Obama e Romney divergem sobre Guantánamo: um quer fechar, outro quer dobrar
Às vésperas do início oficial da disputa para presidente dos EUA, o futuro de Guantánamo permanece incerto, sendo que Romney e Obama já mostraram ter opiniões divergentes sobre seu fechamento
O centro de detenção de Guantânamo completou, em janeiro, 10 anos de funcionamento. Desde sua abertura, a prisão foi marcada de polêmica, acusações de violações humanitárias e batalhas judiciais.
A campanha para as eleições presidenciais começará após a nomeação do candidato de cada partido pelas suas respectivas convenções, que terminam nesta semana. Esta época indica, simbolicamente, o fim do mandato regular de um presidente e o momento de avaliação de promessas.
Barack Obama declarou na sua posse em 2009 que uma das prioridades de seu governo seria a desativação da prisão de Guantánamo, estipulando que atingiria o objetivo até 2010. Quase quatro anos e um mandato depois, o centro de detenção continua aberto.
A Base Naval da Baía de Guantánamo, localizada no Sudeste de Cuba, começou a receber prisioneiros em 2002. No começo, o local recebia suspeitos de participar de redes terroristas, vindos principalmente das invasões no Afeganistão e Iraque. Hoje, abriga indivíduos de várias nacionalidades diferentes, mas na sua maioria esmagadora de origem árabe e religião islâmica.
A justificativa para as detenções era a Guerra ao Terror, lançada pela administração de George W. Bush após os ataques de 11 de setembro de 2001. Desde o início de suas atividades, a penitenciária é criticada por grupos humanitários e organismos internacionais, incluindo a ONU, por violações das Convenções de Genebra de 1949 como tortura, execução sumária e prisão sem evidências.
Na abertura do campo de detenção, Bush declarou que os presos não estavam protegidos pelas Convenções de Genebra. De acordo com o presidente republicano, os indivíduos não eram prisioneiros de guerra, já que não estavam ligados a uma força armada regular. Apesar de as convenções garantirem proteções a combatentes e não combatentes em conflitos armados, o status dos prisioneiros de Guantánamo manteve-se incerto até 2006, quando a Suprema Corte do país julgou que o Artigo 3º comum às Convenções de Genebra fora violado.
Gabriel Valladares, assessor jurídico do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, explica que o dispositivo legal aplica-se a “conflito armado sem caráter internacional que surja no território de uma das Altas Partes Contratantes, os Estados”. Assim, práticas como a tortura e a manutenção dos prisioneiros sem garantias legais deveriam cessar. Entretanto, a administração Bush contornou a questão afirmando que a Baía de Guantânamo não se localizava em solo americano e permitiu o julgamento de prisioneiros por tribunais militares e o uso de provas obtidas pela coerção. Porém, desde 2007 não há documentação de novos detentos chegando à prisão.
Os democratas lançaram, em 2008, uma campanha pelo fechamento de Guantânamo, incluindo o objetivo como um dos tópicos de sua plataforma eleitoral. As convenções nacionais que formalizam a nomeação dos candidatos para a corrida presidencial marcam também o momento de discussão sobre a plataforma política que norteará os membros de cada partido pelos próximos 4 anos. Em seu primeiro dia como presidente, Obama aprovou planos para o fechamento de Guantânamo e o envio de seus prisioneiros para outras prisões. Porém, o Senado bloqueou o financiamento da operação e iniciou uma série de disputas jurídicas entre a administração e grupos políticos, culminando na diminuição do número de detentos, mas não na sua desativação. Esta é uma das promessas não cumpridas que mais marcaram as críticas internacionais ao mandato de Obama.
Mitt Romney, candidato republicano das eleições atuais, deixou clara sua opinião a respeito da prisão em um debate das primárias de 2008 no estado de South Carolina. O apresentador da Fox News propôs uma situação aos candidatos John McCain (senador do Arizona), Rudy Giuliani (prefeito de Nova Iorque entre 1994 e 2001) e Mitt Romney (governador de Massachussetts entre 2003 e 2007): Suspeitos de planejar ataques terroristas foram capturados e levados à prisão de Guantánamo. A pergunta era quão agressivamente os candidatos interrogariam os detentos. A resposta de Romney foi: “O principal é evitar que este cenário aconteça, o principal é prevenção (…). Estou contente que eles estão em Guantánamo. Não quero que eles estejam no nosso território. Eu quero-os em Guantánamo, onde não têm acesso a advogados que podem usar quando estão no nosso território (…). Algumas pessoas dizem que devemos fechar Guantánamo. Minha opinião é que devemos dobrar Guantánamo”. A declaração foi seguida de aplausos efusivos da audiência.
Apesar da ineficiência de Obama na desativação da prisão durante seu mandato, e da declaração bombástica de Romney, os candidatos e seus partidos serão mais compelidos a repensar a política sobre a prisão. Pressões diferentes das exercidas por grupos humanitários são favoráveis ao fechamento: relatórios indicam que Guantánamo é a prisão mais cara do mundo. De acordo com o Miami Herald, em 2010, o orçamento para aprisionar 171 detentos foi de US$ 139 milhões, ou cerca de US$ 813 mil para cada preso. A fragilidade econômica dos EUA já levou a cortes em programas militares que podem se agravar com as medidas de redução de déficit programadas para 2013. Além disso, pesquisas realizadas pela Gallup no começo do mês indicam que 65% dos americanos consideram a economia o problema mais importante do país.
A confirmação da importância do problema deve surgir nos próximos meses. Os republicanos não fazem menção a Guantánamo no texto de sua plataforma, mas a retórica empregada leva a crer que o partido não tem intenção de fechar a cadeia. O rascunho da plataforma democrata que deve ser aprovada nesta semana toca no assunto, mas de forma mais cautelosa que em 2008. O documento relembra a diminuição do número de prisioneiros durante o mandato de Obama, e diz que o partido permanecerá comprometido a trabalhar para desativar o centro de detenção. Apesar da pouca exposição do tema neste ciclo eleitoral, a prisão deve surgir durante os debates presidenciais, já que ambos os lados têm munição para atacar o outro.
Lucas Zapparoli, Carta Maior