Redação Pragmatismo
História 07/Jun/2016 às 12:47 COMENTÁRIOS
História

Foucault, Deleuze e um diálogo para recordar

Publicado em 07 Jun, 2016 às 12h47

O diálogo em que Gilles Deleuze e Michel Foucault discutem o ódio que o povo tem contra o poder estabelecido e como a mídia se vale desse sentimento e busca direcioná-lo

deleuze foucault diálogo
Imagem: Deleuze [esq] e Foucault

Iana Pires*, Algo Interessante

Em conversa com Deleuze, Foucault dizia (o que já havia dito em seus livros anteriores, sobretudo em “A defesa da sociedade”) que as lutas antijudiciárias provêm sob o ódio que o povo tem da justiça, das prisões e, portanto, não são contra as injustiças, mas contra o poder. Isso Deleuze viria a completar, com relação à circulação nos jornais, dizendo que o que se encontra na realidade, por exemplo, dentro de uma escola ou de uma prisão, é muito diferente do conteúdo da informação midiática circulante em sua grande parte.

Hoje notamos um impacto no discurso das pessoas, com destaque para as da classe média, que o inscreve num posicionamento que, como desde há meses, defende a redução da maioridade penal, o apoio a atitudes antidemocráticas, como impeachment da presidente Dilma ou a comportamentos fascistas da polícia militar, entre outros. Desse impacto, as mídias se fazem valer manobrando as deficiências e a falta de clareza da população com relação aos manejos de poder.

De modo mais primitivo, não há clareza sobre a exploração imanente ao sistema capitalista, porque este é o sistema do não-dito, apesar de sabermos quem são as empresas que mais lucram e quem são essas mãos que recebem os lucros. O jogo de poder é difuso, escondido, por isso o discurso das lutas se opõe ao segredo e este é difícil de escavar. Então, o que ocorre com as pessoas que não têm tanto interesse no poder, mas o seguem, o agarram com força e mendigam uma parcela dele? Talvez porque exista o desejo de investimento, nascido do sistema e também alimentado por ele, o que justifica que a população desejou o fascismo em algum momento. Assim, as pessoas conduzidas pelo desejo que modela o poder, e que investem nesse desejo, no sentido econômico, se permitem de maneira confortável ser manejadas pelas mídias amigas do sistema. Essas mídias, por sua vez, também produzem informações de modo mais confortável, que lhe assegurem adesão a seus propósitos articulados ao poder. Portanto, o desejo material, que confere a uma pessoa algum grau de destaque na sociedade, favorece os manejos de poder, caminhando com o conforto do irrefletido, e explica porque esse mesmo poder se encontra tanto na polícia como no Estado.

Assim, as manobras de poder são retroalimentadas pela própria sociedade. Quando pensamos nas mídias como veículo de manipulação dos enunciados da informação, sejam elas televisivas, radiofônicas, impressas ou da internet, faz-se necessário despir das ideologias (ou ao menos fazer esforço para), reconhecendo-se como sujeito quase sempre portador de um direcionamento político. É necessário sair da ilha para ver a ilha, uma vez que os limites delineados pelas direções políticas tornam as informações nebulosas e, com isso, mais confortáveis para serem adotadas superficialmente.

Mas onde, afinal, encontramos os outros veículos de informação que têm a preocupação de refinar a fidelidade à informação? Essas mídias, raras, existem concentradas na internet, mesmo que ainda em processo de refinamento e amadurecimento, pois é comum trazerem resíduos da parcialidade ou da tendenciosidade. Mas elas trabalham com o esforço para trazer a informação com embasamento intelectual, confrontada com os questionamentos teóricos e históricos. Em geral, por isso, seus textos são mais extensos, de modo a desenvolver reflexão coerente, escavando os fatos, os enunciados e as motivações, com o cuidado de afastar as tendências especulativas totalmente.

Bem, termino com uma inquietação óbvia, mas não menos nebulosa: Embora existam as mídias críveis, ainda assim a grande parte das pessoas não está interessada nesses veículos de informação em sua proposta de verdade. É comum, mas não pode ser tratado como normal. É mais confortável, mas não menos grave. Aliás, gravíssimo.

*Iana Pires é mestra em ciências pela USP e pesquisadora

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