“Teoria” do desconhecimento do fato
André Falcão*
Durante um bom tempo de advocacia pública ocupei cargo de chefia. E como tal tive sob minha coordenação técnica e administrativa alguns valorosos colegas. Invariavelmente, depositava sobre eles a confiança normal e necessária a liderá-los, usando os meios de controle de gestão inerentes ao cargo. Geria, então, um espectro microscópico da administração.
Por essa época testemunhei um presidente de partido político ser condenado por crimes que teriam sido praticados por alguns de seus membros ou de partidos aliados, fundada a condenação na equivocada e inaceitavelmente ressuscitada teoria do “domínio do fato”. Isto é: à míngua de prova de que houvesse participado da suposta atividade criminosa, admitia-se que necessariamente dela teria conhecimento, pelo cargo ocupado. Em suma: um subordinado teria supostamente praticado um crime e, você, face ao cargo que ocupasse, necessariamente de tudo saberia, quando não seria o mentor, donde mereceria ser condenado também, se aqueles o fossem. Um dos juízes, recordo-me, chegara a afirmar que o condenava, inobstante sem provas, porque a literatura jurídica o permitiria. Estava a referir-se à tal da teoria do “domínio do fato”.
Tempos depois, um colega, também chefe, confidenciou-me que a ser assim deveria incluir em suas orações o pedido aos céus para que nenhum de seus subordinados pudesse vir a cometer delitos que deles não lograsse conhecer, mas que segundo os adeptos de ocasião da referida teoria deles deveria sabê-lo, frente ao cargo que então ocupava.
É que temia, vindo a descobrir-se um suposto e desconhecido malfeito patrocinado por um deles, ser acusado de que necessariamente deveria dele ter conhecimento, quando não fosse dele mentor. Achei um exagero, e rimos. Mas…
Por essa época observei muita gente regozijando-se por tal ou qual membro daquele partido estar metido em algum desvio ético. Alguns, inclusive, que não tinham sequer a mínima condição moral para fazê-lo. Tipo: tá vendo? Olha aí, o metido a limpinho..!
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Pude constatar, assim, que o temor do colega não era assim tão amplificado. Não tive dúvidas de que, ao lado dos novéis adeptos togados da malfada teoria que poderiam incriminá-lo, decerto também haveria os hipócritas de sempre que se regozijariam em vê-lo “envolvido” em alguma safadeza eventualmente cometida por um preposto seu, para dizer, com o cinismo e deleite que lhes é inerente: Ele sabia; como não saberia?!
Um dos prazeres dos canalhas é a difusão da impressão coletiva de que todos são como eles.
*André Falcão é advogado e autor do Blog do André Falcão. Escreve semanalmente para Pragmatismo Político