Rafael Mantovani
Colaborador(a)
Dilma Rousseff 12/Fev/2015 às 19:04 COMENTÁRIOS
Dilma Rousseff

Dilma Rousseff é canhota ou destra?

Rafael Mantovani Rafael Mantovani
Publicado em 12 Fev, 2015 às 19h04
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Rafael Mantovani*, Pragmatismo Político

Em dezembro de 2014, após a vitória de Dilma Rousseff na corrida presidencial, havia duas preocupações principais a quem a apoiou: a não aprovação (1) da nova meta fiscal pelo congresso e (2) das contas da campanha presidencial pelo Supremo Tribunal Federal, com a presença de Gilmar Mendes. Embora a segunda fosse juridicamente mais problemática para o empossamento da presidenta eleita, o primeiro foi o que deu mais justificativas à movimentação golpista. E o que tem ocorrido desde o relaxamento da meta fiscal até o pacote de ajustes proposto pelo ministro Joaquim Levy nos conta uma história interessante sobre a queda de braço entre, de um lado, um governo que se pretendeu trabalhista e, de outro, o Mercado (com M maiúsculo) aliado aos meios de comunicação.

A mídia investiu bastante contra a redefinição da meta fiscal. Também houve tumulto em Brasília com a presença do gênio Lobão, uma senhora levando gravatada de segurança e pedidos de fim da gastança. Falava-se de “crime de responsabilidade fiscal”. E como o Brasil é fissurado pela ideia de “crime”, tentou-se fazer da presidenta do Brasil a principal criminosa pelos problemas econômicos do país. Entretanto, o que estava realmente em jogo poucos sabiam exatamente o que era, obstinados que estavam com o sonho de botar a presidenta do Brasil (do PT) na cadeia.

E o que diziam os que queriam que a presidenta fosse condenada por não respeitar a meta de superávit primário? Bem, a explicação era didática: primeiramente, dizia-se que o superávit primário era necessário para pagar os títulos da dívida. Correto? Sim. Em segundo lugar, que pagar os títulos da dívida era necessário para que o governo tivesse a imagem de bom pagador e confiável e, assim, não houvesse problemas nos investimentos no país. Correto? Também.

E é só isso? Claro que não.

Fazer o Estado abrir a carteira para provar que honrará com os seus compromissos é um costume das burguesias em países periféricos. As dívidas públicas de países como Estados Unidos, França, Alemanha, Reino Unido e Japão são maiores do que a brasileira e, mesmo assim, não são obrigados por lei a reservar R$ 80 bilhões para pagarem aos que lhes emprestam dinheiro. Os Estados Unidos, curiosamente, tiveram déficit fiscal em toda a década de 2010. E também de 2000. E também de 1980. E também de 1970. Exatamente. À exceção do governo de Bill Clinton dos anos 1990, a última grande sequência superavitária do país foi a dos anos 1960. Mesmo assim, as classes burguesas não exigem do governo norte-americano que corte gastos para manter reservas em mãos para pagar a dívida que contraiu dos rentistas. Por quê? Bem, os economistas dizem que os países ditos centrais têm maiores fontes e possibilidades de captação. Exatamente! Têm realmente mais possibilidade de captação por terem estabelecido uma situação nacional de infraestrutura, circulação e produção (no sentido amplo: produção promovida pela indústria, escola, saúde) que foi financiada pelo gasto público. Gasto que aqui, no Brasil, é visto como gastança. Na prática, a sugestão de cortar os gastos públicos (sendo o Bolsa Família o alvo principal) para fazer superávit primário é literalmente tirar o que muitos miseráveis têm para comer para “mostrar” aos banqueiros e especuladores que, sim, o governo poderá pagar-lhes os juros elevados que são estipulados como prêmio por não investir na indústria.

