Os moradores que continuam a viver na zona de exclusão de Chernobyl
Destemidos de Chernobyl dizem que a fome dá mais medo que a radiação. Cerca de 100 pessoas, inclusive idosas, ainda vivem na zona de exclusão após a catástrofe nuclear de 1986
George Johnson, New York Times
Enquanto caminhávamos pelas casas vazias, a última coisa que eu esperava ver era alguém morando por lá. Mas, de repente lá estava ela. Saindo de seu chalé com botas e um lenço amarrado na sua cabeça, Rosalia nos cumprimentou em ucraniano e mostrou orgulhosa sua plantação de batatas.
Ela é uma dos cerca de cem idosos, em sua maioria mulheres, que continuam a viver na zona de exclusão de Chernobyl —uma área de mais de 1.500 quilômetros quadrados que foi evacuada em 1986 depois do catastrófico acidente na usina nuclear.
Em 2011, a área foi oficialmente aberta aos visitantes e, no ano passado, me uni a um grupo de turistas para um passeio de dois dias pela zona. Em outro vilarejo, nosso guia nos apresentou Maria, que contou que comemoraria 86 anos em julho. “Venha me visitar no dia 16”, afirmou com um sorriso banguela. “Nós vamos dançar.”
O Prêmio Nobel da Literatura deste ano foi para Svetlana Alexievich, que ficou conhecida pelo livro “Vozes de Chernobyl”, um comovente relato da história das milhares de famílias que foram obrigadas a sair de casa em decorrência do desastre.
Mas o novo documentário americano “As Babushkas de Chernobyl”, dirigido por Holly Morris e Anne Bogart, conta uma história diferente: das mulheres destemidas que insistiram em voltar para casa —e conseguiram, por sua conta e risco, convencer o governo a deixá-las em paz por lá.
Elas comem legumes e verduras plantadas no quintal, além de frutas e cogumelos que crescem nas florestas.
“O que me dá mais medo é a fome, não a radiação”, Hanna Zavorotnya, de 83 anos, afirmou para a câmera, sentada em frente de casa enquanto descasca os cogumelos que vai refogar com cebola. Ela tira água do poço para beber e dar para as galinhas no quintal.
Assim como muitas outras babushkas, ela era criança durante a grande fome de Stalin e estava na escola quando os nazistas passaram pela Ucrânia. Elas sobreviveram aos maridos e, em alguns casos, ao câncer de tiroide. A maioria delas morre em decorrência de AVCs e de outras complicações típicas da idade.
“A zona de exclusão não é uma prisão”, afirmou Valentyna Ivanivna, de 75 anos, enquanto é filmada pescando no rio Pripyat, que passa ao lado da antiga usina nuclear.
“Em Kiev, eu já teria morrido há muito tempo, já teria morrido cinco vezes. Todos os carros lançam a tabela periódica inteira no ar e você coloca tudo aquilo para dentro do pulmão”, afirma.
Mais tarde acompanhamos uma de suas visitas ao médico, sentada na cadeira do espectrômetro de radiação para conferir os níveis de césio no corpo.
“Você está bem”, garante o técnico do laboratório. Ele repete aquilo que ela já sabe —que a radiação é perigosa. Os cogumelos, que retiram nutrientes do solo, são especialmente complicados.
JAPÃO
Enquanto eu assistia ao filme, pensava nas cerca de 1.600 pessoas que morreram em decorrência da evacuação da área afetada pelo desastre de Fukushima em 2011.
Desde que escrevi sobre as consequências do acidente, há cerca de um mês, o primeiro caso de câncer foi atribuído à radiação no Japão. O paciente é um dos trabalhadores responsáveis pela limpeza da região.
Não há como saber se a leucemia foi de fato causada pela radiação —ao concordar em assegurar o tratamento médico, o governo japonês deu a ele o benefício da dúvida.
No caso de Chernobyl, tão resistentes quanto as babushkas são os animais selvagens daquela região. Um estudo publicado no mês passado na revista “Current Biology” revelou que as populações de alces, veados, javalis e lobos não estão apenas sobrevivendo, mas prosperando.
“A despeito dos possíveis efeitos da radiação sobre os animais, a zona de exclusão de Chernobyl comporta uma comunidade abundante de mamíferos mesmo depois de quase três décadas de exposição constante à radiação”, concluíram os pesquisadores.
Obviamente, o acidente trouxe muitos efeitos nocivos. No início, cerca de 30 bombeiros morreram ao se exporem à radiação excessiva, e cerca de 6.000 pessoas que foram expostas durante a infância mais tarde tiveram câncer na tiroide. A Organização Mundial da Saúde previu que a radiação poderá causar cerca de 4.000 mortes prematuras por câncer. Mas a verdade é que ninguém sabe ao certo.
Estudos epidemiológicos são sempre incertos, algo que Mary Mycio, autora do livro “Wormwood Forest: A Natural History of Chernobyl” afirma durante o documentário.
“Qualquer estudo médico tem falhas e isso significa que as pessoas podem usar a mesma pesquisa como argumento a favor ou contra o retorno para a região. Ninguém tem respostas inequívocas”, afirma.