Perseguir Assange pode fazer dele "mártir", diz especialista
Publicado em 07 Dez, 2010 às 22h45
Asfixia
Na opinião do professor Caio Gracco Pinheiro Dias, da PUC-SP, a verdadeira campanha contra o WikiLeaks não é a prisão do Assange.
– A verdadeira campanha foi a Visa, a Mastercard se recusarem a receber pagamentos para eles, bloquearem as contas da Wikileaks. Foi a Amazon se recusar a hospedar o site. Essa é a verdadeira campanha, porque tenta asfixiar a organização, e não a pessoa. Curiosamente, não está tendo toda publicidade que mereceria. O foco está sendo na figura do Assange.
Gracco faz uma comparação entre os vazamentos de documentos e a divulgação de escutas eletrônicas pela imprensa brasileira, e diz que a prática do site não é ilegal.
– No Brasil, volta e meia, revistas, jornais divulgam gravações feitas pela Justiça. Essas gravações são protegidas por sigilo. É responsabilidade da autoridade resguardar o sigilo das gravações. Somente pode revelar as gravações quando elas viram provas, ou seja, no curso do processo. O que acontece é que, muitas vezes, por alguma razão, elas acabam sendo publicadas pela imprensa. Você teve alguém que descumpriu um dever funcional, dever de sigilo. Por outro lado, há alguém que divulgou as informações. A prática no Brasil é considerar que o vazamento é ilegal, mas a publicação pela imprensa não é, desde que haja interesse público. Então, se a gente pensa dessa maneira, é possível associar o WikiLeaks a um órgão de imprensa, ele está dando publicidade. Agora, não foi o WikiLeaks que entrou no sistema do Pentágono, por exemplo. A informação é que um funcionário do Pentágono teria passado os dados – afirma.
Ele emenda: “Se a aplicarmos a mesma lógica usada no Brasil – e, até onde sei, é aplicada nos Estados Unidos -, a publicidade do material não é ilegal”.
Segundo ele, o governo americano está endurecendo para evitar outros vazamentos.
– Ele publicou uma regra, proibindo os funcionários do governo de lerem, armazenarem os documentos. Pela lei americana, ainda que os documentos tenham sido divulgados, eles continuam secretos. Então, quem divulga estaria de alguma maneira violando. Não se aplicaria aos órgão de imprensa. Isso é uma reação do Estado à divulgação do segredo. Muito mais do que uma ameaça ao Assange.
Segurança em xeque
Na avaliação do especialista em segurança da informação, professor da Universidade de Brasília (UnB), Jorge Henrique Fernandes, o site WikiLeaks representa um “movimento anárquico”, na medida em que vai contra a ordem estabelecida, tentando construir um novo diálogo”. É ainda, diz ele, “uma demonstração do poder que a internet tem de trazer discussões, que, talvez, nunca foram ditas abertamente”.
– É muito difícil controlar as informações que fluem na rede. É um estrago grande. Acho que isso vai provocar mudanças na maneira de como os países se enxergam, de como as pessoas veem a política internacional.
Em relação às fragilidades de segurança que o WikiLeaks evidenciou, Fernandes reconhece que “os sistemas têm vulnerabilidades”.
– Falando como especialista na área, é uma demonstração de que a tecnologia não resolve de fato os problemas de segurança da informação. Os Estados Unidos têm um aparato gigantesco de segurança da informação e gasta fortunas com isso. Mesmo assim, dados sensíveis são copiados e distribuídos. Se não conseguem evitar os vazamentos, é porque a coisa é complexa. Há uma dificuldade gigantesca de oferecer segurança nesse processo.
Para o professor da UNB, a lição deixada pelo WikiLeaks é “que o fator humano é algo extremamente difícil de ser controlado”.
– Uma consequência política desse processo é que a questão da segurança pode ter uma discussão mais democratizada. O que significa isso, como tem que se abordar o trato da informação. Agora, é uma demonstração de que talvez, quando os sistemas, as organizações, os Estados, os aparatos de governo chegam a um certo tamanho, mais difícil se torna dar essa segurança devida.
Terra Magazine