É verdade que desde 2001 os índices de pobreza no Brasil têm diminuído significantemente. Entretanto, de 1995 a 2014, o Estado brasileiro pagou 125% do PIB aos rentistas em forma de juros. Só de 2009 a 2013, o Brasil despendeu mais de R$ 1 trilhão com esse tipo de pagamento. Isso equivale a R$ 2 mil por pessoa por ano. (E concordando com Belluzzo, é curioso que os idealizadores do “impostômetro” não tenham nunca falado em “jurômetro”. Afinal, é evidente: o importante é ressaltar as altas cifras no momento de pagar ao Estado, não aquelas do momento de receber dele. Mas mesmo assim, o cientificamente neutro Rodrigo Constantino aplaude o fim da CPMF e quer menos tributação na importação para comprar aqui no Brasil um laptop americano pelo preço que pagaria lá nos Estados Unidos. Às vezes se nota que é muito difícil essa vida de elite econômica brasileira.) E nesse caso, recebe-se o prêmio em forma de juros pelo simples fato de se ter dinheiro. E parado.

Dessa forma, no final das contas, aqueles que gritaram na manifestação para que fosse respeitada a meta fiscal (assim como a senhora que ficou zureta por causa do segurança) estavam reclamando pelo direito que os mais ricos do país têm de exigir que o Estado mostre a sua caderneta de poupança para assegurar que ele, irresponsável governo de esquerda que é (segundo a visão desses que exigem), vai honrar as suas dívidas assim como… Como quem exatamente? Estados Unidos? Japão? Não, nenhum deles. Assim como um país dito subdesenvolvido tem de fazer.

O Estado precisa, diz-se, ser enxugado, precisa diminuir os gastos públicos, diminuir a arrecadação, mas precisa também sempre mostrar a determinados grupos que os juros do seu dinheiro (garantido como prêmio pela inatividade) estarão assegurados. O jogo político e econômico precisa necessariamente cuidar desses interesses acima de tudo.

Até o momento, a vitória na flexibilização da meta fiscal de 2014 foi a última conquista condizente com o programa de governo anunciado e votado pela maioria dos brasileiros. Os juros da dívida vêm sendo constantemente elevados – e cada meio ponto de elevação da taxa Selic equivale a R$ 10 bilhões a mais na dívida que o governo contrai com os rentistas – ao mesmo tempo em que são anunciados cortes de 600 mil reais por mês na educação. Trata-se de mais de meio bilhão de investimento em educação básica, média e de nível superior cortado por mês para mostrar aos investidores que o Estado brasileiro é “bom pagador” de juros. Mas não é só isso: para voltar a investir, o empresariado requer a flexibilização dos direitos trabalhistas, o que, na prática, significa poder pagar menos. E isso ao mesmo tempo em que requer mão de obra especializada. Mesmo com tudo isso, Delfim Netto vive repetindo que o governo precisa fazer uma política que reative o lado animal do empresário… Mais animal do que isso, só um retorno à escravidão.

No afã de fazer novamente a economia crescer (ou seja, fazer com que os investimentos de quem tem dinheiro sejam direcionados à indústria), o governo aumenta os juros – privilegiando exatamente quem recebe por manter o dinheiro inativo –, ataca direitos trabalhistas e deixa de gastar com itens sociais básicos. Ora, essa não é a fórmula perfeita para um país crescer? É, ao menos, a fórmula que o Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, acredita ser a ideal, pois, segundo ele, assim, ataca-se o “patrimonialismo” brasileiro. O que mostra a sua ignorância, pois distorce e transforma Max Weber e Sérgio Buarque de Holanda em verdadeiros precursores do neoliberalismo. Ao contrário de diminuir o “patrimonialismo”, ele permanece intacto, enquanto o patrimônio do país é selvagemente transferido ao 0,1% que recebe 110 vezes mais do que a média nacional. E perceba o leitor que notar a pobreza não é uma questão de moral; é uma simples questão de percepção, já diria Deleuze. E se ele dizia isso da França, imagine-se no caso do Brasil.

Pois bem. Esse foi o projeto derrotado nas eleições de 2014. Se o PSDB vencesse, todos esses “ajustes” também seriam realizados. Contudo, era exatamente essa a promessa do partido. Em contrapartida, foi o programa trabalhista venceu e, mesmo assim, prevaleceu a política chamada “de austeridade”, que tem sido um fracasso por todos os cantos do mundo. Por que a mudança de rumo?

