Sergio Moro e as perguntas que não querem calar
As empresas que financiaram o PT abasteceram o PSDB. Os patrocinadores do Instituto FHC são os mesmos do Instituto Lula. As delações que citam Aécio Neves foram esquecidas. Por que? Seria Sergio Moro um juiz ingênuo?
O espetáculo da condução coercitiva do ex-presidente Lula na semana passada expôs a nu as motivações políticas do juiz federal Sergio Moro. Criticada por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e por juristas de todos os matizes (incluindo um ex-ministro de FHC), a operação não tem outra explicação que não o linchamento público de Lula.
O argumento de que a medida extrema foi para a proteção do ex-presidente não convence nem as carolas do Country Club de Maringá, frequentado pelo juiz. O ministro Marco Aurélio Mello, que não é exatamente um petista, afirmou que “não gostaria de ser ‘protegido’ dessa maneira”.
A Lava Jato ganhou popularidade por ter pegado peixes graúdos do empresariado. Os donos do Brasil foram em cana e não saíram no mesmo dia. Assim, Moro elevou-se com a fama de justiceiro, o Falcone das Araucárias. No entanto, com o passar do tempo, a Lava Jato e seu principal condutor foram revelando vícios comprometedores.
O primeiro foi o dos pesos da balança. A décima quarta fase da operação, quando foram presos Marcelo Odebrecht [presidente da Odebrecht] e Otávio Marques de Azevedo [presidente da Andrade Gutierrez], recebeu o nome de “Erga Omnes”, em latim “Vale para todos”. Vale mesmo?
Presidente do PSDB, o senador Aécio Neves (MG) foi citado em mais de uma delação – numa delas como detentor de um terço das propinas de Furnas e… nada. A campanha tucana foi beneficiária de doações das mesmas empresas que financiaram Dilma, por vezes com valores iguais ou maiores. Mas num caso as doações foram criminosas e noutro não? O Instituto FHC recebeu contribuições de várias das empresas investigadas, tal como o Instituto Lula. Mas não consta ter havido busca e apreensão por lá.
Visivelmente a Lava Jato escolheu alvos e excluiu outros. Optou por atacar Lula e o PT e por preservar o PSDB. Além disso, há os incríveis vazamentos das operações e de depoimentos sob “sigilo”. O editor da revista “Época” – do Grupo Globo – anunciou a operação no Twitter com horas de antecedência. Há algo de podre aí. Resta saber o que une Moro, Globo e a PF numa sintonia tão fina…
Por muito menos, o ministro Gilmar Mendes falou em “estado policial” e Paulo Lacerda foi defenestrado da direção da PF em 2007. Aliás, não deixa de ser curioso o silêncio de Gilmar, tão preocupado com as garantias constitucionais, em relação aos procedimentos “heterodoxos” do juiz Moro e da Lava Jato.
Abuso das prisões preventivas, negociações pouco claras em relação às delações premiadas e agora a condução coercitiva (condução compulsória por agentes policiais) sem intimação prévia. Para atingir seus propósitos, Moro abre precedentes perigosos. Com a mente messiânica de um justiceiro, parece estabelecer para si o objetivo de “moralização” do país. Há, porém, sérios motivos para se desconfiar do que ele entende por isso.
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Num evento com empresários no ano passado, Moro disse que “a iniciativa privada tem melhores condições de liderar um movimento contra a corrupção”. Hein? A mesma iniciativa privada que sonega R$ 500 bilhões de impostos todos os anos e tem 30% do PIB em paraísos fiscais? Aquela que desviou no esquema do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) mais de três vezes o valor das propinas da Petrobras? Ora, dizer um disparate desses revela ou ingenuidade ou cinismo.
Moro é também admirador confesso da Operação Mãos Limpas, conduzida pela procuradoria de Milão nos anos 1990. A Mãos Limpas prendeu 2.993 pessoas durante quatro anos e investigou 872 empresários, 438 parlamentares e 4 primeiros-ministros. Liquidou com os quatro maiores partidos políticos do país.
O resultado de tudo isso não foi a “moralização” da Itália. Foi a ascensão de Silvio Berlusconi como primeiro-ministro, estabelecendo um reinado corrupto e depravado que durou 12 anos. A Mãos Limpas não acabou com a corrupção porque nenhum justiçamento acaba. É evidente que as investigações sobre corrupção são importantes e devem ser aprofundadas, mas sem as arbitrariedades, achincalhamentos e a seletividade de nenhum justiceiro de toga.
Enfrentar a corrupção no Brasil implica enfrentar um sistema político em que os interesses públicos e privados historicamente se amalgamam. Mas isso não está pautado no horizonte do juiz Sergio Moro. Para ele, trata-se de prender Lula e contribuir com a derrubada do governo petista. Definitivamente não parece ingenuidade.
*Guilherme Boulos é filosofo pela USP e integrante da coordenação nacional do MTST