Notas de alunos cotistas superam a de não-cotistas na UFMG
Nota de alunos que ingressam na UFMG pela cota este ano já supera a dos não cotistas no último vestibular. "Minha avó é analfabeta e minha mãe não terminou o primário", revela estudante cotista, que será a primeira da família a ingressar em uma universidade
Márcia Maria Cruz, EM
Cotistas que chegam à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) obtiveram notas superiores às dos não cotistas ingressantes em 2013, último ano em que o vestibular foi a porta de entrada para uma das maiores instituições públicas do Brasil. As informações foram divulgadas pelo jornal Estado de Minas nesta segunda-feira (27).
Em Medicina, um dos cursos mais concorridos da Federal, os cotistas tiveram que alcançar a nota mínima de 750,02 pontos para garantir uma vaga, pontuação superior à que a ampla concorrência conquistou em 2013, de 685,3 pontos (veja a tabela abaixo).
Neste ano, primeiro em que a reserva de vagas foi aplicada na totalidade – 50% das vagas, conforme prevê a Lei das Cotas aprovada em agosto de 2012 –, os cotistas enfrentaram maior concorrência entre eles. “Os cotistas entram na UFMG mais bem preparados que os não cotistas de poucos anos atrás”, afirma o pró-reitor de Graduação, Ricardo Takahashi. Em 2013, a reserva de cotas era de apenas 12,5% do total de vagas.
Das 6.279 vagas, 3.142 foram destinadas às cotas de escola pública, levando em conta reserva para negros e indígenas. Uma delas foi conquistada pela estudante Talita Barreto, de 20 anos. “Todo ano a nota de corte muda e tivemos muito mais inscrições para o Enem. Quando vi minha nota fiquei com medo de não passar, principalmente em engenharia, que é um curso muito concorrido.” A ação afirmativa foi fundamental para que a jovem, filha da diarista Helena Barreto, se tornasse a primeira em sua família a ser aprovada para o ensino superior numa universidade federal. “Era um sonho fazer faculdade. Minha mãe sempre insistiu para que eu e meus irmãos estudássemos. As cotas nos possibilitam acesso a algo que é nosso”, afirmou. A jovem também foi aprovada, por meio das cotas, para música na Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg).
Com a ampliação do percentual de vagas destinadas às cotas, um dos fatores esperado por Takahashi é que o ingresso de estudantes de escolas municipais e estaduais seja ampliado. Nos primeiros anos das cotas, havia um domínio de estudantes vindos de escolas federais – essas instituições ocupam os primeiros lugares no ranking do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2015. “É provável que aumente um pouco a proporção de estudantes de escolas estaduais e municipais em relação aos estudantes egressos de escolas federais de ensino médio”, afirmou. Essa previsão só poderá ser confirmada depois que os alunos efetivarem a matrícula.
Os dados da universidade têm demonstrado que não há diferença no desempenho de cotistas e não cotistas. “No que diz respeito à qualidade, tudo indica que não exista nenhuma razão para preocupação”, disse Takahashi. O pró-reitor reitera que o aumento da competição pelas vagas na maior universidade pública do estado, decorrente do Sisu, também causou um aumento da competição entre os cotistas.
Debutantes da família
Muitos estudantes que entram pelas cotas são os primeiros da família a ingressar no ensino superior. É o caso da estudante Lívia Teodoro, de 24 anos, que foi aprovada em história, com média geral de 667,92. “Obtive 880 pontos na redação e acredito que isso tenha me ajudado bastante.” Ela credita o desempenho ao ativismo na internet, onde publicava textos sobre feminismo negro. A jovem escreve para o blog Na Veia da Nêga e é coordenadora-geral do Clube de Blogueiras Negras de Belo Horizonte.
Lívia cursou todo o ensino fundamental e médio em escola pública. “Tive a oportunidade de conhecer professores que me instigaram muito e fizerem despertar esse lado apaixonado por estudar, entretanto, não basta querer para conseguir absorver conhecimento dentro de uma escola pública.Não é nada fácil se concentrar numa sala com 40 alunos e goteiras em dias de chuva. Este era o retrato de muitos dos meus anos escolares.”
Por um tempo a universidade era algo distante para a jovem, que teve que abandonar temporariamente o ensino médio. “Parei de estudar por conta do trabalho, saía muito tarde e não tinha o mínimo foco nos estudos, após um dia inteiro de trabalho.” Lívia reconhece que, mesmo gostando muito de estudar, o ensino em escola pública não a colocava em pé de igualdade com alunos que estudaram na rede particular.
“A UFMG para mim é um sonho, que não acreditava conseguir. Fiquei em primeiro lugar das cotas. Sem as cotas não teria sequer tentado e, não por não acreditar na minha capacidade, mas sim por diversos fatores que nos deixam atrás daqueles que tem toda uma estrutura privilegiada para assegurar que eles cheguem lá”, afirmou.
Lívia será a primeira a se formar no ensino superior na família, tanto do lado paterno quanto materno. “Minha avó, com quem moro, é analfabeta, minha mãe não terminou o primário. Ambas mulheres fortes e guerreiras, que, como podem imaginar, estão deslumbradas em me ver entrar em uma universidade pública.”