Luis Soares
Colunista
Política 26/Out/2010 às 09:59 COMENTÁRIOS
Política

Debate: Serra sobe o tom, soa arrogante e perde mais uma chance

Luis Soares Luis Soares
Publicado em 26 Out, 2010 às 09h59
O debate entre os presidenciáveis Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) na rede Record, ocorrido na madrugada desta segunda para terça-feira (26) foi bem mais quente que o embate da semana passada na RedeTV! O candidato tucano, orientado a ser mais assertivo, exagerou na dose e mostrou-se grosseiro e indelicado durante todo o debate, ao ponto de tomar um pito de sua adversária Dilma Rousseff nos últimos blocos do programa.
A atitude arrogante de Serra, que em diversas ocasiões chamou Dilma de mentirosa e procurou o tempo todo desqualificar a adversária, contraria a regra número um dos marqueteiros, que sempre pedem para seus clientes controlarem a agressividade.

Já a candidata petista começou um pouco nervosa, mas foi ganhando confiança ao longo do debate e terminou mostrando-se bem mais segura que no debate anterior. Dilma manteve um tom assertivo, mas com moderação e não perdeu a oportunidade de dizer, em três ocasiões, que seu adversário estava sendo arrogante.  Dilma cobrou de Serra “um pouco mais de humildade e elegância” e disse ao tucano que “a auto-suficiência e a soberba não levam a um bom resultado, nem num debate e nem a frente de um governo!”.

Pré-sal foi o tema dominante

O debate foi repetitivo em muitos temas. Mais uma vez, assuntos religiosos e moralistas, como o aborto ficaram de fora. E o pré-sal e a ameaça de privatização deste recurso surgiu como tema dominante. Trata-se de assunto colocado na campanha pela candidatura de Dilma, portanto desfavorável a José Serra. Enquanto a petista reforça a proposta de transformar a riqueza do pré-sal para financiar o desenvolvimento social, Serra não deixa claro o que fará com esse recursos.

O tucano tentou jogar no colo da petista a alcunha de “privatista” mas os argumentos que trouxe não convenceram e Dilma teve a oportunidade de esclarecer as diferenças existentes entre o modelo de exploração do pré-sal defendido pelos tucanos e o modelo defendido pelo governo Lula. Dilma afirmou que, ao defender a privatização do pré-sal, Serra quer privatizar o “filé mignon” do Brasil.

O grande problema de Serra neste tema que envolve o pré-sal e a Petrobras é que ele tenta vender um discurso estatizante que não combina com as práticas e a história de seu partido e dele próprio. Assim, suas tentativas de carimbar Dilma como “privatista” não surtem efeito, e pior, podem até mesmo desagradar a base social do tucanato que defende as privatizações.

Outro tema que no começo do debate parecia que ia dominar a discussão – mas não prosperou– foi o dos “malfeitos” de pessoas ligadas a cada candidato. Serra citou o depoimento da ex-ministra Erenice Guerra à Polícia Federal e Dilma respondeu colocando Paulo Preto no meio da roda. Mais uma vez, a petista disse que a diferença entre o governo Lula e os tucanos é que no governo Lula as denúncias são apuradas e nas gestões tucanas os denunciados são protegidos.

O Nordeste também compareceu em várias ocasiões durante o debate. Notou-se um esforço de ambos os candidatos em tentar cativar o eleitor nordestino, que hoje vota majoritariamente em Dilma.

Negação da realidade

Para os eleitores mais informados chegou a ser chocante a sistemática negação que Serra fez dos avanços alcançados pelo atual governo em diversas áreas. Em muitos momentos, o tucano precisou apelar para a mentira deslavada para sustentar este discurso. Quando o assunto era o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), Serra praticamente negou que existam obras no país. Quando o tema foi economia, o tucano atacou a política econômica do atual governo, que segundo ele é caracterizada por “juros siderais, a maior carga tributária do mundo desenvolvido e a menor taxa de investimento do mundo civilizado”, esquecendo que na gestão FHC os juros ultrapassaram os 20% e que em todos debates anteriores ele próprio disse que na economia Lula apenas “repetiu” os supostos acertos da gestão FHC. Além disso, minimizou a geração de 14 milhões de empregos da atual gestão. Em sua visão, o que mudou foi o “aumento da fiscalização”, o que colaborou para incrementar a formalização do trabalho.

Quando trataram de segurança, Serra novamente tentou desqualificar as ações do governo federal e chegou a chamar de “disco voador” uma tecnologia de vigilância aérea de fronteiras –os veículos não tripulados– reconhecida internacionalmente como uma das maneiras mais eficazes de vigiar grandes extensões territoriais.

Ao comentar uma pergunta de Dilma sobre o processo que o DEM move na Justiça contra o Prouni, Serra disse que não  havia ameaça nenhuma ao programa que beneficia estudantes universitários e não assumiu o compromisso de barrar a ação do DEM. Dilma cobrou esta posição do candidato em momento posterior.

