Como é ter um filho com microcefalia
“Cada mãe de criança com microcefalia vai aprender a cuidar, a amar e a conhecer o seu filho”. Mãe de menino com microcefalia relata detalhes da rotina ao lado do filho
Há 14 anos, Michelle Santos, de Recife (PE), se tornou mãe pela primeira vez. Após o parto, ela recebeu um diagnóstico inesperado: Gabriel nasceu com microcefalia. Naquela época, as informações na internet ainda eram poucas, e ninguém cogitava que, um dia, a microcefalia se tornaria epidêmica no Brasil, como está acontecendo hoje.
O menino cresceu cercado pelos cuidados, atenção e amor dos familiares, especialmente da mãe, que desde então se dedica integralmente a ele. Em emocionante depoimento à revista Crescer, Michelle contou como criou o filho ao longo desses anos e passa uma mensagem de força e coragem às famílias que estão descobrindo agora a microcefalia em seus bebês. Confira na íntegra:
“Gabriel é o meu primeiro filho e hoje está com 14 anos. Ele nasceu com microcefalia. Eu só soube após o parto. Foi uma surpresa seguida de choque e desespero, pela incerteza do que iria acontecer. O que mais me assustava era a incógnita.
Eu tive uma gravidez normal. Não aconteceu nenhuma intercorrência, nada fora do normal. Fiz todo o pré-natal certinho, com sete ultrassons. Sempre dava tudo bem. Minha bolsa estourou um pouco antes do previsto, fui para a maternidade e fizeram uma cesariana.
Ainda no hospital, a médica me perguntou se eu tinha notado alguma coisa diferente no meu filho. Eu disse que sim, percebi que a cabeça dele era pequena e que ele era muito quietinho, não chorava tanto como os outros bebês. Foi então que ela me explicou que ele tinha microcefalia. Eu não sabia o que era.
Comecei a buscar pediatras e neurologistas. Os médicos sempre me falavam sobre as coisas que o meu filho não poderia fazer, mas nunca me diziam do que ele seria capaz. Enfatizavam mais a parte negativa do que a positiva.
Eu tinha acabado de ter meu filho, estava cheia de ansiedade e expectativas. Foi difícil. Depois de conversar com muitos médicos, comecei a preencher meus dias com as demandas do Gabriel, com as terapias. Decidi parar de trabalhar para cuidar dele, porque não tinha outra opção. Foi bom para ele e para mim.
Ele precisava se consultar com neurologista, infectologista, ortopedista, oftalmologista, fisioterapeuta, pediatra… Era uma avalanche de médicos. Entrei naquele mundo e fui vivendo.
Com um prognóstico tão negativo, você começa a dar valor para cada pequena conquista. Quando a criança não é especial, é esperado que ela sente, ande, fale… Mas, para mim, ver meu filho fazer tudo isso foi muito importante, foi um avanço. Vi que as terapias estavam fazendo efeito.
Claro que cada caso é um caso. Algumas crianças com microcefalia ficam mais comprometidas do que outras. Apesar de eu ainda fazer muita coisa pelo Gabriel, ele se desenvolveu bem. Eu tenho que trocar a roupa dele, escovar os dentes e pentear o cabelo, por exemplo. Mas ele anda, sabe descer escada sozinho, reconhece as letras… Ele está no processo de alfabetização, começando a juntar as letras. Se eu mostrar duas palavras, como vaca e bola, ele já sabe qual é qual.
Ele tem facilidade para decorar coisas. Ele conhece músicas de Natal e de comercial, e canta muito. Ele é bem sensível. Percebe quando algo não está bem ou quando há um clima de estresse. Se ele vê que estou triste, vem me dar um beijo, mostra que está preocupado.
A microcefalia do meu filho afetou mais a parte cognitiva e visual. Por isso, ele não se expressa muito bem. Se está sentindo alguma dor, não consegue explicar. Eu tenho que perceber pelo instinto materno.
A visão dele é baixa, por conta de um problema sério na retina, mas nada que o impeça de ter uma vida normal, apesar dos cuidados. Consigo ir com ele para qualquer lugar. Ele não precisa de remédios neurológicos nem de nenhum equipamento especial.
A escola é que foi um grande desafio para mim. Por mais que seja lei a inclusão de alunos com deficiência, muitas escolas disseram que não tinham estrutura para recebê-lo. E tem aquelas que fazem a matrícula, mas, no dia a dia, não incluem a criança de fato.
Hoje, o meu filho está em uma escola particular onde é bem aceito, com profissionais que abraçaram a causa. Sou muito grata por ver a professora cuidar dele. Isso é tudo para mim, só tenho a agradecer.
Na nossa história, senti preconceito contra o meu filho apenas nessa questão de matrícula escolar. Mas nos locais aonde vou e com as pessoas com quem convivemos, nunca teve discriminação declarada. Claro que há alguns olhares… principalmente de outras crianças. Mas entendo que são crianças e isso nunca me incomodou. Nunca deixei de andar com ele em lugar nenhum.
Na primeira infância, a rotina era bem corrida porque ele tinha muitas sessões de terapias, que começaram no segundo mês de vida. Mas a nossa vida hoje é como de qualquer família. Eu cuido dele e da minha filha mais nova de manhã. O Gabriel toma café, vê TV, escuta música, dou banho, dou almoço e ele vai para a escola com a condução. Quando ele volta de noitinha, janta, toma banho de novo e vai para a cama. Às sextas-feiras, ele tem musicoterapia e fonoaudióloga.
Ele passou por vários exames para tentar entender qual é a causa da microcefalia, mas nunca descobriram. Os médicos dizem que foi genético, já que não foi causado por nenhum vírus.
Antes da epidemia de microcefalia que estamos vendo agora, eu nunca tinha encontrado crianças como o meu filho. Há alguns anos, esbarrar com alguém com microcefalia era quase como ganhar na loteria. Só agora estou conhecendo outras mães de crianças com a mesma condição. Elas estão formando grupos para trocar experiências.
Para as mães que estão sabendo agora sobre a microcefalia do filho, eu digo o seguinte: é muito difícil receber esse diagnóstico, mas para Deus nada é impossível. Cada mãe, com suas particularidades, vai aprender a cuidar, a amar e a conhecer o seu filho. Elas vão sentir a luz dessas crianças. É um sentimento muito puro.”
Maria Clara Vieira, Crescer