Marina e Maria: As jovens que foram mortas pela conivência social
O desaparecimento de Marina e Maria comoveu a América Latina nas últimas semanas. Seus corpos foram encontrados com golpes na cabeça e dois homens confessaram o crime. Na internet, houve quem culpasse as mulheres pelo assassinato. Por outro lado, uma jovem escreveu uma carta emocionante em homenagem às vítimas
A América Latina se comoveu com o desaparecimento o de duas jovens turistas argentinas no Equador.
Marina Menegazzo e María José Coni estavam viajando pelo país quando desapareceram de uma região litorânea em 22 de fevereiro.
Em um esforço de busca que envolveu inclusive o presidente do país, Rafael Correa, dois corpos foram encontrados poucos dias depois, com sinais de golpes na cabeça.
La Patria está de luto. ¿Quién puede hacer algo así?
Encontraremos a los culpables.
Nuestro abrazo a las familias.https://t.co/TtDyNlVJrY— Rafael Correa (@MashiRafael) 28 de fevereiro de 2016
Ainda há muitos pontos para esclarecer na história, mas dois homens foram detidos, e um deles contou à polícia que se ofereceu para ajudar as meninas, que estavam sem dinheiro. Elas foram com eles para uma casa, onde os dois tentaram estuprar as jovens.
“Segundo o relato do detido, ele e seu amigo estavam bêbados, e um deles levou uma das meninas ao seu quarto e tentou tocá-la. A jovem resistiu e ele deu uma paulada em sua cabeça, que a matou instantaneamente“, contou ao La Nacion Eduardo Gallardo Rodas, um dos responsáveis pela investigação do caso no país. A outra jovem, segundo a investigação, morreu após tomar uma facada.
Segundo o pai de uma das vítimas, antes de chegarem ao Equador, elas passaram por Santiago do Chile, Lima e Machu Picchu.
Guadalupe Acosta é estudante de Comunicação no Paraguai e, aparentemente, não tem nenhuma relação com as vítimas. A jovem, no entanto, escreveu uma carta emocionante em memória das duas.
“E só morta entendi que para o mundo eu não sou igual um homem. Que morrer foi minha culpa, que sempre vai ser.”
Leia abaixo a íntegra do texto:
“Ontem me mataram.
Me neguei a deixar que me tocassem e, com um pedaço de pau, me arrebentaram o crânio. Me deram uma facada, e me deixaram morrer sangrando.
Como lixo, fui enfiada em uma sacola plástica, fechada com fita adesiva, e fui jogada em uma praia, onde horas mais tarde me encontraram.
No entanto, pior do que a morte, foi a humilhação que veio depois. Desde o momento em que encontraram meu corpo inerte, ninguém se perguntou onde estava o filho da puta que acabou com meus sonhos, minhas esperanças, minha vida.
Não, mas logo começaram a me fazer perguntas inúteis. A mim, imaginem, uma morta, que não pode falar, que não pode se defender.
– Que roupa você usava?
– Por que andava sozinha?
– Como uma mulher vai viajar desacompanhada?
– Estava em um bairro perigoso, o que esperava?
Questionaram os meus pais, por me darem asas, por deixarem que eu seja independente, como qualquer ser humano. E disseram que, seguramente, nós andávamos drogadas e buscamos por isso, que alguma coisa nós fizemos, que nós deveríamos ter sido vigiadas.
E só morta eu entendi que não, para o mundo, eu não sou igual a um homem. Que morrer foi minha culpa, que sempre vai ser. Enquanto que se a notícia fosse ‘dois jovens turistas mortos’ as pessoas estariam prestando condolências e, com seu discurso falso e hipócrita de dupla moral, pediriam pena maior aos assassinos.
Mas quando é uma mulher, se minimiza. Se torna menos grave, porque é claro, eu mesma busquei. Fazendo o que eu queria, encontrei o que merecia por não ser submissa, por não querer ficar dentro de casa, por investir meu próprio dinheiro em meus sonhos. Por isso e por muito mais, me condenaram.
Me entristeci, pois não estou mais aqui. Mas você está. E é mulher. E tem que aturar o mesmo discurso de “se dar valor”, de que é sua culpa que gritem na rua que querem tocar/lamber/chupar seus genitais porque você veste um short com 40 graus de calor, de que se você viaja sozinha você é “louca” e que muito seguramente, se algo acontece com você, se pisoteiam os seus direitos, foi você que buscou isso.
Peço que por mim e por todas as mulheres que foram caladas, silenciadas, que tiveram suas vidas e seus sonhos acabados, você levante a voz. Vamos brigar, ao seu lado, em espírito, e prometo que um dia seremos tantas, que não vão existir sacos plásticos suficientes para nos calarem.”
Ayer me mataron.Me negué a que me tocaran y con un palo me reventaron el cráneo. Me metieron una cuchillada y dejaron…
Publicado por Guadalupe Acosta em Terça, 1 de março de 2016
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