A ilusão da redução da maioridade penal
Uma verdadeira mudança passa pelo entendimento de que o modelo prisional aplicado há décadas simplesmente não funciona. Entenda por que a redução da maioridade penal é uma ilusão temporária
A redução da maioridade penal, em discussão pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, é a resposta para uma sociedade punitiva que tem como hábito é isolar pessoas “desagradáveis“. É uma sociedade que vê as celas como espaços de ressocialização e solução para acabar com a violência no mundo. Crer que a reclusão, neste formato e estrutura que aí está, é a solução, revela o quão raso é o debate sobre Justiça. A cada passo seguimos para o caminho radical, desrespeitando conquistas de movimentos que lutam há décadas pela efetivação dos direitos humanos no País.
Antes de discutir os anos a mais que jovens devem passar na prisão, é necessário fazer uma profunda análise de conjuntura sobre em quais condições estão os presídios no País, sobre os ambientes em que jovens que cometem delitos são jogados e como eles são tratados. Uma reposta é evidente, no entanto: na prática, os presídios não têm como meta a ressocialização dos indivíduos, dadas as condições e características da Fundação Casa, que está longe de merecer este nome.
Deixar na margem e desconsiderar totalmente a discussão sobre os motivos que os adolescente e jovens da mesma classe social, mesmas regiões e basicamente com os mesmos atributos físicos e étnicos são condicionados a cometer delinquências é fechar os olhos para as causas e tomar medidas a partir dos efeitos colaterais.
Negar que as consequências de ações desastrosas, mal planejadas e executadas pelo poder público, que porcamente lida com as políticas de assistência social, sucateando dos Centros de Juventude, olhando para adolescentes sempre como problemáticos e não como sujeitos de direito, é tirar a responsabilidade de quem deveria dar todo o aparato para que o crime não esteja entre as primeiras opções de perspectiva de vida.
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É necessária uma reforma séria e de grandes dimensões em conjunto com organizações, coletivos, indivíduos e governo para produzir mudanças que de fato possam impactar o cotidiano da sociedade. Medidas efetivamente preventivas e também de acolhimento são fundamentais para gerar transformações eficazes e essenciais.
Para uma mudança real, primeiramente é necessário admitir que o modelo prisional há décadas aplicado não está funcionando como deveria. A população carcerária só aumenta. Em cadeias e em prisões domiciliares temos mais de 700 mil pessoas, somando a terceira maior população carcerária do mundo. À frente do Brasil estão apenas a China e os Estados Unidos.
Se faz necessário, também, ter mais clareza sobre a diferença entre responsabilização e punição. A última é uma ação que acarreta ódio, revolta e faz com que o indivíduo, na maioria dos casos, não reflita sobre o que fez e sobre as consequências de seus atos. Entretanto, quando há uma tomada de consciência a partir de medidas que sejam restaurativas, o sujeito se responsabiliza pelo que fez. Isso não significa que está imune às medidas previstas em lei. A punição, assim, não é mais vista como o centro da resposta da sociedade ao desvio, mas como sequela.
É simplista se apegar a clichês do tipo: “já que são bons, leva para morar com você”. É por conta de pensamentos preguiçosos e reacionários como este que políticos, mídia e conservadores estão fechando o cerco e propondo uma medida que não tem o objetivo de resolver o problema, mas de implantar uma fantasia temporária de que está tudo sob controle.
A verdade é que o caminho viável já está proposto, mas não foi efetivado. O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 4º, enfatiza a função da sociedade no trato da juventude: “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.
Joseh Silva, Carta Capital