhar para seu passado e perceber que, apesar do partido ter mudado para melhorar a vida do povo, nem todas as mudanças eram necessárias; o PT é a oportunidade do PSOL olhar para o seu futuro e ter mais liberdade para construí-lo, se conseguir perceber, entre as mudanças pelas quais o PT passou, quais foram negativas e quais foram positivas

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Imagem: Pragmatismo Político

Nicolas Chernavsky*

A relação entre o PT e o PSOL é um dos tabus da política brasileira, ou seja, é um dos temas mais difíceis de serem abordados de uma forma construtiva. Em parte, isso ocorre porque o próprio surgimento do PSOL está ligado a um acontecimento traumático, que foi a expulsão de 4 parlamentares do PT que votaram contra a reforma da Previdência em 2003. Entretanto, mais além deste episódio de 2003, o significado político do PSOL está baseado hoje em dia em questões muito mais amplas. Nessa última campanha eleitoral de 2014, a questão da relação entre o PT e o PSOL se impôs com a forças dos fatos, uma vez que na polarização do segundo turno uma parte expressiva do PSOL (como por exemplo 4 dos 5 deputados federais eleitos) apoiou Dilma no segundo turno. Afinal de contas, mais além dos traumas do passado, hoje em dia, o que o PT é para o PSOL e o que o PSOL é para o PT? É possível que mantendo sua individualidade, um possa ajudar o outro? É possível uma troca de experiências entre PT e PSOL?

Como pergunta o título deste artigo, o que o PT pode ensinar ao PSOL e o que o PSOL pode ensinar ao PT? Ou seja, o que compreender o PSOL pode ensinar ao PT e o que compreender o PT pode ensinar ao PSOL?

O PT, ao longo das décadas, desde sua fundação em 1980, lançou-se à realidade de forma a modificá-la concretamente, e isso, dado o sistema político democrático vigente, passava necessariamente, especialmente, por vencer eleições para os cargos executivos, que precisam já há décadas de mais de 50% dos votos válidos.

Posteriormente, o PT percebeu também que tendo o legislativo o poder de retirar o executivo do cargo (com mais de 2/3 dos votos), era necessário fazer alianças no parlamento de forma a garantir que o executivo eleito nas urnas permanecesse no cargo, sem contar o fato de que se a coalizão do executivo não tiver maioria no parlamento, o dia a dia do governo fica muito mais difícil, pela interconexão entre o que chamamos de função “executiva” e “legislativa”. Assim, a realidade foi forçando o PT a fazer alianças com partidos de outras regiões do espectro político. Essa foi uma mudança pela qual o PT passou que acredito que tenha sido positiva, e que o PSOL poderia observar em relação aos grandes benefícios para o povo brasileiro que ela possibilitou. Mas para ser coerente com a estrutura deste artigo, vou mencionar também uma outra mudança pela qual o PT passou, que, essa sim, o PSOL tem que tomar cuidado para não passar. Refiro-me à questão do financiamento de campanhas.

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Para vencer eleições, é preciso se comunicar com as pessoas de uma forma massiva, chegando a praticamente toda a população de uma cidade, um estado ou um país. Assim, uma campanha eleitoral viável precisa ter uma estrutura financeira mínima. O PT, ao longo de sua história, chegou a uma situação em que precisava aumentar o volume de recursos financeiros para poder fazer campanhas viáveis em larga escala, e o partido não conseguiu desenvolver um sistema de arrecadação de recursos que não incluísse a aceitação de grandes doações de empresas. Isso não só proporcionou uma forma de que interesses mais conservadores influenciassem nas decisões do PT, de seus candidatos e de seus políticos eleitos, mas também limitou o crescimento eleitoral do PT, pois esses interesses conservadores limitavam as ações progressistas que o PT teria que realizar na gestão do Estado que ampliariam seu alcance eleitoral. Em resumo, esse método de financiamento de campanhas fortaleceu um componente conservador que funcionou para reduzir o extraordinário ímpeto progressista do partido, mas este último foi tão forte que mesmo assim conseguiu melhorar acentuadamente a qualidade de vida do povo brasileiro. Por isso, não se pode jogar fora o que PT tem de bom pelo que o PT tem de ruim.

Assim, chegamos ao cerne deste artigo. O PT e o PSOL têm muito a ganhar se ambos perceberem que não são as alianças, mas sim a forma de financiamento das campanhas (e dos partidos, por que não?), a questão chave que limitou o progressismo do PT. E é importante perceber que isso aconteceu com o PT não por algum problema de índole, mas porque o PT não conseguiu encontrar até o momento uma forma melhor viável em larga escala de financiamento de campanhas. O PSOL está se encontrando concretamente com esta questão agora, e apesar de apoiar o financiamento exclusivamente estatal, o partido precisa lidar com a realidade de que isso não necessariamente vai ser instituído, independentemente de ser desejável ou não. Compreender os dilemas que o PT enfrentou no passado vai ajudar o PSOL a perceber que é a criação de um sistema de financiamento viável e adaptado à realidade institucional do país que vai ajudá-lo a vencer eleições com o mínimo de limitação do progressismo. Da parte do PT, a situação é relativamente semelhante. Olhar para o PSOL é olhar para o passado, mas não porque o PSOL seja o passado, mas porque o PSOL faz o PT se lembrar de como o partido era quando precisava de um sistema de financiamento sem grandes doações de empresas, e não tinha esse sistema e acabou cedendo para esse tipo de financiamento historicamente conservador. Agora, quem sabe com a ajuda do PSOL, o PT pode implementar um novo sistema de financiamento de campanhas (mesmo que não for aprovado o financiamento estatal pelo parlamento nacional) que permita ao partido substituir as grandes doações de empresas por muitas doações de baixo valor de pessoas físicas. É aí que PT e PSOL podem colaborar, e quem sabe formar os alicerces para que os extraordinários avanços pelos quais o Brasil passou nos últimos 12 anos não sejam interrompidos por um retrocesso conservador no futuro próximo.

O PSOL tem a política de não aceitar doações de alguns tipos de empresas, mas me parece que no médio prazo isso deixa a porta aberta para se chegar a uma situação semelhante à do PT. Esse é o momento do PSOL compreender profundamente a experiência do PT e dar uma contribuição inestimável para a política brasileira, implementando um sistema de financiamento de campanhas apenas por pessoas físicas e com um limite máximo razoável. O povo brasileiro precisa de partidos progressistas fortes. Para isso, o PSOL tem que se tornar forte e o PT tem que se manter progressista, com seu histórico companheiro PCdoB. O sistema de financiamento é a chave.

*Nicolas Chernavsky é jornalista formado pela Universidade de São Paulo (USP), editor do Cultura Política e colaborador do Pragmatismo Político

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