Leandro Dias
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Direita 24/Dez/2014 às 13:46 COMENTÁRIOS
Direita

Nova Direita para quem?

Leandro Dias Leandro Dias
Publicado em 24 Dez, 2014 às 13h46

Leandro Dias*

Tem sido recorrente na boca de alguns analistas políticos que há no Brasil o surgimento de uma “nova direita”, retrógrada, anti-democrática, ultra-conservadora e, no jargão pejorativo genérico, “fascista”. Afirmam alguns que ela seria um elemento surgido após as jornadas de junho de 2013, quando imensas manifestações tomaram o país e muitas, além da pauta extremamente difusa e incoerente, tiveram visível caráter conservador e até pediram a volta dos militares ao poder, como na ocorrida recentemente em São Paulo.

Não deveria surpreender que descontentes com os caminhos da democracia recorram aos militares para “solucionar” seus problemas. Não devemos esquecer que, no Antigo Regime, as Forças Armadas eram, por excelência, a representação social da nobreza – já que os nobres eram, em sua maioria, também, militares. Portanto, numa república como a nossa, que jamais “realinhou” os seus antigos nobres com o pensamento constitucional democrático, é natural que o estrato social herdeiro da nobreza recorra romanticamente aos militares para “recolocar a sociedade no seu curso natural”, isto é, com a nobreza novamente no topo e inquestionável. É um fenômeno comum em países cujas sociedades demoraram a derrotar o “espírito do Ancien Régime”, onde o medo da modernidade iluminista e da democracia popular marcou profundamente as ações das antigas classes dominantes. Foi assim nos principais países fascistas: Itália, Áustria, Alemanha, Espanha e Portugal.

Desta forma, infelizmente, uma breve observação histórica pode nos mostrar que não há absolutamente nada de novo no “dragão fascista”, golpista e com uma visão romântica do período militar que volta às ruas agora. A velha “síndrome da era de ouro” costuma abater estratos sociais órfãos de um período em que sua hegemonia e posição social eram incontestáveis. Para uma elite que sequer parece ter superado a libertação dos escravos, superar o Trabalhismo e a democracia popular será um longo caminho. Não é notável que 125 anos depois de fundada a república ainda tenha sido necessário perguntar se a população “queria a monarquia de volta”, como fizemos em 1993? E, além de incríveis 13% de monarquistas que tínhamos em 1993, podemos ver hoje em plena televisão aberta figuras defendendo a monarquia absolutista – na qual o rei pode dissolver o parlamento ao seu bel prazer – e mostrando assim, inclusive, desconhecimento sobre como funcionam as monarquias parlamentaristas europeias.

Essa “nova direita”, alardeiam alguns, surgiu resgatando a velha pauta anti-comunista da Guerra Fria. Só que agora a palavra da moda é o bolivarianismo, elemento-chave que, como o “comunista” do passado, pode ter qualquer designação pejorativa. Plebiscitos? Bolivarianismo. Consulta pública? Bolivarianismo. Vitória nas urnas? Bolivarianismo. Conselhos consultivos? Bolivarianismo. Para a “nova direita”, órfã de um inimigo desde a queda da URSS, o seu novo “tubarão branco”, síntese de todo o mal, reside agora no tal do “bolivarianismo” – c0nceito que a grande maioria sequer conhece ou entende.

Pronto, agora uma nova visão simplista e dicotômica do mundo pode novamente dominar o espectro da discussão política. Não importa se os EUA são o país com maior número de consultas populares e plebiscitos do mundo (fizeram mais de 146 plebiscitos apenas nestas últimas eleições de 2014). Não importa se na Alemanha ou no Japão cada bairro tenha seu conselho consultivo. Não importa se a Islândia tem a democracia participativa mais ativa do que qualquer sonho populista de Hugo Chaves. Na visão de mundo dos órfãos do antigo regime, a participação popular é sempre nociva.

A “novidade” para estes “analistas” seria, portanto, o retorno do discurso da Guerra Fria?! O que há de novidade nisso?

