Chegou a hora de falar de homofobia no futebol
Makchwell Coimbra Narcizo*, Pragmatismo Político
Inicio afirmando que o título do artigo está incorreto, visto que já passou da hora se falar de homofobia no futebol.
O futebol se popularizou pelo mundo por conta de diversos aspectos, dois deles saltam aos olhos, em primeiro lugar por ser um esporte que pode ser praticado em diversos terrenos e com apenas uma bola, seja ela de que material for, desde as bolas tecnológicas com materiais sintéticos a bolas de meia ou de jornal; outro aspecto importante é o fato do futebol ser um esporte que não privilegia apenas um biotipo específico, mas dá oportunidade para que pessoas com corpos distintos se divirtam. O futebol tem ídolos ao estilo grandalhão, tal como Ibrahimovic, mas também tem os baixinhos ao estilo do inesquecível Romário… tem o forte Yaya Touré e o franzino Messi, o magro esguio estilo Sócrates e os “corpulentos” estilo Puskas e Maradona, o ultimo aliás, era também baixinho… o futebol pode ser um esporte para atletas com corpos que beiram a perfeição atlética como Cristiano Ronaldo, mas também para o sem explicações como Garrincha, simplesmente Garrincha. O futebol é de todos porque é para todos.
Mas o futebol não é apenas um jogo, é mais, representa mais e significa mais. No transcorrer de sua história, o esporte que nasceu na Inglaterra e ganhou o mundo, passou por transformações, mas preservou sua essência de aglomerar pessoas em torno de uma bola, de captar emoções de pessoas diferentes.
Ao longo de sua trajetória, o futebol foi instrumento utilizado tanto para opressão, tal como as vezes que fora utilizado por ditaduras sanguinárias, quanto para libertação, como esquecer o Start, time que derrotou os nazistas mesmo sob ameaça de morte?
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Mas qual o motivo da urgência em se falar de homofobia no futebol? Bom, se não fossemos levar em consideração que o referido tema tem ganhado cada vez mais destaque nas discussões de um modo geral, alguns fatos ligados ao futebol fazem do tema algo com elevada importância. Vamos a eles:
1 Em meados de outubro o ex jogador francês Thierry Henry falou abertamente sobre a necessidade do tema homofobia ser tratado no futebol, aliás falou mais, afirmou que já passou da hora do futebol aceitar abertamente jogadores homossexuais. Na verdade o ex atleta foi indagado em uma pergunta relacionada ao item 2 deste artigo, entretanto o coloco como item 1 pelo fato de ter sido ele que fez brotar a idéia de refletir sobre o tema e, por se tratar de um jogador da grandeza de Thierry Henry.
Não se trata de um jogador periférico ou sem expressão no futebol, trata-se de um atleta multi campeão, pela seleção nacional da França ganhou todos os títulos possíveis, Copa das Confederações (2003), UEFA Euro (2000) e Copa do Mundo em 1998; por clubes fora campeão nacional em 4 países diferentes, na França pelo Mónaco (96/97), na Espanha pelo Barcelona (08/09 e 09/10), nos Estados Unidos pelo New York (2013) e é claro, na Inglaterra (01/02 e 03/04) pelo Arsenal liderando uma das equipes mais memoráveis do século XXI, sendo o maior artilheiro da história do clube e também o maio ídolo, apelidado pelos torcedores de “a lenda”; tem ainda o principal título de
competição interclubes, conquistando pelo Barcelona a UEFA Champions League (08/09) e o Mundial de Clubes de 2009. Não, não se trata de um jogador qualquer.
No mais, Henry não falou para “aparecer” como pode sugerir alguns, sua carreira faz com que não precise disso e mais, ele nunca foi adepto de excesso de aparições, nem redes sociais administra.
Perguntado sobre a possibilidade de atletas profissionais assumirem sua homossexualidade, Thierry Henry foi enfático: “tornar isso um problema é que é o problema”, quando foi interpolado novamente, esperava-se que este fizesse algum tipo de “retratação”, ele respondeu “o que estou dizendo é que as pessoas tornam isso um problema, quando já deveria estar tudo bem agora. Vivemos em uma época diferente, em um mundo diferente. As pessoas deveriam aceitar isso”.
A certa medida o que o francês nos diz é “como assim, se fala de futebol moderno, do uso de tecnologias no futebol e se omite a um tema tão atual?”
2 Thierry Henry ter sido indagado sobre homofobia se deu por conta da imprensa inglesa ter noticiado que no fim da atual temporada dois jogadores importantes assumirão sua orientação sexual enquanto homossexuais, sendo um deles jogador da seleção nacional da Inglaterra, o que causou um alvoroço incrível na mídia inglesa.
A partir daí diversos jogadores foram interpolados sobre tal possibilidade, com respostas sempre buscando tirar a importância do caso, a do ídolo do Arsenal foi a que mais marcou por discutir abertamente o tema, que ainda é um tabu na Inglaterra e no mundo do futebol.
