Redação Pragmatismo
Esquerda 17/Jan/2017 às 15:48 COMENTÁRIOS
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A prisão de Guilherme Boulos é uma ameaça para quem pretende resistir

Publicado em 17 Jan, 2017 às 15h48

Guilherme Boulos intermediava negociação entre 700 famílias que ocupavam área composta por terrenos privados e um terreno da Prefeitura de SP. A prisão do líder do MTST é um claro recado do Estado a quem quiser resistir. Dilma, artistas e políticos se manifestam

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O líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) Guilherme Boulos foi detido pela Polícia Militar na manhã de hoje (17), após ação de reintegração da Ocupação Colonial, na região de São Mateus, zona leste de São Paulo. A PM alegou desobediência para justificar a prisão. Arbitrariamente, também citou a participação de Boulos em atos contra o governo Temer.

“Temos horas de filmagens suas de outras manifestações e ocupações e sabemos que você é liderança, você está detido por desacato, obstrução da via, obstrução da justiça e incitação de violência”, disse um integrante da Tropa de Choque, em fala colhida pelo coletivo Jornalistas Livres. Ele foi levado ao 49º DP, onde presta depoimento.

Em nota, o MTST afirmou ser “absurda” a detenção de Boulos, que tentava buscar uma solução que evitasse o conflito. “Foi uma detenção absolutamente ilegal. Ele estava na tentativa de interceder para evitar o conflito. O MTST não tem atuação na região. O Guilherme tentava apenas mediar. Nada mais”, disse Felipe Vono, advogado do MTST.

As cerca de 700 famílias da Ocupação Colonial queriam o adiamento da reintegração para que pudessem ser inscritas em programas de habitação da prefeitura. Uma ação do Ministério Público que também pedia o adiamento foi ignorada pela PM, antes mesmo de ser apreciada pela Justiça.

“Não aceitaremos calados que além de massacrem o povo da ocupação Colonial, jogando-os nas ruas, ainda querem prender quem tentou o tempo todo e de forma pacífica ajuda-los”, diz o MTST, que também denuncia a perseguição política aos movimentos sociais.

Prisão política

Ainda detido, Boulos afirmou que sua prisão foi política. “Foi uma prisão política, evidente. Alegaram incitação à violência. Eles despejam 700 famílias com violência, e eu que incitei?”, questionou o líder do MTST, que prestou depoimento, assinou termo de responsabilidade e foi liberado por volta das 15h.

Inaceitável

A presidenta destituída Dilma Rousseff afirmou em seu perfil no Facebook que a prisão de Guilherme Boulos é inaceitável.

“Os movimentos sociais devem ter garantidos a liberdade e os direitos sociais, claramente expressos na nossa Constituição cidadã, especialmente, o direito à livre manifestação”, diz Dilma. “Prender Guilherme Boulos, quando defendia um desfecho favorável às famílias da Vila Colonial em São Paulo, evidencia um forte retrocesso. Mostra a opção por um caminho que fere nossa democracia e criminaliza a defesa dos direitos sociais do nosso povo.”

A atriz e ativista Letícia Sabatella também manifestou, por meio de sua rede social, apoio às famílias da Ocupação Colonial, na região de São Mateus, zona leste de São Paulo, e ao líder do MTST. Sua mensagem faz referência ao fato de as lutas populares em defesa de direitos e de acesso à cidadania são mecanismos de combate à escalada de violência decorrente das desigualdades. “Três mil sem ter para onde ir. Quantas sobreviveriam longe da criminalidade se não estivessem em um movimento que que lhes dá suporte?”, escreveu. “Todo apoio ao MTST e a Guilherme Boulos.”

VÍDEO:

Recado do Estado

Para Leonardo Sakamoto, jornalista e Doutor em Ciência Política, a prisão de Boulos é um recado do Estado a quem quiser resistir. “Daqui para a caça aberta nas ruas, escolas e empresas é um pulo”, diz Sakamoto, em texto publicado em seu blog no UOL. Leia a íntegra abaixo:

A acusação de que Guilherme Boulos incita ao crime por mediar uma reintegração de posse e sua detenção são tão bizarras quanto as ações que foram movidas contra o coordenador do MTST por ter afirmado que parte da sociedade iria resistir nas ruas às reformas que reduzem direitos propostas pelo governo Michel Temer.

A Polícia Militar de São Paulo deteve Guilherme Boulos, coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), na manhã desta terça (17). Ele dava apoio a cerca de 700 famílias em uma reintegração de posse na ocupação ”Colonial”, em São Mateus, na Zona Leste de São Paulo.

Boulos tentava mediar, junto com outras pessoas, o diálogo entre os moradores e a Tropa de Choque e foi acusado de incitação à violência e desobediência. ”Cometem a violência de despejar 700 famílias e eu que sou preso por incitação à violência?”, afirmou Boulos a este blog. Um comandante da polícia militar que participava da reintegração afirmou que o caso de incitação à violência era uma reincidência e citou manifestações realizadas com a participação de Boulos perto da casa de Temer.

