Redação Pragmatismo
Direitos Humanos 08/Jul/2015 às 18:15 COMENTÁRIOS
Direitos Humanos

Protesto contra a redução da maioridade penal reúne 8 mil em São Paulo

Publicado em 08 Jul, 2015 às 18h15

Sob chuva e aos gritos de “Ô Cunha, pode esperar. A sua hora vai chegar”, oito mil vão às ruas, em São Paulo, contra redução da maioridade penal

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Protesto contra a redução da maioridade penal também aconteceu no Rio de Janeiro (Imagem: Agência Brasil/ Fernando Frazão)

Aproximadamente oito mil pessoas, segundo os organizadores do ato, percorreram as principais avenidas de São Paulo, parte do trajeto sob chuva, no início da noite desta terça-feira, 7, para protestar contra a redução da maioridade penal aprovada na semana passada, em Brasília, após uma manobra do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), conseguir reverter a rejeição da matéria. “Ô Cunha, pode esperar. A sua hora vai chegar”, foi uma das palavras de ordem mais gritadas pelos ativistas durante a passeata, para expressar a indignação com a postura do parlamentar.

O número expressivo de manifestantes nas ruas da capital paulista, em uma noite fria e chuvosa, encheu de ânimo as lideranças dos movimentos sociais que integram a frente contra a redução da maioridade penal. Eles acreditam que é possível reverter a manobra de Eduardo Cunha da semana passada. Para virar lei, a matéria ainda precisará ser aprovada em um segundo turno na Câmara, além de ser aprovada em dois turnos no Senado. Nas três votações, é preciso maioria qualificada.

“A mobilização popular tem sido a grande força contra o avanço do conservadorismo no país”, ressalta Juninho, do Circulo Palmarino. “A juventude quer educação e não prisão. Não vamos aceitar calados, as manobras de Eduardo Cunha. O ato é importante porque foi construído em ampla unidade com setores democráticos e populares (da sociedade)”, reforça Beatriz Lourenço, do Levante Popular da Juventude.

Protesto

Os organizadores da manifestação desta terça já anunciaram um novo ato para o próximo dia 13, contra a redução da maioridade penal e para lembrar os 25 anos da entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). “Somos contra alterar o ECA. Propomos que o Estatuto seja de fato implantado no país, coisa que nunca aconteceu”, frisa Douglas Belchior, dirigente da Uneafro.

Para o padre Julio Lancellotti, da Pastoral do Menor, a proposta de alteração do ECA, defendida pelo governo na Câmara, é uma temeridade devido à composição de forças políticas conservadoras que integram o atual Parlamento. “Com esse Congresso é muito perigoso”, comenta preocupado. “Primeiro é preciso verificar se o ECA está sendo cumprido”, completa.

Para derrubar a redução da maioridade penal, o padre também confia na pressão popular. “É preciso mostrar que há quem seja contra. E aqui (na rua) está uma grande parcela da juventude, para mostrar que o Congresso está completamente equivocado, que o (Eduardo) Cunha está insistindo no caminho da violência e da repressão. Fascistas, não passarão”, alfineta Padre Julio.

Repressão

A Polícia Militar acompanhou todo o trajeto com viaturas, motos, ônibus e um forte aparato de policiais. A tropa do braço, com sua armadura e escudos também marcou presença, mas desta vez não interveio. Ouviu, mas não reagiu às palavras de ordem entoadas a plenos pulmões pelos manifestantes. “Não acabou, tem de acabar. Eu quero o fim da Polícia Militar.”

Quando a manifestação atingiu a Praça Roosevelt, onde as lideranças concluíram o ato, a tropa do braço se recolheu aos veículos da Polícia Militar. Várias viaturas da Força Tática e motos da Rocam, no entanto, continuaram estacionadas na rua da Consolação próximas ao cruzamento com a rua Caio Prado, com os giroflex ligados. Os policiais observavam os manifestantes à distância.