Não é preciso muito esforço de memória para encontrar uma série de “indícios” que revelem os profundos traços conservadores de nossa sociedade. Queiram alguns esquerdistas ou não, a ditadura militar teve importante base social: uma elite que jamais “engoliu” o trabalhismo e a inclusão das classes mais baixas que ele buscava; uma alta casta dos militares (também ligados à elite) que, além de perceberem seu visível declínio no papel político da república, compartilhavam da histeria anticomunista comum aos ocidentais naquela época. E mesmo uma então pequena classe média urbana , que compartilhava com esta elite seus valores culturais, temerosa de perder o status que sempre tivera num país de miseráveis e excluídos, deu base social para o novo regime. Lembrando que analfabetos não podiam votar e eles eram oficialmente 40% da população na época do golpe. Os golpistas, alimentados por estes traços conservadores históricos, com aval de forças norte-americanas durante o auge da Guerra Fria, criaram a base social suficiente, para que a ditadura pudesse existir, mesmo com alguns importantes protestos e resistentes durante seus 21 anos.

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São estes fantasmas culturais elitistas que hoje ganham novo fôlego para nos assustar. Não é apenas o medo da participação política dos pobres que parecem temer, a própria inclusão dos pobres na cidadania e consumo parecem radicalizar estes sentimentos conservadores. A distribuição de renda, tímida mas notável, que vem sendo feita através das políticas de valorização do salário mínimo e, para os mais miseráveis, o programa do Bolsa Família, elevaram de fato expressivas camadas sociais historicamente excluídas. Nos levando inclusive, a afirmar, que nos rincões do Brasil e dos caóticos subúrbios próximos dos grandes centros, o programa representou o fim da servidão de facto, pois como o preconceito dos próprios críticos acidentalmente revelou: “não querem mais trabalhar, preferem receber Bolsa Família”. Oras, se alguém pára de trabalhar fixo pois prefere receber até R$150 reais do programa, é porque o ”salário” que se pagava a um miserável sem qualificação, era análogo a servidão e semi-escravidão.

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Esse fenômeno reacendeu uma espécie de esquizofrenia política nas antigas e tradicionais classes dominantes do país. Ora tentam resgatar o conflito ideólogico da Guerra Fria inexistente, agora sob nome de “bolivarianismo”, ou sem o menor constrangimento, tentam emplacar outra explicação dicotômica, desta vez racista e preconceituosa, no conflito “nordeste atrasado vs sul desenvolvido” para explicar as seguidas votações petistas, como bem tentaram fazer os “jornalistas” do Manhattan Connection, durante a aula que levaram do pesquisador eleitoral Alberto Carlos Almeida.A miopia chega ao ponto de em uma revista Veja, cujo leitor alvo é justamente estes segmentos sociais, escrever que 155 milhões de pessoas, isto é, mais de ¾ da população, pertencem ‘a um país dentro do Brasil’. Invertendo qualquer obviedade de uma séria análise objetiva, onde ¾ são menos “Brasil” do que o ¼ restante, leitor da Veja.

A esquizofrenia política destes segmentos sociais, deveria ser enxergada exatamente como isso, um desvio típico de uma classe que vê suas “verdades” históricas abaladas. O que deveria ficar claro para a esquerda temerária desta “escalada” à extrema direita de parte da nossa sociedade, é que isto sempre existiu e só não observava desta maneira quem estava “dormindo” ou preocupado com outras questões. Apenas com um pouco de esforço e pesquisa podemos lembrar das inúmeras e visíveis demonstrações conservadoras, retrógradas e proto-fascistas que ocorreram na nossa história recente, muito antes da consolidação do “lulismo”. Seriam traços da “nova direita” radical ou algo muito mais profundo do que o simplismo anti-fascista/anti-petista possa explicar?