Emprego: pior momento de Serra

O pior momento de Dilma no debate foi quando falou sobre segurança pública. Apesar de o tema ter sido amplamente debatido no debate da RedeTV!, a petista novamente não soube defender seu ponto de vista e se atrapalhou ao falar a palavra “política penitenciária”. Um erro banal, mas que costuma virar motivo de piada na plateia e entre a militância adversária.
Já o candidato José Serra teve seu pior momento ao fugir deliberadamente do tema emprego. Dilma perguntou ao tucano sobre sua política de criação de empregos e frisou que gostaria de ter esta resposta pois em três debates anteriores ele não a respondeu. E o que Serra fez? Para desespero de seus aliados e de seu marqueteiro, ele mais uma vez não respondeu. Ficou falando da Petrobras. Só foi responder no último bloco do debate, quando Dilma voltou a perguntar sobre o tema emprego.

Meio ambiente comparece no debate

Por iniciativa de Dilma, o tema ambiental compareceu ao debate depois de ter sido esquecido em eventos anteriores. A candidata questionou Serra sobre política de desmatamento e quis saber qual é a posição do tucano sobre o plano nacional de mudanças climáticas. Ao tratar do tema, Dilma exibiu conhecimento técnico aprofundado do assunto. Na resposta, Serra extrapolou e disse estar comprometido com o “desmatamento zero”. Com isso, pode ter ganho o aplauso de meia dúzia de ambientalistas mais radicais, mas certamente perdeu o apoio de setores agrícolas que enxergam na política de desmatamento zero uma ameaça à expansão da agricultura.

O tucano também não conseguiu expor sua visão nacional para o problema do meio ambiente e, mais uma vez, usou quase todo seu tempo para atacar a adversária.

MST: guerra x diálogo

No último bloco, Serra apostou no discurso direitista e tentou alvejar Dilma vinculando a candidata ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). A mídia demonizou o MST de tal modo que hoje o movimento é realmente mal visto pela maioria dos brasileiros. Mas Dilma conseguiu escapar da armadilha reafirmando sua política de diálogo com os movimentos sociais e estabelecendo uma distinção entre a política do governo e a política do MST.

Já Serra focou o debate deste assunto apenas na suposta contradição de Dilma em dizer que não vestiria o boné do MST e depois vestir. Também criticou os sem-terra dizendo que que o movimento usa a reforma agrária como pretexto para desrespeitar a Justiça e promover destruições. A fragilidade destes argumento deixou Dilma com a faca e o queijo na mão para colar em Serra o adesivo de político que não sabe dialogar. “Nós sempre deixamos claro para o MST que éramos a favor da legalidade”, disse Dilma. A petista acrescentou que o governo federal foi muito mais efetivo para resolver o problema dos sem-terra, e deu como exemplo o programa Luz Para Todos. “Compramos diretamente do agricultor. Demos assistência técnica. Criamos todas as condições para que o pequeno agricultor tivesse acesso ao crédito”, afirmou a petista. “Não está certo você achar que o MST é questão de polícia. MST é questão de política pública”, acrescentou.

Os sucessivos ataques a entidades como o MST são um grande problema para José Serra. O tucano sairá da campanha como inimigo número um dos movimentos sociais.

Considerações finais

Nas considerações finais, Dilma aproveitou para reforçar a mensagem de que Serra baixou o nível do debate. No restante do tempo, “passeou” pelas regiões do país relatando como cada região foi beneficiada pelo atual governo. Dilma ainda incorporou uma mensagem que costuma ser usada pelos tucanos ao afirmar que as pessoas são mais importantes do que os números da economia: “quero dizer que meu olhar não é para o PIB e para os juros, é para as pessoas”. E terminou, mais uma vez, dizendo que está preparada para ser a primeira mulher presidente do Brasil.

Serra por sua vez, concluiu o debate dizendo defender a união de todas as regiões do país, e não o antagonismo. “Sempre fui um político nacional, brasileiro”, afirma. Em seguida, promete oferecer ao país o seu “passado de lutas”. O tom emotivo que tentou imprimir `afala final soou falso e exagerado. A coroação da falsidade ocorreu no momento em que o tucano disse: “eu quero um Brasil onde a verdade prevaleça”, isso depois de apelar para mentiras em série durante todo o debate.

Repercussão

No Twitter, durante a madrugada, cinco hashtags ligadas ao debate alcançaram os Trending Topics (assuntos mais comentados): #serramente #debatenarecord Petrobrax PROUNI e
Desmatamento Zero
. A maioria das mensagens postadas era de apoiadores de Dilma comemorando o bom desempenho da candidata e criticando a postura agressiva de Serra.

A coluna Radar Político, do portal Estadão, reuniu dois cientistas políticos para comentarem o debate durante o evento. A síntese da discussão foi: “Dilma evolui e Serra não convence”

Vencer Dilma nos debates desta última semana de campanha era uma das apostas que o comando da campanha tucana fazia para tentar reverter a desvantagem de Serra nas pesquisas. Mas pelo que se viu no debate de ontem na Record, foi mais uma oportunidade perdida para a oposição.
 

Cláudio Gonzalez

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