Se o país não crescer, o apocalipse está prometido. Na busca de superar a ranhetice de elites que não se comprazem com Programas de Aceleração do Crescimento, “gastança” e, por isso, não têm aberto o bolso ultimamente, o Estado brasileiro tem feito nos últimos meses a política econômica que a direita diz ser a correta para que o empresariado volte a investir e tire o país da estagnação. Trata-se de uma tentativa desesperada de conseguir a dita “confiança” do setor financeiro. Mais de 54 milhões de brasileiros confiaram em determinada política econômica, entretanto,
mesmo vitoriosa nas urnas, passadas as eleições, é feita a política oposta, que beneficia uma ínfima minoria do país.

É mais fácil trair a confiança de 54 milhões do que os interesses dessa minoria, até porque os interesses dessa minoria se convertem em interesses “do país”, “da nação brasileira”: cada comentário dos grandes meios de comunicação tem deixado implícitas ou explícitas a condenação da gastança e a aprovação das chamadas “medidas de austeridade” em nome do bem da economia nacional. Segundo se diz, é importante cada uma dessas medidas de “austeridade”, são importantes os cortes de gastos, é preciso flexibilizar os direitos trabalhistas. “Vai doer, mas precisa ser feito” disse Eduardo Muylaert dia desses, repetiu Delfim Netto e lhes fazem coro um sem-número de especialistas. Ora, “precisa ser feito” para que sejam os mais pobres a pagar pela necessidade de economizar 1,2% do PIB, quantia que seria folgadamente adquirida com a taxação de 1% das grandes fortunas. Esse “precisa ser feito” se trata de uma política absolutamente avessa a qualquer ideia de trabalhismo ou de democracia social, pois a
conquista da mencionada confiança dos investidores, banqueiros e especuladores depende do aprofundamento dos problemas sociais.

Aliás, cabe a pergunta: assim se conseguirá a sua confiança de fato? Afinal, as medidas de austeridade têm sido elogiadas, não o governo federal. O resultado mais notável de cada medida para agradar essa minoria é o ataque por estar sendo feito tudo o que tinha sido negado na campanha do ano passado, o que se soma às inúmeras denúncias de corrupção, especialmente envolvendo a Petrobras. Fazendo o jogo da oposição, o governo não agrada nem os opositores, nem os partidários e agrava a situação do país junto com a sua “definhante” imagem. Ao pôr em prática o que os economistas ortodoxos dizem ser o correto, o governo atira no próprio pé com uma metralhadora. Fazendo a política do PSDB não se conseguirá diminuir o antipetismo. Ao contrário disso, parece que essa atitude só o agrava, pois o crescimento econômico não fica assegurado com essas medidas (aliás, a Europa está aí para demonstrar que, ao que tudo indica, fica comprometido) e a onda direitista só tende a crescer, pois trata-se de um pragmatismo político para tentar aproximar de si determinados setores da sociedade que exigem a volta de velhas políticas de juros elevados, cortes em investimentos de serviços públicos (já ruins) e pouca transferência de renda. Tudo isso só tende a gerar uma agudização da condição de vida de grande maioria dos brasileiros que, somada ao antipetismo, tende a proporcionar o ambiente ideal para uma completa guinada reacionária.

Fazer a política da direita é mais fácil do que democratizar os meios de comunicação, ou seja, fazer com que não seja escutada uma única opinião? Enquanto a direita ditar as regras das telecomunicações, nenhum governo terá respaldo social. Nenhuma mudança realmente significativa acontecerá se o ambiente social for tão conservador; afinal, se for “conservador”, tratar-se-á de “conservar” a segunda sociedade mais desigual do mundo. Caso isso não seja levado em conta com a seriedade que merece, a política tenderá a continuar literalmente sacrificando a nutrição e educação de milhões para que 0,1% dos brasileiros possa receber mais do que 110 vezes a média nacional e consiga, finalmente, comprar aqui seus laptops pela bagatela que são vendidos nos EUA. Enquanto se repetir indefinidamente por todos os cantos que as fortunas devem ser premiadas, será impossível taxá-las como deveriam ser. Se a mídia não for regulada, a tendência é o aumento da pressão sobre o governo e a presidenta terá de assinar tudo com a mão direita, a despeito do seu programa de governo ambidestro.

E se o partido tradicionalmente de esquerda fizer uma desastrosa política de austeridade, qual é o futuro que nos aguarda? Uma das possibilidades que vem em mente é aterradora.

*Rafael Mantovani é doutorando em sociologia pela USP, mestre em Ciências Sociais pela PUC/SP e colaborou para Pragmatismo Político

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