Esse cruzamento foi o palco do epicentro da repressão ao protesto do Movimento Passe Livre pela redução da tarifa do transporte público, em junho de 2013, quando o fotógrafo Sérgio Silva ficou cego de uma das vistas ao ser atingido por uma bala de borracha disparada pela Tropa de Choque da PM.

Aula de cidadania

Isaías, 19 anos, com boné do grupo de rap Facção Central, também engrossou a passeata. O menino franzino com consciência de gigante, que descarrega caminhões durante o dia em uma rede de hipermercados e à noite cursa História em uma faculdade particular, deu uma verdadeira aula de cidadania durante a entrevista à reportagem de Caros Amigos.

“Com essa política de redução da maioridade penal, o moleque vai ser preso e quando sair da prisão não vai conseguir (arrumar) emprego. Porque não se dá emprego a quem tem passagem (na polícia). Aí o moleque vai voltar pra quebrada e vai ter uma vaga (no tráfico) esperando por ele”, antecipa.

Morador de Perus, região noroeste da capital, ele conhece de perto essa realidade. Já teve um amigo (mano, como ele o define) que foi parar atrás das grades por causa do tráfico de drogas.

E ele questiona: “Por que na Noruega, Finlândia, Irlanda não se discute a redução da maioridade penal? Será que os moleques de lá são melhores do que os daqui? Será que são mais seres humanos do que nós? Não. Não são melhores do que os moleques da quebrada. A diferença é que lá, eles têm um futuro garantido, aqui não. Essa é a realidade.”

Racismo

Bruna Tamires de Souza Cruz, 22 anos, estudante de Gestão de Políticas Públicas, na USP Leste, também resolveu se juntar àqueles que protestam contra a redução da maioridade penal. Ela conta que se deu conta de que era negra só após entrar na universidade. “Na escola municipal todo mundo é pobre. Descobri que era negra, quando percebi que não era bem-vinda na USP. Quando começaram a aparecer várias pichações racistas nas paredes dos banheiros, montamos um coletivo de negros e negras da EACH (Escola de Artes, Ciências e Humanidades).”

Esse foi o pontapé inicial para a conquista da consciência. Mas a entrada na luta contra a redução aconteceu de forma ainda mais dura. A estudante conta que foi vítima de um ataque racista no trem. Moradora de Pirituba, na zona noroeste da capital, ela ia para um evento em Campo Limpo, no extremo sul da cidade, quando ouviu uma passageira criticar seu cabelo Black Power e resolveu reagir.

“Ela disse: ‘Que horrível, não sei como alguém pode andar com uma bucha como essa (na cabeça)’. E eu fiquei com muita raiva, muita raiva. Ela tava falando pra todo mundo ouvir. Ela era branca. E o que eu podia fazer pra destruir essa pessoa no argumento? Eu pensei, eu não vou levar isso pra casa. Esse problema não é meu, ela é a racista. Eu não ia acabar com o meu dia, por causa dela. Aí eu levantei e disse (para as pessoas que estavam no vagão): ‘Passageiros e passageiras, eu vou falar sobre a redução da maioridade penal, que é uma política racista, que vai prejudicar negros e negras, como a gente… E eu vi que a mulher começou a se encolher. E as pessoas bateram palmas”, comemora. “De 10 pessoas, se a gente conversar, consegue reverter (a opinião de) umas oito”, conclui.

Liberdade para Islam Hamed

Ativistas da Frente Palestina e da Missão a Gaza se juntaram aos manifestantes contra a redução da maioridade penal e panfletaram um documento exigindo a libertação do brasileiro-palestino que está há 90 dias em greve de fome, para pressionar por sua repatriação ao Brasil. “Redução não é solução. Para as crianças palestinas, prisão é realidade desde o nascimento”, relata trecho do texto distribuído.

O documento informa ainda que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, esteve recentemente em Israel, país exportador de materiais bélicos usados na repressão contra a juventude marginalizada brasileira.

Lúcia Rodrigues, Caros Amigos

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