Redução da maioridade penal: o medo de encarar a verdade
ALE – Pragmatismo Político – Editorial
Todos os temas de relevância para a humanidade são debatidos no lastro de pesquisas que apontam para tendências e as respectivas soluções que delas podem advir. Os números são sublimemente frios e invioláveis; portanto, qualquer levantamento que se faça é sustentado na regra – jamais na exceção –, mesmo quando o resultado revela equilíbrio e mostra que a equiparação entre as propensões torna-se também uma norma. Quer dizer, ao inusitado, à raridade, ao incomum cabe tanto a inspiração ao ideal, ao lúdico de algo bom e fértil para a raça humana e a natureza em geral, como o sentimento de repulsa; ou, ainda, o toque de racionalidade no trato de uma coisa que não pode nem deve ser difundida, multiplicada.
As Ciências em geral (as naturais e as do comportamento humano) se alicerçam em estatísticas, que formam as referências para a continuidade das pesquisas e estudos futuros. A busca incessante da verdade é a bússola primordial da interminável aventura do conhecimento. E ela – a verdade – nunca poderá ser considerada um produto acabado, definitivo.
Os verdadeiros estudiosos estão em permanente processo de desconstrução dos seus achados; seu papel é serem sempre os “advogados do diabo” para que o objeto conquistado se consolide ao máximo no tempo ou esmaeça. Evidentemente que a torcida é para que o que esteja sendo bom se perpetue e o que seja mau desapareça. Não é pertinente que se propicie espaço para tergiversações quando se trata de garimpar a felicidade na Terra.
Os assuntos atinentes à saga humana são bem mais complexos do que os referentes aos demais seres. A subjetividade congela, imobiliza a objetividade da procura. Num país como o Brasil, onde os abismos sociais sacramentam o caráter de um povo encurralado num labirinto de indiossincrasias, é quase impossível não ideologizar as questões que dinamizam a sociedade.
A redução da maioridade retrata a insegurança das pessoas quando opinam. Exceto aqueles totalmente desinformados e os completamente insensíveis – categorias essas que dão vazão, de maneira plena, ao senso comum, que é movido em larga escala pelo instinto. Os que pelo menos se esforçam para compreender o problema, de forma erudita, ou através de informações irregulares e fragmentadas, invariavelmente acabam imersos na confusão, na dúvida. Isto ocorre por causa das infindáveis nuances que envolvem a discussão.
Quem se posiciona a favor da redução da maioridade penal de dezoito para dezesseis anos, normalmente é tachado de direitista, conservador, frio e por aí vai. Por outro lado, os que preferem que as coisas continuem reguladas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) se autodenominam progressistas mais à esquerda… humanistas.
O fato é que ambas as correntes apresentam argumentos sólidos e frágeis, tornando acirrada a disputa entre ideologias estereotipadas pelo extremismo. Entretanto, em meio a todo esse jogo de interesses e vaidades, uma tênue chama clareia e guia os pouquíssimos que almejam enxergar uma fagulha concreta e imutável que, apenas aparentemente, chega a se perder na imensidão do relativismo e subjetivismo que compõem o corpo significativo do que são a criança, o adolescente e o jovem numa sociedade tão desigual e injusta como é a brasileira.
A pequenina luz que brilha no âmbito da racionalidade expõe a evidência de que, no Brasil, as elites econômicas e políticas, assim como os gélidos, insensatos e os que, pela ignorância, são incapazes de contextualizar os problemas optam pelo simplismo da diminuição da maioridade penal, ao invés de se dedicarem ao gigantesco empreendimento humanitário de, preventivamente, proporcionarem às crianças, aos adolescentes e jovens das classes mais desfavorecidas uma vida digna e profícua.
Nessa terrível encruzilhada, toda essa gente não tem a coragem de assumir publicamente seus pontos de vista e dizer, sem subterfúgios, que, para eles, a melhor maneira de combater a violência no Brasil é condenando e punindo os adolescentes das classes sociais mais pobres, os meninos e as meninas que os governos esqueceram.
É preciso que não se tema colocar assim as coisas. Independentemente dos teores político-ideológicos que se der à questão, os números, fria e inexoravelmente, sinalizam que, do mesmo jeito que nos presídios a grande maioria é de negros e pobres, com a redução da maioridade penal a maior parte do contingente de adolescentes a ser condenado e punido será, certamente, de pobres e pretos. É que o grosso dos adolescentes abastados está imune ao assédio dos traficantes e dos mais variados tipos de agentes da criminalidade.
O grande entrave nacional é que ninguém, usando qualquer espécie de discurso – desde o mais simples até o mais elaborado –, consegue desconstruir essa verdade nua e crua, ao mesmo tempo em que quase ninguém é capaz de propagá-la, pois não é nada fácil ser sincero.