Médicos anunciam a cura de paciente com Aids utilizando células-tronco
Foto publicada pela revista Stern com paciente |
Médicos que fizeram um transplante com células-tronco em um homem infectado por HIV com leucemia, em 2007, acreditam que o paciente tenha sido curado. Um relatório foi publicado recentemente no jornal Blood, da Sociedade Americana de Hematologia, afirmando que, com base em resultados de extensos testes, “é razoável concluir que a cura da infecção por HIV foi obtida nesse paciente.” As informações são do site Aids Map.
O homem recebeu medula óssea de um doador que tinha resistência natural à infecção por HIV – isso se deve a um perfil genético que fez o correceptor CCR5 estar ausente das células dele. A variedade mais comum do HIV usa CCR5 como ‘base de encaixe’, prendendo-se a ela com o intuito de entrar e infectar as células CD4, e as pessoas com essa mutação estão quase completamente protegidas contra a infecção.
O caso foi relatado pela primeira vez na Conferência de Retrovírus e Infecções Oportunistas de 2008, em Boston, e os médicos de Berlim publicaram posteriormente um estudo de caso detalhado no New England Journal of Medicine, em fevereiro de 2009.
O estudo de caso
O ‘paciente de Berlim’, HIV-positivo que desenvolveu aguda leucemia mieloide, recebeu tratamento bem-sucedido e posteriormente experimentou uma reincidência em 2007, que exigiu um transplante de células-tronco.
Os médicos escolheram células-tronco de um indivíduo que tinha um perfil genético incomum: uma mutação herdada de ambos os pais que resultou em células CD4 que careciam do receptor CCR5. Essa mutação, chamada CCR5 delta 32 homozigosidade, está presente em menos de 1% dos caucasianos no norte e no oeste da Europa, e está associado a um risco reduzido de se tornar infectado com HIV.
Isso se dá porque todos os novos vírus precisam usar o receptor CCR5 nas células CD4 quando infectam um sistema imunológico do tipo CD4.
Posteriormente, no curso da infecção por HIV, surge outro tipo de vírus que pode usar o receptor CXCR4.
A terapia antirretroviral foi suspensa no dia do transplante, e o paciente teve de receber um segundo transplante de células-tronco 13 dias depois do primeiro, devido à outra reincidência de leucemia.
O paciente continuou a receber tratamento imunossupressor para evitar a rejeição por 38 meses, e biópsias do cólon foram feitas para investigar possíveis doenças no intestino. Em cada investigação, amostras adicionais foram tiradas para verificar indícios de infecção por HIV nas abundantes células imunes da parede do intestino.
Durante o período posterior de 38 meses de acompanhamento, o doador de células CD4 já tinha reposto o sistema imunológico da mucosa do intestino, a um nível que a frequência das células CD4 era quase duas vezes maior do que nos exames de controle de um grupo HIV negativo. Esse fenômeno também foi visto em um grupo de controle de dez indivíduos HIV-negativos que receberam transplantes de células-tronco.
A reposição de células CD4 foi acompanhada pelo completo desaparecimento de células CD4 hospedeiras, e depois de dois anos, o paciente tinha a quantidade de CD4 de um adulto saudável da mesma idade.
Um dos desafios de qualquer abordagem para curar a infecção por HIV envolve células do sistema imunológico com vida longa, que precisam ser limpas antes que um paciente possa ser curado. No caso do paciente de Berlim, macrófagos com CCR5 não puderam ser detectados depois de 38 meses, sugerindo que a quimioterapia tinha destruído essas células com vida longa e que elas também foram substituídas por células do doador.
O paciente não retomou a terapia antirretroviral depois do transplante.
Todavia, o HIV continuou indetectável pelo exame RNA e exames para detectar DNA viral dentro de células, e níveis de anticorpos de HIV caíram ao ponto de o paciente não ter reatividade aos principais anticorpos do HIV, e apenas níveis muito baixos de anticorpos para as proteínas envolventes do HIV.
Dezessete meses depois do transplante, o paciente desenvolveu uma doença neurológica, que exigiu uma biópsia cerebral e punção lombar para pegar uma amostra do fluído cérebro-espinhal (CSF) para fins de diagnóstico. O HIV também foi indetectável no cérebro e no CSF.
Uma indicação adicional de que o HIV não está presente está no fato de que as células CD4 do paciente são vulneráveis à infecção com o vírus que mira no receptor CXCR4. Se qualquer vírus com essa preferência ainda estiver presente, os pesquisadores argumentam que seria possível infectar levemente a grande população das células de memória CD4 que surgiu.
O paciente de Berlim fala com a imprensa
O `paciente de Berlim`, Timothy Ray Brown, cidadão americano que mora em Berlim, foi entrevistado esta semana pela revista alemã Stern.
O tratamento contra leucemia foi exaustivo e longo. Brown sofreu duas reincidências e passou por dois transplantes de células-tronco, e teve sério transtorno neurológico quando parecia prestes a se recuperar.
O problema neurológico levou a cegueira temporária e problemas de memória. Brown ainda está passando por fisioterapia para ajudar a restaurar a coordenação e voltar a andar, além de fonoaudiologia.
Amigos perceberam uma mudança de personalidade também: ele está muito mais franco, possivelmente uma desinibição relacionada aos problemas neurológicos.
Timothy Brown agora pensa em se mudar de Berlim para Barcelona ou San Francisco, e, segundo a revista Stern, tomar uma bebida e fumar um cigarro.
A Stern também entrevistou Dr Gero Hütter, responsável pelo tratamento de Timothy Brown . Dr Hütter disse à Stern que, como cientista, estava “no lugar certo, na hora certa” e que “é importante ter derrotado o dogma de que o HIV nunca pode ser curado. Algo desse tipo é a maior coisa que alguém pode conseguir na pesquisa médica”.
Implicações para futuras abordagens para curar infecção por HIV
Se uma cura foi obtida nesse paciente, isso indica o caminho para tentativas para desenvolver uma cura para a infecção por HIV por meio de células-tronco geneticamente produzidas.
Os pesquisadores alemães e Jay Levy, professor imunologista em San Francisco, acreditam que as descobertas mostram a importância de suprimir a produção de células condutoras de CCR5, tanto por transplantes quanto por terapia genética.
Os cientistas ficaram intrigados com o paciente de Berlim que encontraram em 2009 para discutir como poderiam coordenar esforços para identificar doadores com a mutação CCR5-delta32 homozigose e expandir o suprimento de células-tronco desses doadores, por exemplo, por meio de amostras de células sanguíneas do cordão umbilical de bebês nascidos de mães que têm essa mutação CCR5-delta32 homozigose, para eventualmente facilitar a terapia de células-tronco.
Técnicas de terapia genética que podem transformar células-tronco – e todos os seus descendentes – em células resistentes à entrada de HIV podem ser uma opção mais prática do que buscar doadores compatíveis.
Vários grupos de pesquisa americanos anunciaram em outubro de 2009 que receberam recursos para explorar técnicas para criar e introduzir células-tronco com deficiência de CCR5.
Como a experiência de Timothy Brown mostra, curar infecção por HIV por meio de quimioterapia ablativa, de drogas imunossupressoras e de transplante de células-tronco não é um tratamento para os fracos. Isso exige coragem, determinação e muito apoio para se tornar a primeira pessoa a ser `curada` de infecção por HIV.
Jornal do Brasil