Nosso país há anos bate recordes de crimes homofóbicos. Quantos membros do movimento LGBT foram abertamente hostilizados não só pelos “nazi” de sempre, mas por “gente de bem” em vários momentos ao longo dos últimos anos? O casal de jovens homossexuais espancado no metrô paulista recentemente é muito diferente dos inúmeros assassinatos de homossexuais dos anos 90? (como bem informou o relatório GGB de 2010). Violência contra mulher é um problema suficientemente grave para se fazer necessário algo como a Lei Maria Da Penha, que reafirme o óbvio de que bater e coagir a mulher/esposa é crime grave e que tirou o seu nome da violência brutal que uma mulher sofreu nos anos 1980. Em 2012, um jovem foi espacando ao proteger um mendigo de playboys em busca de diversão; nada muito diferente dos jovens ricos de Brasília que atearam fogo no índio Galdino que dormia num ponto de ônibus em 1997, a diferença é que não havia ali um jovem humano e corajoso para proteger o índio assassinado.

Quem vive numa grande metrópole como Rio, São Paulo ou Curitiba sabe que, até pouco tempo atrás, anarquistas e comunistas não podiam sair sozinhos em certas partes da cidade sem temer a violência de neonazistas. O higienismo que acusamos a “nova direita” de pregar hoje em dia, com seu nojo dos rolezinhos, aquela “gente diferenciada” nos aeroportos, shoppings e restaurantes, é mesmo muito diferente do nojinho da “velha direita”? Ora, o que foi a Chacina da Candelária em 1993 e o Massacre de Carandiru, se não outro exemplo do higienismo violento e protofascista impregnado em nossa sociedade? Anos atrás, César Maia, então prefeito do Rio, sugeriu sem nenhum constrangimento que se jogasse creolina nas calçadas para afastar mendigos. E não foi exatamente isso que, há algumas semanas, um “cidadão de bem” fez em São Paulo contra o morador de rua chamado “Menino Passarinho”? Wilson Leite Passos, um nazista não muito enrustido, não encontra há anos espaço ainda no terceiro maior partido da nação, o mesmo que abriga Jair Bolsonaro?

Portanto, onde está a novidade? Isso tudo é fenômeno da “nova direita”, ou parte da esquerda estava tão cega, enfurnada em suas palestras universitárias ou gabinetes sindicais e governistas que não percebia a presença fantasmagórica do mais reacionário conservadorismo brasileiro?

Antes das manifestações de 2013, antes do “perigo bolivariano” das eleições de 2014, antes de começar a sobrar balas de borracha para jornalistas em passeatas, donas de casa e transeuntes aleatórios, os editoriais dos grandes jornais e os “importantes” comentaristas da TV não faziam coro em torno das mais reacionárias pautas? Não foi o Arnaldo Jabor que vinculou o Movimento Passe Livre ao PCC?! Lula ainda em 1989 não foi seguidamente chamado de comunista? O “perigo vermelho” da “república sindical” de Jango e de Lula são os nomes antigos do “bolivarianismo”.

Não houve quem defendeu e até aplaudiu a repressão fascista em Pinheirinho? Não subiam fileiras de tanques no Morro do Alemão em 2010, com os jornalistas falando que “tudo seguia na normalidade”? Como se colocar tanque nas ruas dos bairros do “outro país dentro do Brasil”, fosse algo normal. Outros não chamam a Comissão da Verdade de “Comissão da Vingança”? Não se observou recorrente apoio à PM em várias partes do país ao brutalizar manifestantes na USP, sob o lema da “restauração da ordem”, batendo e prendendo ilegalmente dentro dos campi universitários? Quantas vezes a repressão forte da polícia foi justificada por razões puramente ideológicas ou higienistas? Desacato a autoridade e o velho “você sabe com quem está falando” ainda são razões pouquíssimo republicanas para prender e fazer valer a “lei e a ordem” das autoridades.

Oras, a repressão a movimentos de esquerda não é novidade alguma. De Chico Mendes à recém assassinada líder indígena Marinalva, fazer protestos progressistas é algo muito perigoso no Brasil. Militantes de esquerda apanharem nas ruas e serem hostilizados por radicais nacionalistas são fatos até bastante comuns no cenário de confrontos políticos pelo país afora. De líderes sindicais e indígenas assassinados, até deputados que investigam crimes de milicianos, ninguém escapou.

revista veja direita opus dai

Não é com surpresa que devemos ver a duvidosa e oportunista pesquisa recente da Folha sobre ditadura e democracia, há de fato, um fantasma autoritário que permeia toda nossa civilização.