Levado para o 49o Distrito Policial, em São Mateus, ele foi ouvido pelo delegado e, até a publicação deste post, não havia sido solto. A PM afirmou, em nota, que atendeu a uma solicitação de apoio aos oficiais de Justiça e que moradores resistiram à reintegração de posse com pedras, tijolos e barricadas com fogo.

Resistência significa utilizar os meios possíveis e ao alcance de cada um para demonstrar sua insatisfação. Isso ocorre com as elites econômica e social brasileiras, que não fazem de rogadas ao usar recursos financeiros para fazer valer sua vontade. Mas quando trabalhadores e movimentos sociais prometem resistência, ocupando ruas, avenidas e outros espaços, a ação vira caso de polícia? Onde o pessoal acha que está? Ou quando gostaria que estivéssemos? No Brasil do final do século 19 ou em plena ditadura civil-militar?

A criminalização da resistência de apenas um dos lados mostra o quanto os atores de nosso sistema político são incapazes de entender o que é, de fato, uma democracia. Chamar de violenta toda forma de resistência com a qual não concordamos é, no mínimo, infantil. Como, por exemplo, mostrar resistência diante de uma injustiça, como aquela que ocorre quando se retira centenas de famílias em um dia de chuva, sem saberem para onde ir, nem como.

Dessa forma, ao que tudo indica, a detenção de Guilherme Boulos não ocorre por sua atuação na mediação da manhã desta terça, mas por seu papel na resistência social e política brasileira. Sua voz tem sido uma das principais nas críticas ao governo Michel Temer, assim como também era durante o governo Dilma Rousseff. Ou seja, essa é sim uma prisão política.

Por isso, é preciso calá-lo ou reduzir sua credibilidade. Para que a narrativa da criminalização de movimentos sociais seja efetiva na mídia, nas redes sociais, nos espaços políticos. Narrativa que quer inverter os sentidos das palavras e transformar resistência popular em ameaça à democracia e à governabilidade.

Boulos é liderança do principal movimento social de massa deste país em termos de centralidade da pauta, capacidade de mobilização e visão de atuação hoje. Um movimento com uma agenda antiga, mas com uma equipe que sabe se comunicar e influenciar a disputa simbólica da narrativa, pela mídia, pelas redes sociais.

E vem exatamente do posicionamento crítico adotado contra a administração federal anterior o respeito de vários setores da esquerda para com o movimento e com ele. Esse respeito e essa capacidade de mobilização, que conseguem colocar dezenas de milhares de militantes nas ruas quando preciso, assusta muita gente.

Que prefere vê-lo preso do que articulando ou em cima de um caminhão de som.

Essa seria uma forma do poder público de São Paulo, mas não apenas ele, dar um ”recado” aos movimentos sociais, de acordo com fontes ligadas a ele ouvidas por este blog. Daqui para a caça aberta nas ruas, escolas e empresas é um pulo. Esse tipo de ação é uma amostra do que está acontecendo com parte da esquerda brasileira, com um macarthismo à brasileira se instalando aos poucos, como ação sistemática de limpeza ideológica. Já vimos, aqui e ali, a perseguição a quem usa roupas vermelhas e a agressão em espaços públicos contra quem defende determinado ponto de vista. Até o juramento de Hipócrates foi rasgado por médicos que acham normal não prestar atendimento a alguém que não compartilha da mesma opinião política que eles.

Daqui para a caça aberta nas ruas, escolas e empresas é um pulo.

Apesar de conquistas sociais obtidas na última década, o governo do PT não atendeu às pautas históricas propostas pelos movimentos sociais – o que, como já disse aqui, não seria nenhuma ”revolução”, mas melhoraria a vida de milhões de brasileiros que se mantêm excluídos. Pelo contrário, em nome da ”governabilidade” fez alianças espúrias, apoiando forças econômicas e políticas que eram contrárias a esses interesses populares, ignorando o suporte oferecido por esses mesmos movimentos para um mandato que significasse uma mudança de paradigma.

E o Brasil sob Michel Temer só piora esse quadro, com o desmonte do simulacro de Estado de bem-estar social que temos por aqui por conta da Constituição Federal de 1988 e por décadas de lutas do sociais.

Todos os movimentos sociais sabem o que é serem considerados criminosos simplesmente por lutarem pelos direitos que lhes são garantidos pela Constituição. Sabem o que é levar cacete por representar o que está em desacordo com a visão hegemônica de ”progresso” e crescimento econômico, seja no campo ou na cidade. E ainda guardam na memória as cicatrizes deixadas pelo passado, temendo que voltem a ser caçados dependendo do clima político do país.

Você pode não gostar de Guilherme Boulos. Mas, se preza pela liberdade, deveria repudiar a sua criminalização e dos movimentos sociais populares, da mesma forma que deve ser repudiada a criminalização de qualquer liderança social, de direita ou esquerda.

Pois, hoje é com ele. Depois, com uns sindicalistas, operários, padres, jornalistas…

Amanhã, quem sabe, não vai ser com você?

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