Impasse nuclear
Brasil repete no Irã tradição de primar pela paz e pelo diálogo. Lula e Erdogan marcam um gol de placa nas relações diplomáticas internacionais
Desde o fim da antiga União Soviética em 1991, o mundo vive uma situação de unipolaridade. Apenas uma potência, os Estados Unidos, domina completamente o planeta, subjugando povos e nações. Não tolera que povos e países emergentes decidam sobre os seus destinos. Não há contraponto algum ao poderio militar e econômico norte-americano. Mesma a China e a Rússia, não têm sido páreo para fazer frente aos ditames estadunidenses.
No entanto, em especial na América Latina, vários governos têm sido eleito com visões antiimperialistas, que confrontam até mesmo o modelo de capitalismo financeiro e o neoliberalismo que tantos males causou aos povos no mundo. As relações sul-sul tem se consolidado e ampliado. Novos pólos têm sido construídos, como a África do Sul, a Índia e o Brasil na América do Sul.
Nesse sentido, a diplomacia aplicada pelo governo do presidente Lula, operada pelo seu chanceler Celso Amorim tem sido irrepreensível. Orgulha-nos a todos os brasileiros. Praticamos uma política de soberania, de respeito às decisões dos povos e governos de todo o mundo no caminho de sua autonomia e da busca da paz. Defendemos com firmeza o desarmamento mundial, a desnuclearização do mundo. Apoiamos a criação do Estado Palestino e defendemos a retirada das tropas do Iraque. Colocamo-nos contra a ocupação do Afeganistão. Ampliamos nossas relações comerciais com a China, o continente africano e toda a América Latina. Fortalecemos o Mercosul, criamos a UnaSul e da Aliança em Defesa do Sul, com um Banco especial para o desenvolvimento.
Todas essas medidas vêm sendo encaradas pelo império do Norte como uma afronta. Como pode um país em desenvolvimento como o Brasil, querer ser um jogador no cenário internacional? A Casa Branca não tolera a democracia, a autonomia dos povos, a soberania nacional. Esta no DNA do imperialismo a sua agressividade. O Brasil adotou política de “gente grande”. Pretendeu – e consegui – mediar com a ajuda da Turquia, um acordo de cooperação nuclear com o Irã que todas as potências do Conselho de Segurança, mais a Alemanha (G5+1 ou Irã-6) não conseguiram.
A situação é paradoxal. A hilária secretária de Estado norte-americana Hilary Clinton, visivelmente abalada na última terça-feira, dia 18 de maio, anunciou um rascunho de nova resolução do CS da ONU, com apoio dos seus cinco membros permanentes com direito de veto, inclusive da China e da Rússia.
O que está acontecendo mesmo?
Se por um lado o acordo foi saudado em todo o mundo como uma vitória na busca da paz, vitória em trazer o Irã para a mesa de negociações, por outro, como explicar que no dia seguinte Hilary anuncie novas sanções pelo CS da ONU?
O acordo assinado é praticamente idêntico ao que o grupo G5+1 apresentou em 23 de outubro de 2009. O Irã aceitaria enviar a um país amigo 1,2 mil quilos de urânio enriquecido a 3,5% (usado para fins energéticos) e receberia de volta 120 quilos de urânio enriquecido a 20% (para fins medicinais e de pesquisa). O programa nuclear iraniano é claramente pacífico e científico. Tanto sua constituição, como a religião islâmica proíbem o uso de armas de destruição em massa. Os EUA passaram todo esse tempo acusando o Irã de rejeitar tal acordo. O presidente Obama chegou a ligar para Lula para que este tentasse convencer o Irã a aceitar a proposta.
Ora, exatamente no momento em que o Irã decide aceitar a proposta, exatamente igual a anterior, mas só que assinada com intermediação de países em desenvolvimento como o Brasil e a Turquia, os EUA decidem radicalizar. O que está por trás disso? Como explicar a mudança de posição da China, que no mesmo dia que Teerã assina o acordo, emitiu nota apoiando o plano, elogiando a busca do diálogo e da paz? Mudou de posição em 24 horas?
O Brasil fez o que todos esperávamos: buscou a paz. Defendeu o caminho diplomático. Esta provado que as sanções nada resolvem. Menos ainda o caminho militar. A luta política dentro dos Estados Unidos, a força do lobbye judaico e sionista é imensa. A China tem seus projetos imperiais também na Ásia e talvez não queira o Brasil como mais uma potência planetária. A mesma coisa a Rússia. Ambos os países têm seus interesses comerciais com os Estados Unidos, suas pendências diplomáticas, suas aplicações imensas em títulos do tesouro americano, de forma que podem querer se acertar com o império.
A ira dos americanos, e quem sabe dos chineses e russos, foi de que o Brasil não lhes pediu licença para mediar esse acordo junto com a Turquia. A hilariante secretária sentiu-se preterida, frustrada. O acordo é a reafirmação de que o Irã tem todo o direito de buscar a tecnologia nuclear para fins pacíficos. O G5+1 não aceita essa condição, por não controlar esse país soberano e de visão antiimperialista. Exigem que o programa seja completamente interrompido.
Na prática, os Estados Unidos sentiram-se esbofeteados por dois países emergentes, que representariam as nações do Sul. A discussão é se esses senhores da guerra, sob o comando de Washington, vencerão a batalha no CS, que agora se inicia. Brasil e Turquia abriram claramente uma dissidência. Podem ter seis votos contra a resolução (Gabão, Nigéria, Líbano e Uganda), mas isso não será suficiente para derrotá-la. Falta-nos um voto ainda (é preciso sete votos).
Entramos em uma fase de afronta clara ao império. Temos alianças amplas, mas os povos em luta precisam ir às ruas. Temos que defender o acordo, justo, positivo, em defesa de uma solução pacífica, do diálogo construtivo. Somos contra as sanções. A máquina midiática à serviço do império vai tentar desmoralizar Lula e Erdogan, desacreditando o plano. Conseguirão? Aposto que não. A conferir.
Lejeune Mirhan