A criminalização dos movimentos sociais, atitudes históricas dos governos proto-fascistas, é alguma novidade?! São há anos massacrados pela mídia, enquadrados como “quadrilhas”, baderneiros e vândalos. Ainda nos anos 1990, nos enormes confrontos ocorridos por conta da criminosa privatização da Vale do Rio Doce, não foram chamados de vândalos e dinossauros os sindicatos que se opuseram? Em quantas capas da grande mídia foi o MST chamado de terrorista e a reforma agrária apontada como pauta de comunistas!?

Ninguém se lembra da Opus Dei, a mais retrógrada das forças dentro da Igreja Católica, e de sua ligação com membros dos partidos ”comuns”, especialmente o PSDB de Alckmin? Ou das ligações da TFP e do neo-integralismo com a campanha do Serra à presidência de 2010?! Aliás, de que serviu a campanha do Serra em 2010 se não para mostrar claramente que a extrema-direita estava bem viva, ativa e “tentaculosa”?

Isso tudo é novidade? Ou isso não era “direita” o suficiente pois não parecia afetar o governismo “prágmático”?

Enfim, o que temos de lembrar, portanto, é que não há absolutamente ”nova direita” ou “nova extrema direita”, a diferença é que agora estamos prestando atenção nela ou que os meios de comunicação facilitaram a sua visibilidade. Ela não está maior agora do que estava anos atrás; não é porque agora alguns a enxergam mais nitidamente que ela esteja maior ou mais influente.

Se há uma parcela dos militares que são anti-esquerda?! Sempre houve. Esse núcleo já pedia a volta da ditadura? Sempre pediu. E ainda no caso da reeleição da Dilma, para surpresa dos golpistas que tomaram a Av. Paulista em domingo recente, o Clube Militar soltou nota pública, republicana, contra o impeachment: “A maioria decidiu. É a regra”, disse a nota. No entanto, Jair Bolsonaro é eleito sucessivamente desde 1988, Marcos Feliciano e Coronel Talhada não compraram seus votos de parlamentar, foram eleitos e outros semelhantes a eles já o foram anteriormente. Pode ser que a extrema direita esteja mais articulada e visível, como estão todos os movimentos sociais, impulsionados pela facilidade de comunicação e integração das redes virtuais, mas dizer que sua força cresceu ao ponto de dar um golpe? Dificilmente.

O golpe não virá porque o dinheiro está no “extremo centro” e não precisa de golpe algum para continuar lucrativo e no poder. Por mais que estas eleições de 2014 tenham sido muito polarizadas, em termos de programa, PSDB e PT estão muito semelhantes e, no fundo, quem acaba governando é o PMDB e naquele estilo do mais rasteiro oportunismo político e da troca de favores, mantendo o status corporatocrático. Se ilude quem pensa que com Aécio seria diferente; muito menos o seria com Marina, cuja fraqueza a levaria a fatiar imensamente o poder entre os ávidos partidos não alinhados – talvez por saber disso que sua pauta tenha sido extremamente difusa e remendada durante a fracassada campanha.

A entrada do racismo, do machismo, da homofobia e do anti-socialismo visceral como ideias políticas relevantes no cenário político brasileiro é algo tão óbvio que a esquerda debater sua “novidade” parece ser de uma miopia preocupante, ou ainda um exercício de discurso do próprio governismo pragmático. Se pela direita essas ideias reacionárias e proto-fascistas ganham força justamente pela mais absoluta falta de projeto real da direita e além, sua cada vez mais transparente falta de vontade de discutir honestamente projetos de país. Pela esquerda o fazem justamente para recriar a quimera da extrema-direita, conseguindo agregar em volta do pragmatismo governista toda a esquerda visivelmente insatisfeita com os caminhos do petismo, mas que teme ainda mais um retorno da linha dura militaresca de passado recente, como se esta não estivesse agora sob os estandartes da democracia.

*Leandro Dias é formado em História pela UFF e editor do blog Rio Revolta. Escreve mensalmente para Pragmatismo Politico.

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