Como já era de se imaginar, iniciaram investigações para se “descobrir” quem eram os dois jogadores, diversas hipóteses foram levantadas, tal como diversos métodos, como analisar os jogadores com poucas “atitudes de homens”, não queria nem imaginar o que seria isso… mas imagino. Com as investigações a todo vapor chegaram ao nome de Luke Shaw, uma das maiores revelações do futebol inglês.
O jogador de 20 anos se prontificou a rebater as insinuações e postou em sua conta no Twitter “Não sou eu. Então, cada um pode calar a boca agora”.
Não se trata do jovem jogador ser ou não homossexual, trata-se do burburim que tal notícia causou, é fácil notar que o tema ainda é um tabu no meio futebolístico. Uma questão é evidente, na sociedade existe um crescente número de pessoas que se assumem enquanto homossexuais, dentre elas personalidades conhecidas, o que nos leva a uma pergunta básica: se a porcentagem de pessoas que assumem sua homossexualidade dentro da sociedade é grande em porcentagem, por que o futebol tem 0% de atletas homossexuais? Sim, o tema tem que ser debatido.
3 A final da Copa do Mundo de Rúgbi 2015 escancarou o quanto o futebol ainda está atrasado no que diz respeito as atuais discussões sobre orientação sexual.
Nigel Owens foi o árbitro da final, ele é assumidamente homossexual, é necessário salientar que no rúgbi os árbitros têm um papel de destaque maior que no futebol tendo uma centralidade maior nos jogos, sendo muitos deles, ídolos do esporte. Some a isso o fato dos jogadores ingleses Keegan Hirst e Gareth Thomas assumiram que são homossexuais e continuam suas carreiras livremente.
Mas isso é rúgbi, o que tem a ver com o futebol?
Taí um questionamento interessante. Nunca gostei muito de rúgbi, em certa medida por conta da forma de sua separação do futebol e por ter seguido um caminho mais aristocrático e elitista, sempre imaginei por isso, o futebol como um esporte mais inclusivo; outro fato é a que famosa frase “futebol é um jogo de cavalheiros jogados por selvagens, rúgbi é um esporte de selvagens jogado por cavalheiros!” Sempre me incomodou muito, sempre pensei “quem são esses caras que ainda se acham superiores”. Pois bem, me parece que eles falam com certa razão.
Não é que o rúgbi seja um palco de inclusão e o futebol palco de repressão, vemos algumas atitudes oficiais no futebol que vão contra a corrente de se afirmar como um exporte exclusivo de “machos”. Podemos ver torcidas LGBT oficiais nos rivais de Londres Tottenham Hotspur e Arsenal, é comum ao assistirmos jogos de Borussia Dortmund e Bayern de Munique ver no estádio algumas bandeiras do movimento LGBT, também atitude da Deutsche Fussball Liga, responsável pelas duas principais divisões da Alemanha, pressionada por alguns clubes é bem verdade, em se portar contra a homofobia, ou atitudes do Everton da Inglaterra em abraçar campanhas contra homofobia, mas a contrapartida podemos também ver faixas homofóbicas de alas da torcida do time de Munique para “denegrir” atletas adversários. Temos também diversas ações isoladas, tal como ações do Rayovallecano da Espanha Sankt Pauli da Alemanha que além de camisas alusivas ao movimento LGBT apóiam abertamente a causa, mas são clubes que sempre se posicionam a favor de movimentos sociais e de minorias.
Não se trata aqui de defender uma mudança de essência no esporte mais adorado do mundo, nem tão pouco o transformar em palco para militância LGBT, mas simplesmente que ele pulse com a realidade do mundo, visto que pulsar… sentir sempre foi o diferencial do futebol, para bem e para mal.
O futebol é um palco de emoções dos mais importantes, por isso já passou da hora de ser espaço para discussões importantes e urgentes, tal como homofobia, machismo, violência, desigualdade social e diversas outras.
O capitão da seleção nacional de rúgbi da Austrália, David Pockook famoso por militar em diversas áreas como a ambientalista e LGBT ao ser indagado sobre suas lutas disse certa vez “nós queremos tornar o rúgbi inclusivo para aqueles que jogam e aqueles que assistem”, da mesma forma digo: não queremos mudar o futebol, queremos apenas atentar para a necessidade de o tornar algo mais inclusivo para aqueles que jogam e aqueles que o amam, para o futebol ser ainda maior.
Esperamos sim que um dia “bicha” não seja um xingamento no futebol, mas não apenas no futebol.
*Makchwell Coimbra Narcizo é professor na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, mestre em História pela Universidade Federal de Goiás, doutorando em História pela Universidade Federal de Uberlândia, membro do GEPAF – Grupo de estudos e pesquisa Aplicados ao Futebol/UFG e colaborou para Pragmatismo Político