Redação Pragmatismo
Humor 09/Jan/2015 às 17:36 COMENTÁRIOS
Humor

Wolinski, o mestre que inspirou Laerte, Ziraldo, Angeli, Jaguar e Henfil

Publicado em 09 Jan, 2015 às 17h36

Conheça Georges Wolinski, o mestre de tantos outros mestres do cartum mundial que perdeu a vida no atentado ao Charlie Hebdo. No Brasil, sua obra chegou ao Pasquim, o maior símbolo da subversão do humor e da contestação política do país na ditadura militar

wolinski charlie hebdo inspirou Laerte Ziraldo
Wolinski, o mestre de outros mestres. Cartunista foi um dos assassinados no ataque ao jornal Charlie Hebdo (divulgação)

Maíra Streit, Revista Fórum

Ao pensarmos em ícones do humor inteligente no Brasil, rapidamente vêm à cabeça nomes como Jaguar, Laerte, Ziraldo, Angeli e Henfil. Mas todos eles passam da categoria de ídolos a fãs, quando se trata do cartunista Georges Wolinski, 80, morto na última quarta-feira (7) por radicais islâmicos. Ser o mestre de outros mestres tão respeitados é, de fato, uma responsabilidade para poucos.

Nascido na Tunísia em 1934, Wolinski mudou-se para a França ainda criança. Nos anos 1960, começou a desenhar para o jornal satírico Hara-Kiri, fundou o periódico L’Enragé e contribuiu ainda para outras importantes publicações, como Libération, Nouvel Observateur e L’Humanité. Ele é considerado uma das figuras marcantes de Maio de 68, onda de protestos que começou pedindo reformas educacionais e evoluiu para uma greve geral que balançou o país e o governo do presidente Charles De Gaulle.

GEORGES WOLINSKI CHEZ LUI A PARIS

Com o fechamento do Hara-Kiri, os jornalistas se reuniram para a criação de Charlie Hebdo, em 1970. Os temas políticos, religiosos e sexuais estiveram sempre presentes. Eles disputavam espaço entre as tirinhas ácidas e provocadoras, que ganhavam um toque a mais com os traços característicos de Wolinski, propositadamente simples e imperfeitos.

O autor costumava brincar que, embora ele não tivesse um partido político definido, o humor pertencia às pessoas de esquerda, “porque a direita tem muito compromisso com a ordem”. O pensamento criativo, a ousadia e a falta de pudor dos personagens chegaram ao Brasil como uma bomba, em uma época de extrema tensão e resistência ao regime militar.

Com influência do irreverente cartunista francês, os artistas nacionais passaram a se organizar em torno de um projeto que se tornaria um verdadeiro patrimônio do humor brasileiro: O Pasquim, idealizado por figuras como Millôr Fernandes, Jaguar, Tarso de Castro e Sérgio Cabral. O semanário começou de forma humilde, com a pretensão de ser um jornal de bairro, e acabou como um sucesso editorial que incomodou – e muito – o sistema político vigente.

“Bebíamos avidamente aquele humor satírico, cáustico e muito engraçado. Para o ‘Charlie Hebdo’ nada é sagrado. É o humor em estado bruto. Na época da ditadura era o que precisávamos, um humor político direto e sem muita sutileza”, afirmou em seu site o cartunista Nani Lucas.

Georges Wolinski Portrait Session

O cenário da contracultura da década de 1960 trouxe temas como sexo, drogas, feminismo, divórcio, comportamento e O Pasquim se manteve como um porta-voz das mudanças sociais. Em 1969, uma entrevista com a atriz Leila Diniz e suas polêmicas declarações fizeram com que fosse instalada a censura prévia aos meios de comunicação brasileiros. A Lei de Imprensa foi batizada, de maneira informal, com o nome da atriz.

Revolucionou também na linguagem, trazendo para o jornal expressões mais coloquiais, palavrões e gírias logo assimiladas pela classe popular. Em 1970, praticamente a redação inteira do Pasquim foi presa depois de ter publicado uma sátira do quadro “Independência ou Morte”, em que trazia Dom Pedro gritando, às margens do Ipiranga: “Eu quero Mocotó!”.

Durante os meses de detenção, o periódico continuou nas bancas, trazendo material de colaboradores como Chico Buarque, Rubem Fonseca, Glauber Rocha e Odete Lara. As prisões se sucederam e as bancas que vendiam jornais alternativos eram alvos costumeiros de atentados, até que muitas decidiram não aceitar mais esse tipo de publicação. O Pasquim ainda sobreviveu bravamente até 1991, quando fechou as portas, deixando seu nome de maneira definitiva na história do país.

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Tanto Charlie Hebdo quanto O Pasquim – com seus diferentes contextos culturais e históricos – deixaram suas contribuições ao trazerem à tona uma arte provocadora, que instiga o pensamento crítico e a liberdade criativa. Infelizmente, o ataque em Paris nesta semana levou embora, de maneira violenta, o pai de todos os bons sátiros. Wolinski perdeu a vida ao lado dos também brilhantes cartunistas Charb (Stéphane Charbonnier), Cabu (Jean Cabut), Tignous (Bernard Verlhac) e outras oito pessoas na sede do jornal francês.

Em 2011, quando o prédio do Charlie Hebdo foi alvo de um incêndio criminoso por retaliação às caricaturas publicadas sobre o profeta Maomé, a resposta veio com o desenho de um muçulmano beijando um cartunista do periódico, com os dizeres: “O amor é mais forte que o ódio”.

Esperamos que, da mesma forma, o triste episódio possa reacender a discussão sobre a função transformadora da arte e daqueles que se arriscam na defesa do direito à contestação e ao livre pensar. Assim, quem sabe, novos artistas possam, aqui e lá, continuarem com aquilo que sabem fazer de melhor: ensinar-nos que o questionamento é a primeira e mais efetiva arma para a mudança de realidades.

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