Fidel Castro preferiu reinar no inferno a servir no paraíso
Fidel preferiu reinar no inferno a servir no paraíso. O líder cubano cedeu, mas não pode se esquivar do fato de que reinou num inferno de privações. Sabia que o "paraíso", no máximo, ofereceria alguns subempregos aos cubanos
Uma piada diz que Fidel Castro, no inferno, queria falar com o irmão, Raúl, mas não sabia se Cuba teria como pagar a ligação a cobrar. Perguntou à telefonista, que respondeu:
– Havana, Cuba? Vinte e cinco centavos. Daqui do inferno, a tarifa é local.
“Melhor reinar no inferno que servir no paraíso“, escreveu o inglês John Milton (1608-1674) em seu Paraíso Perdido (citado, aliás, por Luiz Alberto Moniz Bandeira no livro “De Martí a Fidel – A Revolução Cubana e a América Latina” – Civilização Brasileira). Tanto quanto para Fidel, a frase serve para Cuba como se para os habitantes da ilha houvesse sido cunhada.
Os heróis da independência (1776) e dos primeiros anos dos Estados Unidos, como Thomas Jefferson e John Quincy Adams, preocupados com a expansão do território, viam Cuba, na época pertencente à Espanha, como fronteira natural. Mais à frente, poriam os olhos até em direção à ilha de Marajó, no Brasil.
Cuba sempre foi o alvo predileto da política externa norte-americana, nas variações mais ou menos violentas de seu imperialismo. Para os EUA, a ação externa deveria ser agressiva todas as vezes em que interesses de suas pessoas, físicas ou jurídicas, fossem ameaçados.
Fidel Castro, um líder estudantil que, após um frustrado assalto a um quartel (La Moncada, em 26 de julho de 1953), teve de se exilar, jamais se comprometeu com uma ideologia ortodoxa até conquistar o poder. Seu irmão, Raúl, fora o único de seus aliados mais próximos a se filiar ao PSP (Partido Socialista Popular, o partido comunista de Cuba). Mas mesmo ele não hesitou em seguir o irmão no assalto ao quartel, contrariando as orientações do partido.
Dos demais, o argentino Ernesto “Che” Guevara dá o melhor exemplo da heterodoxia da Revolução Cubana: era um radical internacionalista, que via, na terra natal, até o populista Juan Perón com bons olhos, se esse se opusesse aos EUA.
A guerrilha de Fidel literalmente encalhou em Cuba em 2 de dezembro de 1956, no Granma, um pequeno navio, com 82 homens, e, dividida, foi atacada pelas forças legalistas. Reduzida, se reorganizou em um pequeno foco e acabou por tomar o poder.
Só um regime debilitado como o de Fulgêncio Batista (que teria fugido do país com dinheiro do Banco Central), baseado na corrupção e na violência e tortura de seus opositores, poderia ter sido vítima desse pequeno grupo, que cresceu com as adesões da população. Prova disso é que a tática fracassou do Congo à Bolívia, quando se tentou “exportar” o modelo.
A vitória de Fidel não significava, inicialmente, a vitória do comunismo. A aproximação com o PSP foi tensa, e o líder cubano esteve nos EUA em busca de anuência para o regime. No entanto, os EUA não aceitaram as reformas que Castro pretendia. Reforma agrária, nacionalização de empresas ligadas à infraestrutura etc. contrariavam os interesses dos investimentos norte-americanos na ilha.
Assim, a política norte-americana fortaleceu a esquerda do movimento castrista. E, a partir da invasão da Baía dos Porcos, em 1961, por um grupo paramilitar treinado pelos EUA, a relação entre os países tornou-se insustentável. Cuba, tão perto dos Estados Unidos, buscou refúgio na União Soviética. Fidel declarou o “caráter socialista” da revolução e adotou um regime baseado no soviético, fortemente influenciado pelo stalinismo. Foi assumindo poderes e afastando forças divergentes combinando discurso, burocracia e repressão política.
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Cuba representou uma alternativa ao cumprimento dos desejos dos interesses norte-americanos. Se não foi seguida por outros países, sua postura foi no mínimo sustentada diplomaticamente por Brasil (até 1964) e México, dificultando uma ação militar direta dos EUA.
Fidel, 40 anos depois, pode ceder ao papa João Paulo 2º e permitir a comemoração do Natal na ilha. Mas não pode se esquivar do fato de que continua reinar num inferno de privações. Sabe também que o “paraíso”, no máximo, oferecerá alguns subempregos aos cubanos, quando seus interesses não forem mais contrariados.
Haroldo Ceravolo Sereza, FolhaPress – *Texto publicado originalmente em 1999, quando Cuba iniciava uma aproximação com a Igreja Católica. Originalmente, foi pensado como uma resenha, de um livro muito informativo e interessante sobre a revolução cubana. Alguns trechos, ao final, podem parecer um pouco ultrapassados pelos fatos, em especial pelas negociações que Raul Castro e Barack Obama levaram adiante, mas a análise se mantém.