Redução da maioridade: opinar ou refletir?
O eterno debate sobre a redução da maioridade penal voltou à baila. No entanto, só depois de ler a bela reportagem de Vanessa Martina Silva, no Opera Mundi, confesso arrependido que estava incluído no grupo dos que andam opinando sobre um projeto que não conhecem. Porém, sentindo aquela boçal satisfação de ter feito algo que não vai além do meu dever, anuncio que fui ao texto – e que recomendo isso a todos.
A emenda proposta é sucinta. Advoga-se que o artigo 228 da Constituição seja este: “São penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos, sujeitos às normas da legislação especial“. Em suma: acima dos 16, cana neles! Mais importante que a emenda, no entanto, são as justificativas (obrigatórias em qualquer PEC) que o nobre parlamentar Benedito Domingos (PP-DF), autor do projeto (e condenado por corrupção passiva e formação de quadrilha em outubro de 2014), insere no texto. Três delas eu gostaria de analisar com os amigos leitores.
1) “(…) é notório, até ao menos atento observador, que o acesso destes [jovens] à informação – nem sempre de boa qualidade – é infinitamente superior àqueles de 1940 [ano em que se definiu a maioridade aos 18]”
O parlamentar considera que o acesso à informação justifica a detenção de menores. No entanto, cabe perguntar: esse “acesso” chegou a todos? Segundo relatório da UNESCO, por exemplo, a maioria dos livros ainda estão concentrados nas mãos de muito poucos: “o preço médio do livro de leitura é muito elevado quando se compara com a renda do brasileiro nas classes C/D/E. Muitos municípios brasileiros não têm biblioteca, a maioria destes se localiza no Nordeste”. O mesmo relatório ainda aponta que “uma grande porcentagem de brasileiros não possui computador em casa, destes, a maioria não tem qualquer acesso à internet (nem no trabalho, nem na escola)”.
É difícil discordar da premissa do deputado, segundo a qual o maior acesso à informação torna o jovem mais consciente. No entanto os dados mostram que é uma ínfima parcela da nossa juventude que tem acesso à informação “de boa qualidade”. Será que o que falta para reduzir a delinquência juvenil é mesmo cadeia?
2) “A liberdade de imprensa, a ausência de censura prévia, a liberação sexual, a emancipação e independência dos filhos cada vez mais prematura, a consciência política que impregna a cabeça dos adolescentes, a televisão como o maior veículo de informação jamais visto ao alcance da quase totalidade dos brasileiros (…), todos os fatores ora elencados, dentre outros, obviamente, que vem repercutindo na mudança da mentalidade de três ou quatro gerações, não estavam à mão dos nossos jovens de quarenta ou cinquenta anos atrás”.
É curioso que o nobre deputado, ao defender a redução da maioridade, elenque entre os fatores que teriam contribuído para a degeneração da juventude “a ausência de censura prévia” e “a liberação sexual”.
Indo além, é sintomático que, entre as mudanças que teriam conferido maior “consciência política” aos jovens, não esteja listada nenhuma iniciativa governamental. No máximo, poderíamos ver a presença do Estado se considerássemos as redes de televisão como concessões públicas – embora raramente essas redes e os próprios parlamentares levem isso a sério.
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Diante disso, cabe perguntar: será que terem sofrido essa “mudança de mentalidade” mencionada (capitaneada não pelas instituições de ensino formais, mas por emissoras de TV como a Rede Globo e outras) justifica a afirmação de que os jovens de hoje são mais “imputáveis” que os de outrora?
3) “Se há algum tempo atrás [sic] se entendia que a capacidade de discernimento tomava vulto a partir dos 18 anos, hoje, de maneira límpida e cristalina, o mesmo ocorre quando nos deparamos com os adolescentes com mais de 16”.
Como os fatores mencionados pelo nobre deputado garantem que a “mudança de mentalidade” se dá aos 16? Por que não 17? Ou 15? Ou 14? Ou… Será que um país da importância do Brasil pode aprovar uma lei tão importante, mas amparada em impressões tão difusas e subjetivas?
Voltando à discussão geral, é claro que partimos do princípio de que reduzir a idade de responsabilização penal equivale, necessariamente, a “botar na cadeia“. A reportagem de Vanessa Martina Silva, contudo, de modo conciso e didático, mostra outros importantes exemplos. Um deles é o da Argentina, onde, embora maiores de 16 já recebam penas de adultos, não ficam detidos nas mesmas prisões que os mais velhos. Outro é o do Chile: a maioridade penal começa aos 18, porém são possíveis punições mais duras a jovens a partir dos 14 (mas nunca juntos a adultos e com o limite de 10 anos).
Isso significa que, aprovando a PEC 171, o Brasil não apenas reduziria a idade de imputabilidade penal, mas também o faria da forma mais atrasada possível. E pior: por não termos a maturidade necessária para analisar a questão e, a partir disso, discuti-la. Quantos não opinamos sobre a PEC sem ler? Quantos não defendemos sua implementação sem conhecer outras propostas, outras ideias, outras realidades? Uma PEC que, curiosamente, leva o número 171. No código penal, 171 significa estelionato. É um número simbólico. E, segundo dizem, os números não mentem.
Henrique Braga, Brasil Post